Introdução Normas de edição

 

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AdvertenciaAdvertência o título "Advertência" não consta do manuscrito

 

Quando o conselheiro Ayres falleceuAires faleceu, acharam-se-lhe na secretária secretaria dezsete cadernos manuscriptosmanuscritos, rijamente encapados em papelão. Cada um dos primeiros noveseis tinha o seu numeronúmero de ordem, por algarismos romanos, I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX I, II, III, IV, V. VII, II, III, IV, V, VI, escriptosescritos a tinta encarnada. O decimo setimosétimo trazia um titulo, assim este tituloeste título: Ul ULT Ultimo Ultimo.Último

A razão desta designação especial não se comprehendeucompreendeu então nem depois. Sim,

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era o ultimoúltimo dos dezsete cadernos, com a particularidade de ser o mais grosso, mas não fazia parte do Memorial, diariodiário de lembranças que o conselheiro escrevia desde muitos annosanos e era a materiamatéria dos noveseis. Não trazia a mesma ordem de datas, com indicação da hora e do minuto, como usava nestes. nelles.neles. Era uma narrativa; e, posto figure nella aqui o proprio Ayrespróprio Aires, com o seu nome e titulotítulo de conselho, e, por allusãoalusão, algumas aventuras, nem assim deixava de ser uma a narrativa extranha áestranha à materiamatéria dos noveseis cadernos. UltimoÚltimo porquê?

A hypothesehipótese de que o desejo do finado fosse imprimir este caderno

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em seguida aos outros outros, parece incon inaceitavel, s não é natural, salvo se queria obrigar a leitura dos noveseis, em que tratava de si, antes que lhe conhecessem esta outra historia, composta, organisada, historia, escriptahistória, escrita com um pensamento interior e unico, atravezúnico, através das paginaspáginas diversas. Nesse caso, era a vaidade do homem que falava, mas a v a vaidade não fazia parte dos seus defeitos. Quando fizesse, valia a pena satisfazel-asatisfazê-la? ElleEle não representou papel eminente neste mundo; percorreu a carreira diplomaticadiplomática, e aposentou-se. Nos lazeres do officioofício, escreveu o Memorial, que, aparado das paginaspáginas mortas ou escuras, apenas daria

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(e talvez dê) para matar o tempo da barca de PetropolisPetrópolis.

Tal foi a razão de se publicar somente sómente a narrativa. Quanto ao titulotítulo, foram fôram lembrados variosvários, em que o assumptoassunto se pudesse resumir, Ab ovo, por exemplo, apezarapesar do latim; mas venceu a ideia de conservar o do manuscripto, posto q lhe falte a relação de ordem. Ultimo estava, Ultimo fica. venceu, porém, a ideia de lhe dar estes dous nomes que o proprio Ayres citou uma vez: ESAÚ E JACOBvenceu, porém, a ideia de lhe dar estes dous nomes que o próprio Aires citou uma vez: ESAÚ E JACÓ.

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Dico, che quando l´anima mal nata...

Dante

 

 
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ESAÚ E JACOB

 

Dico, che quando l´anima mal nata...

Dante.

 

 

CapituloCapítulo PrimeiroI  

Cousas futuras!  

Era a primeira vez que as duas iam ao morro do CastelloCastelo. Começaram de subir pelo lado da rua do Carmo. Muita gente ha nesta cidadeno Rio de Janeiro que nunca lá foi, muita haverá morrido, muita mais nascerá e morrerá sem lá pôr os pés. Nem todos podem dizer com verdade quedizer que conhecem uma cidade inteira. Um velho inglezinglês, que aliás andáraandara terras e terras, dizia-meconfiava-me umaha muitos annosanos em Londres que

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de Londres só conheciam/a\ bem Piccadilly a Cityo seu club, e era o que lhe bastava da metropolemetrópole e do mundo.

Agueda Conceição Natividade e PerpetuaPerpétua conheciam outras partes, alemalém de Botafogo, mas o morro do CastelloCastelo, por mais que ouvissem falar delledele e da cabocla que lá reinava em 1871, era-lhes tão extranhoestranho e remoto co como Piccadilly a Cityo club. O ingremeíngreme, o desigual desegual, o mal calçado da ladeira mortificavam os pés ásàs duas pobres donas. Não o obstante, continuavam a subir, como se fosse penitenciapenitência, devagarinho, cara no chão, veuvéu para baixo. A m manhã trazia certo movimento; mulheres, homens, creançascrianças que

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desciam ou subiam, lavadeiras e soldados, algum empregado, algum logistalojista, algum padre, e ninguem conhecia as duas senhoras todos olhavam espantados para ellaselas, que aliás vestiam com grande simplicidade; mas ha um donaire que se não perde, e não era vulgar naquellasnaquelas alturas. A mesma lentidão do andar, comparada áà rapidez das outras pessoas, faziam fazia desconfiar que era a primeira vez que alliali iam. Uma creoulacrioula perguntou a um soldadosargento: «Você quer ver vêr que ellaselas vão áà cabocla?» E ambos pararam a distanciadistância, tomados daquelledaquele no grande invencivelinvencível desejo de conhecer a vida uns dos outros que é a base da historia. que faz a prova testestemunhal da historia.alheia, que é muita vez toda a necessidade humana.

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Com effeitoefeito, ellasas duas senhoras buscavam disfarçadamente o numeronúmero da casa da cabocla, até que deram com ella/e\ele. A casa era como as outras, trepada no morro. Subia-se por uma escadinha, estreita, e sombria, adequada áà aventura. QuerendoQuizeramQuiseram entrar depressa, mas esbarraram com dous sujeitos que vinham descendo,saindo, e coseram-se áoao paredeportal. Um dellesdeles perguntou-lhes familiarmente se iam consultar a adivinha.

— Perdem o seu tempo, concl concluiu, efurioso, econcluiu furioso, e hão de ouvir muito disparate...

— Não, subam, subam, emendou o outro,

— É mentira delledele, emendou o outro rindo; a cabocla sabe muito bem onde tem o nariz.

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Hesitaram um pouco; mas, logo depois advertiram que as palavras do primeiro eram signalsinal certo da videnciavidência e da fidelidadefranquezafidelidadefranqueza da adivinha; nem todos teriama a mesma sorte alegre. Em ver- A dos meninos de Soledade AguedaConceição Natividade podia ser miseravelmiserável, e então... Emquanto Em quantoEnquanto cogitavam passava/ou\ fórafora um frade , depois um carteirocarteiro, que as fez subir mais depressa, para escapar a outros olhos. Tinham fé, mas tinham tambemtambém vexame da opinião, como um devoto que se benzesse ásàs escondidas.

Um v/V\elho caboclo, as fez entrar na sala; era o pae da adivinha. A salapae da adivinha, conduziu as senhoras á sala. Estapai da adivinha, conduziu as senhoras à sala. Esta era simples, as paredes eramnuas, nada que lembrasse mysteriomistério ou en incutisse pavor, nenhum petrecho

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symbolicosimbólico, nenhum bicho empalhado, es esqueleto ou sin desenhosdesenho de molestiasaleijões. Quando muito, muito um registo da ConceiçãoVirgem Conceição collado ácolado à parede podia lembrar um mysteriomistério, apezarapesar de encardido e roidoroído, mas não mettiametia medo. Sobre uma cadeira, uma viola.

— Minha filha ja vem, disse o velho. As senhoras como se chamam?

A Uma e a outra deram Agueda deuConceição deuNatividade deu o nome de baptismo somente, sómente, Maria, como um veuvéu mais espesso que o que traziam/a\ no rosto, e receberam recebeu um cartão, — porque a consulta era só de uma — com o num numeronúmero 1,0942,094 1,012. Não ha que pasmar do nu algarismo; a fregueziafreguesia era numerosa, e vinha de mezesannosdous annos muitos mezes.muitos meses. TambemTambém não ha que

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dizer do costume, que é velho e velhissimovelhíssimo. Relê EschyloÉsquilo, meu amigo, relê as EumenidesEumênides, lá verás a PythiaPítia, chamando os que iam áà consulta: «Se ha aqui HellenosHelenos, venham, approximem-seaproximem-se, segundo o uso, na ordem marcada pela sorte... » A sorte outr’oraoutrora, a numeração agora, tudo é que a verdade se ajuste áà prioridade, e ninguemninguém perca a sua vez de audienciaaudiência. Natividade guardou o bilhete, e ambas foram fôram á janellaà janela.

A falar verdade, temiam ambas temiam o seu tanto, PerpetuaPerpétua menos que Natividade. A aventura parecia audaz, e algum perigo possivelpossível. Não ponho aqui os seus gestos; imaginaeimaginai que eram

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desconcertados inquietos e desconcertadinqu inquietos e desconcertados. Nenhuma dizia nada. Natividade confessou depois que tinha um nó na garganta. Felizmente, a cachcabocla não se demorou muito; ao cabo de treztrês ou quatro minutos, o paepai a trouxe pela mão, erguendo a cortina do fundo.

— Entra, BarbaraBárbara.

BarbaraBárbara entrou, emquantoenquanto o paepai pegou da viola e passou ao patamar de pedra, áà porta da esquerda. Era uma creaturinhacriaturinha leve e breve, sáiasaia bordada, chinellinha chinelinha no pé. Não se lhe podia negar um corpo airoso. Os

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cabelloscabelos, apanhados no alto da cabeça por um pedaço de fita enxovalhada, faziam-lhe um solideusolidéu natural, cuja borla era suppridasuprida por uma flor azul.um raminho de arruda. vaevai nisto um pouco de sacerdotizasacerdotisa. O mysteriomistério estava nos olhos. Estes eram opacos, não tanto nem semprenão sempre nem tanto que não fossem tambem lucidostambém lúcidos e agudos, e neste ultimoúltimo estado eram egualmenteigualmente compridos; tão compridos e tão agudos que entravam pela gente abaixo, revolviam o coração e tornavam cá fórafora, promptosprontos para nova entrada e outro revolvimento. Não te minto dizendo que as duas sentiram tal ou e qual fascinação. BarbaraBárbara

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interrogou-as; Natividade disse ao que vinha e entregou-lhe os retratos dos filhos e os cabelloscabelos cortados, por lhe haverem dito que bastava.

