O conselheiro Aires e o problema do livro


Ariadne Nunes


Este site resulta do projecto de pós-doutoramento iniciado em 2015, financiado pelo Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e, a partir de 1 de Setembro de 2017, pela Fundação para a Ciência e Tecnologia - SFRH/BPD/119071/2016. Como previsto no mencionado projecto, tem duas componentes principais, uma editorial, outra de ordem crítica. Visa, por um lado, disponibilizar edições dos dois últimos romances de Machado de Assis, Esaú e Jacó e Memorial de Aires, e, por outro, apresentar uma reflexão crítica que cruze os elementos que resultam do estudos dos testemunhos destes romances com o que nos próprios textos se diz sobre a escrita e o processo de escrita.

Do ponto de vista teórico, a relação entre escrita e leitura pode ser exibida através de um estudo de crítica genética, uma vez que a explicitação do processo de escrita a mostra como recepção (Grésillon) - aquilo que o escritor leu é integrado na sua própria escrita - e dá origem a outros processos de recepção, designadamente pelo próprio escritor, primeiro leitor do que escreveu. Esta consciência põe fim à época em que escrita e leitura eram vistas como tendo existências paralelas e autónomas, e abre caminho a uma noção de textualidade em que fim e princípio não são claramente assinalados (Grésillon), sendo particularmente instigante num autor como Machado de Assis, que se dedica à reflexão metaliterária, através de mecanismos como, por exemplo: (i) a confusão entre narradores, autores ficcionais e personagens (v. g., o Conselheiro Aires nos livros objecto deste projecto), que contribuem para questionar a ideia de autor e a sua relação com o livro que escrevem como “ideia de totalidade e por um princípio de destinação” (Baptista 1998: 363); (ii) as constantes interpelações ao leitor, que tornam a sua existência e presença explícita, e convocam questões relativas à leitura e à determinação do sentido dos textos; (iii) a relação entre fragmento e totalidade, quer através do protagonismo atribuído ao capítulo, no livro, quer das relações de intertextualidade existentes, de que é exemplo paradigmático a citação de Memorial de Aires em Esaú e Jacó; (iv) a divisão interna entre várias personagens, seja o conselheiro Aires, simultaneamente o que narra e que é narrado, sejam os gémeos Pedro e Paulo ou Flora, incapaz de se decidir entre um e outro; (v) os problemas colocados pela autobiografia e pelo relato memorialístico como verdadeiro ou ficcional, que se não podem desvincular da construção da personagem como autor.

A tensão, que Marta de Senna reconhece em Memorial de Aires, entre “o que é e o que poderia não ter sido” (Senna 2008: 262) pode ser vista como paralela à que se descobre ao fazer o estudo genético de um texto, confrontando o que o texto acabou sendo com o que poderia ter sido. As hipóteses postas pelo autor durante o processo de escrita mostram possibilidades de leitura, que desestabilizam a ideia de livro como unidade harmónica de sentido unívoco, e, simultaneamente, questionam a autoridade daquele sobre o texto. O sentido joga-se sempre entre o que está e o que poderia estar, ambos evidenciados, numa edição genética, pelo processo de escrita autoral. Os estudos que se apresentam, considerando o material que resulta dos testemunhos da génese de Esaú e Jacó e Memorial de Aires, foi feito nesta perspectiva e estão disponíveis no separador "Textos críticos". Sempre que refiram partes específicas de Esaú e Jacó ou Memorial de Aires haverá uma hiperligação dos textos críticos para os passos relevantes do manuscrito ou da edição crítica do romance em causa. É esta, aliás, a única diferença que têm relativamente à sua versão publicada em revistas várias, identificadas também nesse separador.

Quanto às edições, apresentam-se quatro edições de cada um dos livros finais machadianos: uma edição diplomática do manuscrito, uma edição também diplomática da 1ª edição de cada um romances, uma edição genética e uma edição crítica. No separador "Normas de edição" encontrar-se-á a descrição dos testemunhos que serviram de base às edições, bem como a descrição dos critérios de edição usados.

Quaisquer observações que permitam melhorar a qualidade das edições aqui apresentadas poderão ser enviadas para o e-mail ariane@addition.org. Todas as melhorias que venham a ser introduzidas serão creditadas.

Agradeço à Academia Brasileira de Letras, em particular aos funcionários do Arquivo, toda a colaboração que me prestaram no período em que estive no Rio de Janeiro, a fazer a transcrição dos manuscritos, bem como a confirmação da autorização para o uso das imagens dos manuscritos aí arquivados.

Sempre que os utilizadores deste arquivo pretendam fazer uso das imagens e transcrição aqui disponilizadas, deverá ser feita referência à proveniência das imagens e à responsável pela edição.

Lisboa, 17 de Abril de 2023

Centro de Estudos Comparatistas, BPD,no âmbito do Projecto MORPHE - Texto e Memória, UID/ELT/00509/2013 e SFRH/BPD/119071/2016   FCSH IELT FCT