— Basta, confirmou BarbaraBárbara. Os meninos são seus filhos?

— São.

— Cara de um é cara de outro.

— São gemeosgêmeos; nasceram ha pouco mais de um annoano.

— As senhoras podem sentar-se.

Natividade disse baixinho áà outra que «a cabocla era sympathicasimpática», não tão baixo que esta não pudesse ouvir tambemtambém; e dahidaí pode póde ser que ellaela, receiosareceosa da predicçãopredição, quizesse aquilloquisesse aquilo mesmo para obter um bom destino aos filhos. A cabocla

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foi sentar-se áà mezamesa redonda que estava no centro da sala, virada para as duas. PozPôs os cabelloscabelos e os retratos defronte de si. Olhou mualternadamente para elleseles e para a mãe, fez algumas perguntas a esta, e lo ficou a mirar os retratos e os cabelloscabelos, boca bôca aberta, sobrancelhas cerradas. Custa-me dizer que accendeuacendeu um cigarro, mas digo, era p verporque é verdadeverdade, e o fumo concorda com o officioofício. FóraFora, o paepai roçava os dedos na viola, murmurando uma cantiga do sertão do norte:

Menina da saia branca,

Saltadeira de riacho...

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EmquantoEnquanto o fumo do cigarro ia subindo, a cara da adivinha mudava de expressão, radiante ou sombria, ora interrogativa, ora explicativa. BarbaraBárbara inclinava-se aos retratos, a moapertava uma madeixa de cabelloscabelos em cada mão, e fitava-as, e cheirava-as, e escutava-as, sem a affectaçãoafectação que por venturaporventura aches nesta linha. TaesTais pou gestos não se poderiam contar naturalmente. SoledadeAguedaConceição Natividade não tirava os olhos delladela, como se quizesse lel-aquisesse lê-la por dentro. E não foi sem grande espanto que lhe ouviu perguntar se os meninos tinham brigado antes de nascer.

— Brigado?

S/B\rigado, sim, senhora.

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— Antes de nascer?

— Sim, senhora, pergunto se não teriam brigado, no/a\ ventre de barriga ventre barriga no ventre de sua mãe; não se lembra?

Soledade AguedaConceiçãoNatividade, que não tivera a gestação socegadasossegada, respondeu que effectivamenteefetivamente sentira movimentos extraordinariosextraordinários, repetidos, e dores dôres, e insomniasinsônias... Mas então que era? Brigariam porquê? A cabocla não respondeu. Ergueu-se pouco depois, e andou áà volta da mezamesa, lenta, como somnambulasonâmbula, os olhos abertos e fixos; depois entrou a tro dividil-osdividi-los novamente entre a mãe e os retratos. Agitava-se agora mais, respirando grosso. Toda ellaela, cara e braços, hombrosombros e pernas, toda era

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pouca para arrancar a palavra ao Destino. EmfimEnfim, parou, sentou-se exhaustaexausta, até que se ergueu de salto e foi ter com as duas, tão radiante, os olhos tão vill vivos e callidoscálidos, que a mãe ficou pendente dellesdeles, e não se pode poudepôde ter que lhe não pegasse das mãos e plhe perguntasse anciosaansiosa:

— Então? Diga, fale, possoDiga, posso ouvir Tudotudo.

BarbaraBárbara, cheia de alma e riso, deu um respiro de gosto. A primeira palavra parece que lhe chegou áà boca, bôca, mas recom/lh\eu-se ao coração, virgem dos labios dellalábios dela e de alheios ouvidos. Soledade AguedaConceiçãoNatividade instou para/ela\pela resposta, que lhe dissesse tudotudo, sem mefalta... e perguntava o

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— Cousas futuras! murmurou finalmente a cabocla.

— Mas, cousas feias?

— Oh! não! não! Cousas bonitas, cousas futuras!

— Mas isso não basta; diga-me o resto. Esta senhora é minha irmã e de segredo, mas se é preciso sair, ella saeela sai; eu fico, diga-me a mim só... Serão felizes?

— Sim.

— Serão grandes?

— Serão grandes, oh! grandes! Deus hade ha dehá de dar-lhes muitos beneficiosbenefícios. EllesEles h hão de subir, subir, subir... Brigaram no/a\/o\no ventre barriga ventre de sua mãe, que tem? Cá fóra tambemfora também se briga. Seus filhos

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serão gloriosos. É só o que lhe digo. Quanto áà qualidade da gloriaglória, cousas futuras!

Lá dentro, a voz do caboclo velho ainda uma vez continuava a cantiga do sertão:

Trepa-me neste coqueiro,

Deita-meBota-me os coqcocos abaixo.

E A a filha, não tendo mais que dizer, ou não sabendo mais quesabendo que explicar, dava aos quadris o gesto da toada, que o velho repetia lá dentro:

Menina da saia branca,

Saltadeira de riacho,

Trepa-me neste coqueiro,

Bota-me os cocos , abaixo.

Quebra coco, sinhá,

Lá no cocacocá,

Se te dá na cabeça,

HadeHá de rachá;

Muito heidehei de me ri,

Muito heidehei de gostá,

Lelê, cocô, nayánaiá.

 
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CapituloCapítulo II 

Melhor de descer que de subir.

Todos os oraculos temoráculos têm o falar dobrado, mas a final alguma vez entendem-seentendem-se. Soledade aca AguedaConceição Natividade acabou entendendo a cabocla, apezarapesar de lhe não ouvir mais nada; bastou saber que as cousas futuras seriam bonitas, e os filhos grandes e gloriosos para ficar alegre e tirar da bolsa uma nota de cincoentacinquenta mil reisréis. Era cinco vezes mais que o preço do costume, e valia tanto ou mais que as dadricricas dadivasdádivas de Créso á PythiaCreso à Pítia. Arrecadou

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os retratos e os cabelloscabelos, e as duas sairam, em quantosaíram, enquanto a cabocla ia para os fundos, áà espera de outros. Já haviam alguns freguezes áfregueses à porta, com os numerosnúmeros de ordem, e ellaselas sairamdesceram rapido/amente,\rapidamente cara no chão. escondendo a carta cara.

MathildePerpetuaPerpétua compartia as alegrias da irmã, as pedras tambemtambém, o murro muro do lado do mar, as camizascamisas penduradas ás janellasàs janelas, as cascas de banana no chão. Os mesmos sapatos de um irmão das almas, que ia a dobrar a esquina da rua de/a\ Misericordiada Misericórdia para a de S.São José, pareceu riremque riaciam rir de alegria, quando realmente gemiam de cançasso.cançassocansaço. SoledadeConceiçãoAguedaNatividade

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estava tão fórafora de si que, ao ouvir-lhe pedir: «Para a missa das almas!» tirou da bolsa uma nota de dous mil reisréis, nova em folha, e deitou-a áà bacia. A irmã chamou-lhe a attençãoatenção para o engano, mas não era engano, era para as almas do purgatoriopurgatório.

E seguiram lepidaslépidas para o coupé, que as esperava no espaço que fica entre a egrejaigreja de S.São José e a camaracâmara dos deputados. Não tinham querido que o carro as levasse até ao principioprincípio da ladeira, para que o cocheiro oue o lacaio ou ambosou n não desconfiassem da consulta. Toda a gente falava então da cabocla do

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CastelloCastelo, era o velhopri assumptoassunto da cidade; attribuiam-lheatribuíam-lhe um poder infinito, uma seriesérie de milagres, sortes, achados, casamentos. Se descobr as descobrissem, estavam perdidas, embora muita gente boa lá fosse. Agora, Ao vel-asvê-las dando a esmola ao irmão das almas, o l cocheiro tocoulacaio trepou á almofadaà almofada e o cocheiro tocou os cavalloscavalos, paraa carruagem veiu buscal-asveio buscá-las, e guiou para Botafogo.

 
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CapituloCapítulo III 

A nota de dous mil reis A esmola da felicidadefelicidade.

– Deus lhe accrescenteacrescente, minha senhora devota!, gemeu exclamou o irmão ao v das almas ao ver a nota cair em cima de dous nickeisníqueis de tostão e alguns vintensvinténs antigos. Deus lhe dê todas as felicidades do ceucéu e da terra, e as almas do purgatoriopurgatório peçam a Maria SantissimaSantíssima que recommenderecomende a senhora dona a seu bemditobendito filho!

Quando a sorte ri, toda a nat natureza ri tambemtambém, e o coração ri como tudo o mais. Tal foi a explicação que, por outras palavras menos esp especulativas, deu o irmão das almas aos dous mil reisréis. A suspeita de ser a nota falsa não chegou a tomar pé no cerebrocérebro delle;deste: foi allucinação alucinação

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rapidarápida. Creu SuppozComprehendeuCompreendeu que as damas eram felizes, e, tendo o uso de pensar alto, disse piscando o olho, emquanto ellasenquanto elas entravam no carro:

AquellasAquelas duas viram passarinho verde, com certeza.

Sem rodeios, suppozsupôs que as duas senhoras vinham de alguma aventura amorosa, e concdeduziu isto de treztrês factos,fatos, que sou obrigado a enfileirar aqui para não deixar este homem sob a suspeita de calumniadorcaluniador gratuito. O primeiro foi a alegria dellasdelas, o segundo o valor da esmola, o terceiro o carro que as esperava a um canto, como se ellas quizessemelas quisessem esconder do cocheiro o ponto dos namorados. Não concluas tu que

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elleele tivesse sido cocheiro alguma dia, e andasse a conduzir moças antes de servir ásàs almas. TambemTambém não creias que fosse outr’oraoutrora rico e d adulteroadúltero, aberto de mãos, quando vinha de dizer adeus ásàs suas amigas. Ni cet excès d’honneur, ni cette indignité. Era um pobre diabo sem mais officioofício que a devoção. Demais, não teria tido tempo; mecontava apenas vinte e trezsete annosanos.

ComprimentouCumprimentou as senhoras, quando o carro passou. Depois ficou a olhar para a nota tão fresca, tão valiosa, nota que almas nunca viram sair das mãos delledele. Fu/o\iFoi subindo a rua de S.São José. Já não tinha animoânimo de de pedir; a nota fazia-se ouro, e a

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ideia de ser falsa voltou-lhe ao cerebrocérebro, mase agora mais frequente, até que se lhe pegou por alguns instantes. Se fosse falsa... «Para a missa das almas!» ge gemeu áà porta de uma quitanda, e deram-lhe um vintemvintém, – um vintemvintém sujo e triste, ao pé da nota tão novinha que parecia sair do prelo. Seguia-se um corredor de sobrado. Entrou, subiu, pediu, deram-lhe dous vintensvinténs, – o dobro da outra moeda no valor e no azinhavre.

E a nota sempre limpa, uns dous mil reisréis que pareciam vinte. O homNão, não era falsa. No corredor pegou delladela, mirou-a bem,; boera verdadeira. De repente, ouviu abrir a cancellacancela em

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cima, e uns passos rapidosrápidos. ElleEle, mais rapidorápido, metteu os dedos na bacia, saccou a amarrotou a nota e metteu-aamarrotou a nota e meteu-a na algibeira das calças; ficaram só os vintensvinténs, azinhavrados e tristes, o oboloóbolo da viuvaviúva. Saiu, foi áà primeira officinaoficina, áà primeira loja, ao primeiro corredor, pedindo longa e lastimosamente:

– Para P a missa das almas!

Um parenthesis. Viste a hesitação do homem. Agora sabe que elle, na egreja, ao Na egreja, aoNa igreja, ao tirar a opa, depois de entregar a bacia ao sacristão, ouviu uma voz debildébil como de almas remotas que lhe perguntavamperguntavam se os dous dous mil reisréis... Os dous mil reisréis, dizia outra

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voz menos debildébil, eram naturalmente delledele, que, em primeiro logarlugar, tambemtambém tinha alma, e, em segundo logarlugar, não recebera nunca tão grande esmola. Quem quer dar tanto vaevai á egrejaà igreja ou compra uma vela, não põe assim uma nota na bacia das esmolas pequenas.

Se minto, não é de intenção. Em verdade, as palavras não sairamsaíram assim articuladas e claras, nem as debeisdébeis, nem as menos debeisdébeis;t todas faziam uma zoeira aos ouvidos da conscienciaconsciência. Traduzi-as em lingualíngua falada, afima fim de ser entendido das pessoas que me leem lêem; não sei como se poderia transcrever para o papel

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um rumor surdo e outro menos surdo, e um atrazatrás de outro e todos confusos para o fim, até que o segundo ficou só: «Nnão tirou a nota a ninguemninguém... a dona é que a pozpôs na bacia por sua mão... tambem elletambém ele era alma...» ÁÀ porta da sacristia, que dava para a rua, ao deixar cair o reposteiro azul-escuro,azul escuro debruado de amarelloamarelo, não ouviu mais nada. Viu O irmão das almas viu Viu um mendigo que lhe estendia o chapeochapéu roto e sebento; elle metteumeteu a/v\agarosamentevagarosamente a mão no bolso do colletecolete, tambemtambém roto, e aventou uma moedinha de cobre que deitou ao chapeochapéu do mendigo, depois rapidorápido, ásàs escondidas, como quer o Evangelho. Eram dous vintensvinténs; ficavam-lhe

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mil novecentos e noventr/a\noventa e out oito reissessenta réisA edição crítica, que mantém as lições do manuscrito e da 1ª edição, refere que edições posteriores à 1ª corrigiram para mil novecentos e sessenta réis, como eu também faço. De facto, se um vintém equivalia a 20 réis, dois vinténs serão 40 réis. 2000 réis, o valor dado por Natividade, menos 40 réis, o valor dado por Nóbrega como esmola, resulta em 1960, valor com que Nóbrega ainda fica.. E o mendigo, como elle saisseele saísse depressa, mandou-lhe atrazatrás estas palavras de agradecimento, quasi egu parecidas com as suas:

– Deus lhe accrescenteacrescente, meu senhor, e lhe dê...

 
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CapituloCapítulo IV 

A missa dedo coupé coupé.

Natividade ia pensando na cabocla do CastelloCastelo, na predicçãopredição da grandeza e na noticianotícia da briga. Tornava a lembrar-se que, de factofato, a gestação não fôrafora socegadasossegada; mas só lhe ficava a s sorte da gloriaglória e da grandeza. A briga lá ia, se a houve; o futuro, sim, esse é que era o principal ou ou tudo. Não deu pela praia de Santa Luzia. No largo da Lapa interrogou a irmã sobre o que pensava da adivinha. PerpetuaPerpétua

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Perpetua respondia/eu\ que bem, que acreditava, e ambas concordaram que ellaela parecia falar dos propriospróprios filhos, tal era o enthusiasmoentusiasmo. PerpetuaPerpétua ainda lhe notou os cincoenta a reprehendeu pelos cincoentaa repreendeu pelos cinquenta mil reisréis dados á adivinha;em paga; bastavam dez... vinte...vinte.

— Não faz mal. Cousas futuras!

— Que cousas serão?

— Não sei; futuras.

Mergulharam outra vez no silenciosilêncio. Ao entrar no CatteteCatete, Agueda ConceiçãoNatividade recordou a manhã em que alliali passou, naquellenaquele mesmo coupé, e confiou ao marido o estado de gravidez. ; dahi a naVoltavam de uma missa de defunto, na igrejae/i\greja egrejaigreja de S.São Domingos...

«Na e/i\greja egrejaigreja de S. Domingos diz-se S.São Domingos diz-se hoje uma missa por alma de João de Mello, fallecidofalecido em Maricá.» Tal foi o annuncioanúncio que ainda agora podes pódes ler em algumas folhas de 1869. Não me ficou o dia, o mezmês foi agosto. O annuncioanúncio está certo, foi aquilloaquilo mesmo, sem mais nada, nem o nome da pessoa ou pessoas que mandaram dizer a missa,

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nem hora, nem convite. Não se disse sequer que o defunto era escrivão, officioofício que só perdeu com a morte. EmfimEnfim, parece que até lhe tiraram um nome; elleele era, se estou bem informado, João de Mello e Barros.

Não se sabendo quem mandava dizer a missa, ninguem la ninguem láninguém lá foi. A egrejaigreja escolhida deu ainda menos relevo ao actoato; não era vistosa, nem buscada, mas velhota, sem galas nem gente, mettidametida ao um canto de uma pequena/o\pequeno praçlargo, adequada áà missa recondita e anonymarecôndita e anônima.

ÁsÀs oito horas parou um coupé áà porta; o lacaio desceu, abriu a portinhola, desbarretou-se e perfilou-se. Saiu um senhor e deu a mão a uma senhora, a senhora saiu e tomou o braço ao senhor, atravessaram o pedacinho de rualargo e entraram na egrejaigreja. Na sacristia era tudo espanto, como fora no largo.espanto. A

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alma que a taes sitios attrahiratais sítios atraíra um carro de luxo, cavalloscavalos de raça, e duas pessoas tão finas não seria como as outras almas alli suffragadasali sufragadas. A missa A missa foi ouvida sem pêzames pesamespêsames nem lagrimaslágrimas. Quando acabou, o senhor foi áà sacristia dar as esportulasespórtulas. O sacristão, aggazalhandoagasalhando uma nota na algibeira a nota de dez mil reisréis que recebeurecebeu, achou que ellaela indicava s provava a sublimidade do defunctodefunto; mas que defunctodefunto era esse? O mesmo diria pensaria a caixa das d almas, se pensasse, quando a luva da senhora deixou cair dentro uma pratinha de cinco tostões. Já então havia na egrejaigreja meia duziadúzia de

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creançascrianças maltrapilhas, e, no largofórafóra,fora, alguma gente ásàs portas e no largo, espantadasesperando. As/O\ pessoa senhor, chegando áà porta, relanceou os olhos, ainda que vagamente, e viu que era objectoobjeto de curiosidade. A senhora trazia os seus no chão. E os dous entraram no carro, com o mesmo gesto, o lacaio bateu a portinhola e partiram.

A gente local não falou de outra cousa naquellenaquele dia e nos e e nos dias seguintes. Sacristão e visinhosvizinhos não esquecia falavam dorelembravam o coupé, com amororgulho. Era a missa do coupé. As outras missas vieram vindo, todas a pé, algumas

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de sapato roto, não raras descalças, capinhas velhas, morins estragados, missas de chita, ao domingo, missas de tamancos. Tudo voltou ao costume, mas a missa dedo coupé viveu na memoriamemória por muitos/as\/os\muitos dias semanasmezesmeses. Afinal não se falou mais nellanela; esqueceu como um baile.

Pois o coupé era este mesmo. A missa foi mandada dizer por aquelle aquelleaquele senhor, cujo nome é Santos, e o defunto era seu parente, ainda que pobre. Tambem elleTambém ele foi pobre; tambem elletambém ele nasceu em Maricá. Vindo para a/o\ CorteRio de Janeiro, por occasiãoocasião da febre das acçõesações(1855), dizem que revellourevelou grandes qualidades para ganhar dinheiro depressa. NãoGanhou muito, muito, mas logo muito,mas e fel-ofê-lo perder a outros. Casou em 1859 com Soledade Agueda esta Conceição Natividade, que ia então nos

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vinte annosanos e não tinha dinheiro, mas era bellabela e amava apaixonadamente. A Fortuna os abençoou com a riqueza. Uns annos a riqueza. Annosa riqueza. Anos depois tinham elleseles uma casa nobre, carruagem, cavalloscavalos e relações novas e distinctasdistintas. Dos dous parentes pobres de Soledade AguedaConceição morreu o pae Natividade morreu o paeNatividade morreu o pai em 1866; restava-lhe uma irmã. Santos tinha alguns em Maricá, a quem nunca mandou vintemdinheiro, fosse mesquinhez, fosse habilidade. Mesquinhez não creio; elleele gastava largo e dava muitas esmolas. Habilidade seria; tirava-lhes o gosto de vir á Corte pedir-lhe mais.

Não lhe valeu isto com João de Mello, que um dia appareceuapareceu aqui,

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a pedir-lhe emprego. Queria ser, como elle, directorele, diretor de banco. Santos arranjou-lhe depressa um logarlugar de escrivão do civelcível em Maricá, e despachou-o com os melhores conselhos deste mundo.

João de Mello retirou-se com a escrevaniaescrivania, e dizem que com uma grande paixão tambemtambém. Soledade Agueda Conceição Natividade era entãoa mais bellabela mulher do daquelledaquele tempo. Ainda agora No f fim, com os seus cabelloscabelos sexage quinquage quasi sexagenariosquási sexagenários, fará/ia\fazia crer crêr na tradicçãotradição. João de Mello ficou allucinadoalucinado quando a viu; ellaela conheceu isso, e portou-se bem. Não lhe fechou o rosto, é verdade, e era mais bellabela assim que zangada; não lhe fechou a boca, e possuia os

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maes lindos do tempo; destes temp cidade tambemtambém não lhe fechou os olhos, que eram negros e callidoscálidos. Só lhe fechou o coração, um coração que devia amar como como nenhum outro, foi a conclusão de João de Mello uma noite em que a viu ir decotada a um baile. Teve impetoímpeto de pegar delladela, descer, voar, perderem-se...

Em vez disso, uma escrevaniaescrivania e Maricá; era um abysmoabismo. Caiu nelle; treznele; três dias depois saiu da Corte do Rio de Janeiro para não tornar cávoltar. A principioprincípio escreveu muitas cartas ao parente, com a esperança de que ellaela as lêsse tambemlesse também, e comprehendessecompreendesse que algumas palavras eram para si. Mas Santos não

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lhe deu resposta, e o tempo e a ausenciaausência acabaram por fazer de João de Mello um excellenteexcelente escrivão. Morreu de uma pneumonia.

Que o motivo da pratinha de Soledade AguedaConceiçãodeitada de Natividade deitada áà caixa das almas fosse pagar a adoração do finado,defuncto,finadodefunctodefunto não digo que sim, nem que não; faltam-me pormenores. Mas pode póde ser que sim, porque esta senhora era não menos grata que piahonesta. Quanto ásàs larguezas do marido, não esqueças que o parente era defunto, e o defunto um parente menos.

 
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CapituloCapítulo V

Ha contradicções explicaveisHá contradições explicáveis.

Não me peças a causa de tanto encolhimento no annuncioanúncio e na missa, e tanta publicidade na carruagem, lacaio e libré. Ha contradicções explicaveisHá contradições explicáveis. Um bom autor, que inventasse a sua historiahistória, ou prezasse a logicalógica apparenteaparente dos acontecimentos, levaria o casal Santos a pé ou em caleça de praça ou de aluguel; mas eu, amigo, eu sei como as cousas se passaram, e refiro-as taes quaestais quais. Quando

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muito, explico-as, com a condição de que tal costume não pegue. Explicações comem tempo e papel, demoram a acçãoação e acabam por enfadar. O melhor é ler com attençãoatenção.

Quanto á contradicçãoà contradição de que se trata aqui, é de ver de que naquellenaquele recanto de um larguinho modesto, nenhum conhecido daria com elleseles, ao passo que elleseles gozariam o assombro local; tal foi a reflexão de Santos, se p se pode póde dar tal semelhante nome a um movimento interior que leva um a gente a fazer antes uma cousa que outra. Nisto não ha houve propriamente outra. Foi Está explicada a contradicção. Ja Pelo dada, a explicação. Resta que t a missa; a missa em si outra. Resta a missa; a missa em si

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mesma , e bastava a noticia que haveria dellaque fosse sabida no ceucéu e em Maricá. Propriamente vestiram-se para o ceucéu. O luxo do casal temperava a missa recondita,pobreza da oração; era uma especieespécie de homenagem ao finado. Se a alma de João de Mello os visse de cima, alegrar-se-hiaalegrar-se-ia do apuro em que elleseles foram fôram rezar por um pobre dia escrivaodiacrivão. Não sou eu que o digo; Santos é que o pensou.

 
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CapituloCapítulo VI

MaternidadeMaternidade.

A princípio, vieram calados. Quando muito, Natividade queixou-se da e/i\greja egreja, que lhe sujárasujara o vestido.

− Venho cheia de pulgas, continuou ellaela; porquepor que não fomos a S.São Francisco de Paula ou á Gloriaà Glória, que eraestão mais perto, e são limpas?

Santos trocou as mãos áà conversa, e falou das ruas mal calçadas, que faziam dar solavancos ao carro. Com certeza, quebravam-lhe as molas.

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Natividade não replicou, to mergulhou no silenciosilêncio, como naquellenaquele outro capitulocapítulo, dous annosvinte mezesvinte meses depois, quando vinhatornava do CastelloCastelo com a irmã. Os olhos parados, se eramnão tinham a nota de deslumbramento de que ti tiveram depois. trouxeram trariam então; iam parados e sombrios, como de manhã e na vesperavéspera. Santos, que ja reparárareparara nisso, perguntou-lhe o que é que tinha; que ellaela não sei se lhe r respondeu de palavra; se alguma disse, foi tão breve e surda que a acho não a pôde guardar para me inteiramente se perdeu. Talvez não passasse de um simples gesto de olhos, um suspiro, ou cousa assim. Fosse o que fosse, quando o coupé chegou ao meio do

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C do CatteteCatete, os dous levavam as mãos presas, e a expressão do rosto era de abençoados. Não davam sequer pela gente das ruas; se não davam talvez por si mesmos.

Leitor, não é muito que percebas a causa daquelladaquela expressão e desses dedos abod d abotoados. Já la ficou ditodita atrazatrás, quando era melhor deixar queque a adivinhasses; mas provavelmente não a adivinharias, sem o sanão que tenhas o entendimento curto ou escuro, mas porque o homem varia do homem homem, e tu talvez ficasses com igual egual expressão, simplesmente por saber que ias dançar sabbadosábado. Santos não dançava; preferia o voltarete, como redis tracçãotração. A causa era vertuosa virtuosa,

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Leitor, não é muito que percebas a causa daquelle extasis. Já ficou dita atraz. Era virtuosa Sem isso não a adivinharias, de resto. Era virtuosa A causa era virtuosa, como sabes; SoledadeAguedaConceiçãoNatividade estava gravidagrávida, acabava de o dizer ao marido.

Aos trinta annosanos não era cedo nem tarde; era imprevisto. Santos sentiu mais que ellaela o prazer da vida n nova. Eis ahi vinha a realidade do sonho de dez annosanos, uma creaturacriatura tirada da coxa de AbrahãoAbraão, como deziamdiziam aquellesaqueles jude bons judeus, que a gente queimou mais tarde, e agora emprestaemprestam generosamente o seu dinheiro ásàs companhias e ásàs nações. Levam juro por elleele; mas os hebraismoshebraísmos são dados

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de graça. AquelleAquele é desses. Santos, que só conhecia a parte judaica do emprestimoempréstimo, sentia inconscientemente do a do hebraismohebraísmo, e deleitava-se com elleele. A emoção tasatalha atava-lhe a lingualíngua; os olhos com que estendia áà esposa e a cobriam eram de patriarchapatriarca; o sorriso parecia chover luz sobre a pessoa amada, abençoada e formosa entre as formosas.

Soledade AguedaConceição não foi logo, logo assimNatividade não foi logo, logo, assim; a pouco e pouco foi é que veiué que veio sendo vencida e tinha ja a expressão de/a\da extasis maternidade esperança e da maternidade. Nos primeiros dias, os symptomassintomas desconcertaram a nossa damaamiga. É duro dizel-odizê-lo, mas é verdade. Lá se iam bailes e festas, lá ia

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a liberdade e a folga. Agueda ConceiçãoNatividade andava ja na alta roda do tempo; acabou de entrar por ellaela, com tal arte que parecia haver alliali nascido. Carteava-se com grandes damas, era familiar de muitas, tuteava algumas. Nem tinha só esta casa de Botafogo, mas tambemtambém outra em PetropolisPetrópolis; nem só carro, mas tambemtambém camarote no Theatro-LyricoTeatro-Lírico, não contando os bailes do Cassino Fluminense, os das amigas e os seus; todo o repertoriorepertório, em summasuma, da vida elegante. Era nomeada nas gazetas, pertencia áquella duziaàquela dúzia de nomes planetariosplanetários que figuram no meio da plebe plebe de estrellasestrelas. O marido era capitalista e directordiretor de um banco.

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No meio disso, a que vinha agora uma creança deformal-acriança deformá-la por mezesmeses, obrigal-aobrigá-la a recolher-se, pedir-lhe as noites, adoecer dos dentes e o resto? Tal foi a primeira sensação da mãe, e o primeiro impetoímpeto foi esganaresmagar o germengérmen. Criou raiva ao marido. A segunda sensação foi melhor. A maternidade, chegando ao meio dia, era como uma a aurora nova e fresca. Natividade viu a figura do filho ou filha brincando na relva da chacarachácara ou no regaço da aia, com tres annos trez annostrês anos de idade, edade, e este quadro daria aos trinta e quatro annosanos que teria entaoentão um aspecto de vinte e poucos...

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Foi o que a reconciliou com o marido. Não exagéroexagero; também não quero mal a esta senhora. Algumas teriam medo, a maior parte amor. A conclusão é que, por uma ou por outra porta, amor ou vaidade, o que o feto a creançao embryãoo embrião quer é entrar na vida. CesarCésar ou João Fernad/n\desFernandes, tudo é viver, assegurar a dynastiadinastia e sair do mundo o mais tarde que puder.

O casal ia calado. Ao desembocar na praia de Botafogo, a mar deu-lhesenseada trouxe o gosto de costume. A casa descobria-se a distanciadistância, magnificamagnífica; e ambos gostaramSantos gostou deleitou-se de vel-a, mirar-sea ver, mirou-se nellanela, crescer/u\cresceu com ellaela, subiu por ellaela. A estatueta de Narciso no meio do

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jardim, sorriu áà entrada chegada entrada dellesdeles, a areia fez-se relva, duas andorinhas cruzaram por cima do repucho,repuxo, figurando no ar a alegria dellesde ambos. A mesma ceremonia ácerimônia à descidado coupé. Santos ainda parou unsalguns instantes para vel-o ver o coupéver o coupé dar a volta, sair e tornar áà cocheira; depois seguiu a mulher em que entrava no saguão.

 
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CapituloCapítulo VII

GestaçãoGestação.

Em cima, esperava por elles Perpetuaeles Perpétua, aquellaaquela irmã de Natividade, que a a acompanhou ao CastelloCastelo, e ainda agora estálá ficou no carro, onde as deixei para narrar os antecedentes dos meninos. Era mais velha que a irmã tres annos, e viuva de um militar.

− Então? Houve muita gente?

− Não, ninguemninguém; pulgas.

Perpetua tambemPerpétua também não entendera a escolha da igreja egreja. Quanto áà concurrenconcurconcor renciarência, sempre lhe pareceu que seria pouca, oupouca ou nenhuma; mas o cunhado

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vinha entrando, e ellaela calou o resto. Era pessoa circumspectacircunspecta, que não se perdia por um dito ou gesto descuidado. Entretanto, foi-lhe impossivelimpossível calar o espanto, quando viu o cunhado entrar e dar áà mulher um abraço longo e terno, abrochado por um beijo.

− Que é isso? exclamou espantada.

Sem reparar no vexame da mulher, Santos deu um abraço áà cunhada, e ia a dar-lhe um beijo tambemtambém, se ellaela não recuasse a tempo e com força.

− Mas que é isso? Você tirou a sorte grande de HespanhaEspanha?

− Não, cousa melhor, gente nova.

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Santos conserváraconservara alguns gestos e modos de dizer dos primeiros annosanos, taestais que o leitor não chamará propriamente familiares; tambemtambém não é preciso chamar-lhes nada. PerpetuaPerpétua, p affeitaafeita a elleseles, acabou sorrindo e dando-lhe parabensparabéns. Já então Natividade os deixáradeixara para se ir despir. Santos, não seimeio arrependido da expansão, fez-se seriosério e conversou da missa e da igreja egreja. Concordou que esta era decrepita e mettidadecrépita e metida a um canto, mas allegoualegou razões espirituaesespirituais. Que a oração era sempre oração, onde quer que a alma falasse a Deus. Que a missa, a rigor, não precisaprecisava strictamente estrictamenteestritamente de altar; o rito e o padre bastavam ao sacrificiou/o\sacrificiosacrifício.

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Talvez essas razões não fossem propriamente delledele, mas ouvidas a alguemalguém, e decoradas sem esforço e repetidas com convicção. A cunhada opinou de cabeça que sim. Depois fallaram falaram do parente morto e concordaram piamente que era um asno; − não que dissessem disseram este nome, feio mas a totalidade das apreciações vieram vinha a dar nellenele, e acrescentado accrescentadorescentado de honesto , muito honesto e honestise honestíssimo.

− Era uma perolapérola, concluiu Santos.

Foi a ultimaúltima palavra do/a\da epitaphio. Dalli em deante, vingou necrologia; paz aos mortos. Dalli em deante, vingounecrologia; paz aos mortos. Dali em diante, vingou a soberania da creançacriança que sobrevinha começavaalvorecia. Não alteraram os habitoshábitos, nos

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primeiros mezestempos, e as visitas e os bailes continuaram como d’antesdantes, até que pouco a pouco, Soledade AguedaConceição Natividade se fechou totalmente em casa. As amigas iam vel-avê-la. Os amigos iam visital-osvisitá-los ou jogar cartas com o marido.

Soledade AguedaConceição Natividade queria um filho, Santos uma filha, e cada um pleiteava a sua escolha com tão boas razões, que acabavam trocando de parecer. Então ellaela ficava com a filha, e vestia-lhe as melhores rendas e cambraias, emquanto elleenquanto ele enfiava uma beca no jovenjovem advogado, quando m dava-lhe um logarlugar na/o\nocamara dos parlamento, outro no ministerioministério. TambemTambém lhe ensinava

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a enriquecer depressa; eme ajudal-o-hiaajudá-lo-ia começando por uma caderneta na Caixa EconomicaEconômica, desde o dia em que nascesse até os vinte e um annosanos. Alguma vez, ásàs noites, se estavam sós, Santos pegava de um lapislápis e desenhava a figura de de/o\umdo filho, com bigodes, − ou então riscava uma menina vaporosa.

− Deixa A edição crítica refere que edições posteriores à 1ª corrigem para «Deixe», Agostinho, disse-lhe a mulher uma noitenoitc; você sempre hade ser creançaha de scr creançahá de ser criança.

E pouco depois, deu por si a desejarsenhar de palavra a figura do filho ou filha, e ambos escolhiam a côrcor dos olhos, os cabelloscabelos, a tez, a estatura. Vês que tambem ellatambém ela aera

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creançacriança. A maternidade tem dessas incoherenciasincoerências, a felicidade tambemtambém, e por fim porfim a esperança, que é a meninice do mundo.

A perfeição seria nascer um casal. Assim os desejos do paepai e da mãe ficariam satisfeitos. Santos pensou em fazer sobre isso uma consulta spiritaespírita. Começava a ser iniciado nestanessa religião, ou philosophia, e tinha a fé noviça e ardente inquietafirme. Mas a mulher oppoz-seopôs-se; a consultar alguemalguém, antes a cabocla do CastelloCastelo, uma a a adivinha celebrecélebre do tempo, que descobria as cousas perdidas e predizia as futuras. Entretanto, recusava tambemtambém, por desnecessariodesnecessário. A

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que vinha consultar sobre uma duvidadúvida, que dallidali a mezesmeses estaria esclarecida? Santos achou, em relação áà cabocla, quer/e\ seria imitar as crendices da gente rélesreles; mas a cunhada acudiu que não, e citou um caso recente de pessoa distinctadistinta, um juiz municipal, cuja nomeação foi annunciadaanunciada pela adivinha cabocla.

− Talvez o ministro da justiça góstegoste da cabocla, explicou Santos.

As duas riram da graça, e assim se fechou uma vez o capitulocapítulo da adivinhação; veladivinha, para se abrir ma mais tarde. Por agora é deixar que o feto se desenvolva, a creançacriança se

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agite e se atire, como impaciente de nascer. Em verdade, a mãe padeceu muito durante a gestação, e principalmente nos/as\ u ultimasnas ultimasnas últimas sem semanas. Cuidava trazer um general que iniciava a campanha da vida, a não ser um casal que apprendiaaprendia a desamar de vesperavéspera.

 
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CapituloCapítulo VIII

Sete de Abril

Nem casal, nem general.

Nem casalcasal, nem general. No dia sete de abril de 1870,1870 veiu áveio à luz um par de meninosvarões tão eguaesiguais, que antes pareciam a sombra um do doum do outro, se não era simplesmente a impressão do que olho que vêolho, que via dobrado.

Tudo esperavam, menos os dous gemeosgêmeos, e, neme nem por ser o espanto grande, foi menor o amor. Entende-se isto sem insistirser preciso insistir, assim como se entende que a mãe déssedesse

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aos dous filhos d aquelleaquele pão inteiro e dividido do poeta; eu accrescentoacrescento que o paepai fazia a mesma cousa. Viveu os primeiros tempos a contemplar o os meninos, a comparal-oscompará-los, a medil-osmedi-los, a pezal-os pesal-ospesá-los. Tinham o mesmo pezopeso e cresciam por egualigual medida. A mudança ia-se fazendo por um só teor. Um O rosto comprido, cabelloscabelos castanhos, dedos finos e eguaestaes que,tais que, cruzados os da mão direita de um com os da esquerda de outro, não se podia saber que eram de duas pessoas. TodViriam a ter geniogênio differentediferente, mas por ora eram os mesmos extranhõesestranhões. Começaram a sorrir no mesmo dia. O mesmo dia os viu baptizarbatizar.

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Antes do parto, co/ti\nhamtinham combinado em dar o nome do paepai ou da mãe, segundo fosse o sexo da creançacriança. Sendo um par de rapazes, e não havendo a fórmaforma masculina do nome materno, (Maria da Soledade), não quizquis o paepai que figurasse o delledele, e metteram-semeteram-se a catar outros. A mãe propunha francezesfranceses ou inglezesingleses, conforme os romances que lia. Algumas novellasnovelas russas em moda suggeriramsugeriram nomes slavoseslavos. O paepai acceitavaaceitava uns e outros, mas consultava a terceiros, e não acertava com opinião definitiva. GeralmenteGeralmente, os consultados t tinhamtrariam ou m outro nome, que não era acceitoaceito em casa. Tambem veiuTambém veio

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a antiga onomastica luzitanaonomástica lusitana, mas sem melhor fortuna. Um dia, estando PerpetuaPerpétua áà missa, veiu a resarrezou o Credo, e advertiuCredo, advertiu nas palavras «... os santos apostolosapóstolos S.São Pedro e S. Paulo...» S. Paulo»,São Paulo, e mal pôde acabar a oração. Tinha descoberto os nomes; eram simples e gemeosgêmeos. Os paespais concordaram com ellaela e a pendenciapendência acabou.

A alegria de PerpetuaPerpétua foi quasiquási tamanha como a do paepai e da mãe, se não maior. Maior não foi, nem tão profunda, mas foi egual grande, ainda que rapidarápida. O achado dos nomes valia quasiquási que pela feitura das creançascrianças. ViuvaViúva, sem filhos, não se julgava incapaz de os ter, e era

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alguma cousa nomeal-osnomeá-los. Contava mais cinco ou seis annosanos que a irmã. CasáraCasara com um tenente de artilharia que morreu capitão na guerra do ParaguayParaguai. Era mais altabaixa que alta, e era gorda, ao contrariocontrário de Agueda ConceiçãoNatividade que, sem ser magra, não tinha as mesmas carnes, e era alta e rectareta. Ambas vendiam saúde.

— Pedro e Paulo, disse Perpetua áPerpétua à irmã e ao cunhado, quando rezei estes dous nomes senti uma cousa no coração...

— Você será madrinha dos dous, disse Agueda a Conceiçãode um, disse a irmã.

Não...mas...sim...atalhou Santos, Podia ser de um, mas será dos dous.

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Os pequenos, que se distinguiam por uma fita de côrcor, passaram apassaram a receber medalhas de ouro, uma com a imagem de S.São Pedro, outra com a de S.São Paulo. A confusão não cedeu logo, mas tarde, lento e pouco, ficando tal semelhança que os advertidos se enganavam muita vez ou sempre. A mãe é que não precisou de grandes signaessinais externos para saber quem eram aquellesaqueles dous pedaços de si mesma. As amas, apezarapesar de os distinguirem entre si, não deixavam de querer mal uma áà outra, pelo motivo da semelhança dos «seus filhos de criação». Cada uma affirmavaafirmava que o seu era mais bonito. Natividade concordava com ambas.

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Pedro seria medicomédico, Paulo advogado; tal foi a primeira escolha das profissões. Mas logo depois trocaram de carreira. TambemTambém pensaram em dar um dellesdeles áà engenharia. A marinha sorria áà mãe, pela distincçãodistinção particular da escola. Tinha só o inconveniente da primeira viagem remota,remota; mas Soledade AguedaConceição pensouNatividade pensou em mettermeter empenhos com o ministro. Santos falava em fazer um dellesdeles banqueiro, ou ambos. Assim passavam as horas dos serões e os domingos. Amigos e familiaresvadias. Intimos davadias. Íntimos da habituados da casa entravam nos calculoscálculos. Houve quem os fizesse ministros, dezembargadoresdesembargadores, bispos, industriaes...cardeaes...cardeais...

Não peço tanto — dizia o paepai.

Consolação Soledade ConceiçãoAgueda nãoNatividade não dizia nada ao pé de extranhosestranhos, apenas sorria, como se tratasse de folguedo de S.São João, um lançar de dados e sor ler no livro de sortes a quadra correspondente ao numeronúmero. Não importa; lá dentro de si cobiçava algum brilhante destino aos filhos. Cria deveras, esperava, rezava ásàs noites, pedia ao ceucéu que os fizesse grandes homens.

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Uma das amas, parece que a de Pedro, sabendo daquellas anciasdaquelas ânsias e conversas, perguntou a Soledade Consolação AguedaSoledade Conceição porque a Natividade por que é que não ia consultar a cabocla do CastelloCastelo. Affirmou AffirmouAfirmou que ellaela sabia adivinhava tudo, o que fo era e o que viria a ser; conhecia a/o\ sorte numeronúmero da sorte grande, não dizia qual era para nem comprava bilhete para não roubar os escolhidos de Nosso Senhor. Parece que era mandada de Deus.

A outra ama confirmou as noticiasnotícias e accrescentouacrescentou novas. Conhecia pessoas que tinham perdido e achado joias e escravos. A policiapolícia mesma, quando não acabava de apanhar um criminoso, ia ao C

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CastelloCastelo falar áà cabocla e descia sabendo; por isso é que não a botava para fórafora, como os invejosos andavam a pedir. Muita gente não embarcava sem subir primeiro ao morro. A cabocla explicava sonhos e pensamentos, curava de quebranto...

Ao jantar, Natividade repetiu ao marido a lembrança das amas. Santos encolheu os hombrosombros. Depois examinou rindo a sabedoria da cabocla; principalmente a sorte grande era incrivelincrível que, conhecendo o numeronúmero, não comprasse bilhete. Natividade achou que era o mais difficildifícil de explicar, mas podia ser invenção do povo. On ne prête qu’aux riches,

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accrescentou para ouvir a si mesma falar francez concl accrescentouacrescentou sorrindo. O marido, que estivera na vesperavéspera com um dezembargadordesembargador, repetiu as palavras delledele que « em quanto emquantoenquanto a policiapolícia não puzesse côbropusesse cobro ao escandaloescândalo...» O dezembargadordesembargador não concluiraconcluíra. Santos concluiu com um gesto vago.

− Mas você é spiritaespírita, ponderou a mulher.

− Perdão, não confundamos, replicou elleele com gravidade.

Sim, podia consentir n’umanuma consulta spiritaespírita; ja pensara já pensárajá pensara nellanela. Algum espiritoespírito podia dizer-lhe a verdade, emverdade em vez de uma adivinha de farçafarsa... Soledade AguedaConceição Natividade defendeu a cabocla. Pessoas da sociedade

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falavam delladela a seriosério. Não queria confessar ainda que tinha fé, mas tinha. Recusando ir outr’oraoutrora, foi naturalmente a insufficienciainsuficiência do motivo que lhe deu a força negativa. Que importava saber o sexo do filho? Conhecer o destino dos dous era mais imperioso e utilútil. Velhas ideias que lhe incutiram em creançacriança vinham agora emergindo do cerebrocérebro e descendo ao coração. Imaginava ir com os pequenos ao morro do CastelloCastelo, a titulotítulo de passeio... e consultar a celebre adivinha... ParaPara quequê? Para confirmal-aconfirmá-la na esperança de que seriam grandes homens. Não lhe passara pela cabeça a predicçãopredição

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contrariacontrária. Talvez a leitora, no m mesmo caso, ficasse aguardando o destino; mas a leitora, alemalém de não crer crêr (nem todos creem crêem) pode póde ser que não conte mais de vinte a vinte e dous annosanos de idade edade, e terá a pacienciapaciência de esperar. Soledade AguedaConceição Natividade, de si para si, confessava os trinta e um, e temia não ver a grandeza dos filhos. Podia ser que a visse, mas pois tambemtambém se morre velha, e alguma vez de velhice, mas acaso teria o mesmo gosto?

Ao serão, a materiamatéria da palestra foi a adivinhacabocla do CastelloCastelo, por iniciativa de Santos, que repetia as opiniões da vesperavéspera e do jantar. Das

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visitas algumas contavam o que ouviam delladela. Soledade AguedaConceição Natividade não dormiu aquellaaquela noite sem obter do marido que a deixasse ir com a irmã áà cla cabocla. Não se perdia nada;Souberam depois que sou bastava levar os retratos dos meninos e um pouco dos cabelloscabelos. As amas não saberiam nada da aventura.

No dia aprazado metteram-semeteram-se as duas no carro, entre sete e oito horas, comhoras com pretexto de missa, − e guiaram passeio, e lá se foram fôramforam para a rua da MisericordiaMisericórdia. Sabes já que alliali se apearam, indo o entre a egrejaigreja de S.São José e a Camaracâmara dos deputados, e subiram aquellaaquela até áà rua do

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Carmo, onde esta pega com a ladeira do CastelloCastelo. Indo a subir, hesitaram, mas a mãe era mãe, e ja agora faltava pouco para ouvir o destino. Viste que subiram, que desceram, deram os dous mil reisréis ásàs almas, entraram no carro e voltaram para Botafogo.

Um carro bonde passou por ellas e parou, No Cattete, o coupé e uma victoria alguem desceu e correu a falar-lhes, cruzaram-se e pararam a um tempo no coupé

 
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CapituloCapítulo IX

Vista de palaciopalácio.

No Cattete largo da LapaCattete,Catete, o coupé coupecoupé e uma victoriavitória cruzaram-se e pararam a um tempo. Um homem saltou da victoriavitória e caminhou para o coupé. Era o marido de Natividade, que ia agora para o escriptorioescritório, um pouco mais tarde que de costume, por haver esperado quea volta da mulher. VinhaIa pensando nellanela e nos negociosnegócios da praça, nos meninos e na lei Rio Branco, então discutida na camara Camaracâmara

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dos deputados; o banco era credor da lavoura. TambemTambém pensava na cabocla do CastelloCastelo, ; Que de teria e no que teria dito áà mulher ?/...\...

No passar Cattete, a/A\oAo passar pelo palaciopalácio Nova-Friburgo, levantou os olhos para elleele com o desejo do costume, uma cobiça de possuil-opossuí-lo, sem prever os altos destinos que o palaciopalácio viria a ter na RepublicaRepública; mas quem então previa nada? Quem prevê cousa nenhuma? Para Santos a questão era só possuil-opossuí-lo, dar alliali grandes festas unicasúnicas, celebradas nas gazetas, narradas na cidade entre amigos e inimigos, cheios de admiração, de rancor ou de inveja. Não

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pensava nas referencias saudades que as matronas fa/u\turas fariamfuturas contariam ásàs suas netas, menos ainda nos livros de chronicas, escriptoscrônicas, escritos e impressos neste outro seculo ;/.\seculo.século. Santos não tinha a imaginação da posteridade. Via o presente e suas maravilhas.

Já lhe não bastava o que era. A casa de Botafogo, era posto que bellabela, não era um palaciopalácio, e depoisdepois, não eraestava tão exposta como este doaqui no CatteteCatete, passagem obrigada de toda a gente, que olharia para as grandes janellasjanelas, as grandes portas, as grandes aguiaságuias no alto, de azasasas abertas. Quem viesse pelo lado do mar mar, virveria as costas do palaciopalácio, os jardins e os

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lagos... Oh! gozo goso infinito! Santos imaginava,imaginava as luzes, as flores, as sedas, e os bronzes, marmores,mármores, luzes, flores, luzes, flores, e dançasdanças, carruagens, as musicas;/,\musicas,músicas, e era as ceias...ceias... Tudo isso foi dep pensado depressa, porque a victoriavitória, embora não corresse (os cavalloscavalos tinham ordem de moderar a andadura), todavia, não atrazavaatrasava as rodas para que os sonhos de Santos acabassem. Assim foi que, antes de chegar áà praça da GloriaGlória, a victoriavitória avistou o coupé da familiafamília, e as duas carruagens pararam paráram, a curta distanciadistância uma da outra, como ficou dito.

 
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CapituloCapítulo X

O juramento.

TambemTambém ficou dito que o marido saiu da victoriavitória e caminhou para o coupé, onde a mulher e a cunhada, adivinhando que elleele vinha ter com ellaselas, riamsorriam de ante-mão.

− Não lhe digas nada, aconselhou PerpetuaPerpétua.

A cabeça de Santos appareceuapareceu logo, com as suissassuíças curtas, o cabellocabelo rente, o bigode rapado,. Era homem sympathicosimpático. Quieto, não ficava mal. A agitação

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algum cabello fios nas orelhas e nas mãos. Quieto, não ficava mal. A agi com que elle chegou, parou e falou tirou-lhe a gravidade com que ia no no carro, as mãos postas sobre o castão de outr ouro da ben bengala e a bengala firme entre os joelhos no bonde carro, as mãos postas sobre o castão de ouro da bengala, e a bengala entre os joelhos.

− Então? então? perguntou. elle

− Logo digo.

− Mas que foi?

− Logo.

− Bem ou mal? Dize só se bem.

− Bem. Cousas futuras.

− É pessoa séria?

− Séria, sim; até logo, repetiu Soledade Agueda Conceição Natividade, estendendo-lheNatividade estendendo-lhe a/o\sos maos dedos.

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Mas o marido não podia despegar-se do coupé; queria saber alliali mesmo tudo, as perguntas e re/a\sas respostas, a gente que lá estava áà espera, see se era o mesmo destino para os dous, ou se cada um tinha o seu. Nada disso foi escriptoescrito como aqui vaevai, devagar, para que a ruim letra do autor não faça mal áà sua †ita prosa. Não, senhor; as palavras de Santos sairamsaíram de atropelloatropelo, umas sobre outras, truncadas, embrulhadas, sem principioprincípio ou sem fim. A bellabela esposa tinha já as orelhas tão affeitasafeitas ao falar do marido, mormente mórmentemormente emsuas em lances de emoção ou curiosidade, que entendia tudo, e

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ia dizendo que não. A cabeça e o dedo sublinhavam a negativa. Santos não teve remedioremédio e despediu-se.

Em caminho, advertiu que, não crendo na cabocla, era ocioso instar pela predicçãopredição. Era mais; era dar razão áà mulher. G PrometteuPrometeu não indagar nada quando voltasse. Não prometteuprometeu esquecesse/r\esquecer, e dahidaí a teima com que pensou tres ou quatro e muitas vezes no negocio.oraculo.oráculo. De resto, ain ellaselas lhe diriam tudo sem que elleele perguntasse nada, e esta certeza trouxe a paz do dia.

Não concluas daqui que os accionistas nem os freguezesfregueses do banco e do armazem padecessem alguma desattençãodesatenção aos

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seus negociosnegócios. Tudo correu bem, como se elleele não tivesse mulher nem filhos ou não houvesse CastelloCastelo nem cabocla. Não era só a mão que fazia o seu officio, assignandoofício, assinando; a boca bôca ia á falando, mandando, chamando e rindo, se era preciso. Não obstante, a anciaânsia existia e as figuras passavam e repassavam deante dellediante dele; no intervallointervalo de duas letras, Santos resolvia uma cousa ou outra, se não eram ambas a um tempo. Quando entrou Entrando no carro, carro, áà tarde, aggarrou-seagarrou-se inteiramente ao oraculooráculo,. Trazia as mãos sobre o castão, daa b a bengala entre os joelhos, como de manhã, mas vinha pensando no destino dos filhos.

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Quando chegou a casa, viu Agueda contemplando ConceiçãoNatividade a contemplar os filhosmeninos, ambos nos berços, as amas ao pé, umum pouco admiradas da insistenciainsistência com que ellaela os não deixava procurava desde manhã. Não era só fital-osfitá-los, com era ou ou perder os olhos no espaço e no tempo,tempo; era beijal-os tambembeijá-los também, os filhos e apertal-osapertá-los ao coração. Esqueceu-me dizer que, de manhã, PerpetuaPerpétua mudou primeiro de roupa que a irmã e foi achal-a deanteachá-la diante dos berços, vestida como viera do CastelloCastelo.

− Logo vi que você estava com os grandes homens,homens, disse ellaela.

− Estou, mas não sei em que é que elleseles serão grandes.

− Seja em que fôrfor, vamos almoçar.

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Só então se foi despir. Ao almoço e Ao almoço e durante o dia, falou/aram\falaram muita vez da cabocla e da predicçãopredição. Agora, ao ver entrar o marido, AguedaConceição Natividade leu-lhe a dissimulação nos olhos. QuizQuis calar e esperar, mas estava tão anciosaansiosa de lhe dizer tudo, e era tão boa, de que resolveu o contrariocontrário. Unicamente não teve tempoo tempo de cumpril-ocumpri-lo; antes mesmo de começar, já elleele acabava de perguntar o que era. Soledade Agueda ConceiçãoNatividade referiu a subida, a consulta, a resposta e o resto; descreveu a cabocla e o paepai.

− Mas então grandes destinos? p

− Cousas futuras, repetiu ellaela.

− Seguramente futuras. Só a pergunta da briga é que não entendo. Brigar porqueporquê? E brigar como? E teriam deveras brigado?

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Natividade recordou os seus padecimentos do tempo da gestação, confessando que não falou mais dellesdeles para o não affligirafligir; naturalmente é o que a outra adivinhou que fosse briga.

− Mas briga porquê?

N Isso não sei, nem creio que fosse nada mau.

− Vou conf/s\ultarconsultar...

− Não, Agostinho, con não consulte

− Consultar a quem?

− Uma pessoa.

− Já sei, o seu amigo Pantoj Placido.Plácido.

− Se fosse só amigo,amigo não consultava, mas elleele é o meu chefe e mestre, tem uma vista clara, e comprida,

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dada pelo ceucéu... Consulto só por hypothesehipótese, não digo os nossos nomes...

− Não! não! não!

− Só por hypothesehipótese.

− Não, Agostinho, não fallefale disto. Não interrogue mezas ninguemninguém a meu respeito, ouviu? Ande, promettaprometa que não falará disto a ninguemninguém, spiritasespíritas nem amigos. O melhor é calar. Basta saber que terão sorte feliz. Grandes homens, cousas futuras... Jure, Agostinho.

− Mas você não foi em pessoa áà cabocla?

− Não me conhece, nem de nome; viu-me uma vez, não me v tornará a ver. Ande, jure!

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− Você é exquisitaesquisita. Vá lá, promettoprometo. Que tem que falasse, assimassim, por acaso?

− Não quero. Jure!

− Pois isto é cousa de juramento?

− Sem isso, não confio, disse ellaela sorrindo.

− Juro.

− Jure por Deus Nosso Senhor!

− Juro por Deus Nosso Senhor.

 
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CapituloCapítulo XI

Um caso unicoúnico!

Santos cria na santidade do juramento; por isso, resistiu, mas afemfimenfim cedeujurou cedeu e jurou. Entretanto, o pensamento não lhe saiu mais da briga intra - uterina dos filhos. Quiz esquecel-aQuis esclarecê-la. Jogou essa noite, como de costume; na seguinte, foi ao theatroteatro; na outra,na outra a uma visita; e tornou ao cosvoltarete do costume, e a briga sempre com elleele. Era um my Era um mysterio. TalvezEra um mistério. Talvez fosse um caso unicoúnico... UnicoÚnico! Um caso

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unicoúnico! A unicidadesingularidade do caso fel-o aggarrar-se a/m\ais áfel-o aggarrar-se mais áfê-lo agarrar-se mais à ideia, ou a ideia a elle, não elle; nãoele; não posso explicar melhor este phenomeno intimofenômeno íntimo, passado lá onde não entram olhos/o\olho de homem, nem bastam reflexões ou f/c\onjecturasconjecturas. Nem por isso durou muito tempo. No primeiro domingo, Santos pegou em si, e foi áà casa do doutor PlacidoPlácido, rua do Senador Vergueiro, uma casa baixa, de trez janellastrês janelas, com muito terreno para o lado do mar. Creio que já não existe: datava do tempo em que eraa rua era o Caminho Velho, para differençardiferençar do Caminho Novo.

Perdoai/a\Perdoa estas minuciasminúcias. A acçãoação podia ir sem ellaselas, mas eu quero que saibais/s\saibas que casa era, e que rua, e mais digo que alliali havia uma especieespécie de club club, templo ou o que quer que era spiritaespírita. Pantoja eraPlacidoPlácido fazia defazia de sacerdote e presidente a um tempo. Era um velho de grandes barbas, olho azul e brilhante, enfiado em larga camisola de seda. Põe-lhe uma vara na mão, e fica um magicomágico, mas, em verdade, as barbas e a camisola não as trazia por lhe darem tal aspecto. Ao contrariocontrário de Santos, que

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teria trocado dez vezes a cara, se não fora fôra a mulheropposiçãooposição da mulher, PantojaPlacidoPlácido usava as barbas inteiras desde moço e a camisola desde vinte ha dezhá dez annosanos.

− Venha, venha, disse elleele, ande ajudar-me a converter o nosso amigo Ayres, Ayres;Aires; ha meia hora que procuro incutir-lhe as verdades eternas, mas elleele resiste.

− Não, não, não resisto, acudiu um homem de cerca de quarenta annosanos, que seestendendo a mão ao recem-chegadorecém-chegado.

 
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CapituloCapítulo XII

Esse AyresAyres.Aires.

Esse AyresAires que ahi appareceaí aparece conserva ainda agora algumas das virtudes daquelle d’aquelledaquele tempo, e quasiquási nenhum viciovício. Não attribuasatribuas esse tal estado a qualquer propositopropósito. Nem creias que vaevai nisto um pouco de homenagem á modestiaà modéstia da pessoa. Não, senhor, é verdade pura e natural effeitoefeito. ApezarApesar dos quarenta annosanos, ou quarenta e dous, e talvez por isso mesmo, era um bello bello typobelo tipo de homem. Diplomata

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de carreira, e, chegárachegara dias antes do PacificoPacífico, com uma licença de seis mezesmeses.

Não me cançodemoro em descrevel-odescrevê-lo. ImaImagina só que trazia o callo do officiocalo do ofício, o sorriso approvadoraprovador, a fallafala branda e cautelosa, o ar da occasiãoocasião, a expressão adequada, tudo tão bem distribuidodistribuído que era um gosto ouvil-o e vel-oouvi-lo e vê-lo. Talvez a pellepele da cara ras rapada se mostrasse prestesestivesse prestes a mostrar os primeiros signaessinais do tempo. Assi Ainda assim o bigode, que era moço na côrcor e no apuro com que acabava em ponta fina e rija, daria um ar de frescura ao rosto, quando es o meio seculoséculo chegasse. O mesmo

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faria o cabellocabelo, vagamente grisalho, apartado ao centro. No alto da cabeça havia um inicioinício de calva. Na botoeira, uma flor eterna.

Tempo houve – foi por occasiãoocasião da anterior licença, sendo elleele apenas secretariosecretário de legação, − tempo houve em que tambem elletambém ele gostou de Natividade. Não foi propriamente paixão; não era homem disso. Gostou delladela, como de outras joias e raridades, mas tão depressa viu que não era aceite acceitoaceito, trocou de conversação. Não era frouxidade nemxidão ou frieza. Gostava muito assaz de mulheres bonit muito ee ainda mais se eram bonitas. A questão para elleele

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é que nem as queria áà força, nem curava de as persuadir. Não era general para escala áà vista,vista, nem ounem para assediosassédios demorados; contentavam-se de simples passeios demorados militares, − longos ou breves, conforme fosseo tempo fosse claro ou tu nubladoturvo. Em summasuma, extremamente cordato.

CoincidenciaCoincidência interessante: foi por esse tempo que Santos pensou em casal-ocasá-lo com a cunhada, recentemente viuvaviúva. Esta parece que não quizqueria. Natividade oppoz-seopôs-se, n nunca se soube porquê. Não eram ciumes: ciumes;ciúmes; invejas não creio que que fossem. O simples desejo de o não

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porquê. Não eram ciumes; invejas não creio que fossem. O simples desgosto desejo de o não ver entrar na familiafamília pela porta lateral é apenas uma figura, que vale qualquer das primeiras hypotheseshipóteses negadas. O desgosto de cedel-ocedê-lo a outra, ou tel-ostê-los felizes ao pé de si, não podia ser, posto que o t coração seja o abysmo dos abysmosabismo dos abismos. Er PodeSuppoSuponhamos que era com o fim de o punir do desaforo de a haver punir por havel-apunir por havê-la amado.

Pode Póde ser; a verdade, porem, é que o maior obstaculo veiu viria delle mesmo, se chegassem a fallar a apalpal-oem todo caso, o maior obstaculoobstáculo viria delle mesmo.viria dele mesmo. Posto que viuvoviúvo, AyresAires f não foi propriamente casado. Não amava o casamento. Casou

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por necessidade do officioofício; cuidou que era melhor ser ministro diplomata casado q que solteiro, e pediu a primeira moça q que lhe pareceu adequada ao seu destino. Enganou-se: a differençadiferença de temperamento e de espiritoespírito era tal que elleele, ainda vivendo com a mulher, era como se vivesse só. Não se affligiuafligiu com a perda; tinha o feitio do solteirão.

Era cordato, repito, embora esta palavra não exprima exactamenteexatamente o que quero dizer. Tinha o coração disposto a aceitaracceitar tudo, não por inclinação áà harmonia, senão p por aversão tediotédio á controversiaà controvérsia. Para conhecer esta aversão, bastava tel-otê-lo visto entrar, dias antes,entrar, antes,

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em vistavisita ao casal Santos. Pessoas de fórafora e da casafamiliafamília fal conversavam da cabocla do CastelloCastelo.

− Chega a propositopropósito, conselheiro, disse PerpetuaPerpétua. Que pensa o senhor da cabocla do CastelloCastelo?

AyresAires não pensava nada, mas percebeu que os outros pensavam alguma cousa, e fez um gesto de dous sexos. Como insistissem, com elle, não escolheuuma nenhuma das duas opiniões, achou outra, média, media, que contentou a todosambos os lados, cousa rara em opiniões médias medias. Sabes que o destino dellasdelas é serem desdenhadas. Mas este AyresAires, − José da Costa Marcondes AyresAires, − tinha que nas cnas

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controversiascontrovérsias uma opinião dubiadúbia ou média media é pode como as pipulas pilulas pode ter póde trazerpode trazer a opportunidadeoportunidade de uma pilulapílula, e compunha as suas de tal geitojeito, que o enfermo, se não sarava, não morria, e é o mais que fazem pilulaspílulas. Não lhe queiras mal por isso; a droga amarga engole-se com assucaraçúcar. AyresAires opinou com pausa, com delicadeza, com circumloquios com pausa, delicadeza, circumloquioscom pausa, delicadeza, circunlóquios, limpando o monoculomonóculo ao lenço de seda, pingando as palavras graves e obscuras, fitando os olhos no ar, como quem busca uma lembrança, e achava a lembrança, e arredondava com ellaela o parecer. Um dos ouvintes aceitou-o acceitou-o logo, outro divergiu um pouco mas e acabou de accordoacordo, assim terceiro, e quarto, e a sala toda.

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Não cuides que não era sincero, era-o. Quando não acertava de ter a mesma opinião, e valia a pena escrever a sua, escrevia-a. Usava tambemtambém guardar por escriptoescrito as descobertas, observações, reflexões, criticas e anecdotascríticas e anedotas, tendo para isso uma seriesérie de cadernos, a que dava o nome de Memorial. NaquellaNaquela noite escreveu estas linhas:

«Noite em casa da familiafamília Santos, sem voltarete. Falou-se na cabocla do CastelloCastelo. Desconfio que Natividade ou a irmã quer consultal-aconsultá-la; não será de certodecerto a meu respeito.

«Natividade e um padre Guedes

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que lá estava, gordo e maduro, eram as unicasúnicas pessoas interessantes da noite. O resq resto insipidoinsípido, mas insipidoinsípido por necessidade, não podendo ser outra cousa mais que ins insipidoinsípido. Quando o padre e Natividade me deixavam entregue áà a insipidez dos outros, eu tentava fugir-lhe pela memoriamemória, recordando sensações, revivendo quadros, viagens, pessoas. Foi assim que pensei na Capponi, a quem vi hoje pelas costas, na rua da Quitanda. Conheci-a aqui no a finado H Hotel de D.Dom Pedro, lá vão annosanos. Era dançarina; eu mesmo ja a tinha visto dansardançar em Veneza. Pobre Capponi! Andando,

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o pé esquerdo, saía-lhe esquerdo saia-lheesquerdo saía-lhe do sapato e mostrava no calcanhar da meia um buraquinho de saudade.

«Afinal tornei áà eterna insipidainsipidez dos outros. Não acabo de crer crêr como é que esta senhora, aliás tão fina, póde organisarpode organizar noites como a de hoje. Não é que ellesos outros não buscassem ser interessantes, e, se intenções valessem, nenhum livro os valeria: mas não o eram; poreram, por mais que tentassem. EmfimEnfim, lá vão; esperemos outras noites que tragam melhores sujeitos sem es, nenhum esforço algum. O que o berço dá só a cova o tira, diz um velho adagioadágio nosso. Eu posso, truncando um verso ao meu Dante, escrever de taes insipidostais insípidos:

                        Dico, che quando l’anima mal nata...

 

folha não numerada

ULTIMO

por

Machado de Assis

(da Academia Brasileira )».

 
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CapituloCapítulo XIII

A epigrapheepigraphe.epígrafe.

Ora, ahi está justamente a epigrapheepígrafe do livro, se eu lhe quizer/sse\ quisesse pôr alguma, quando a levar ao prelo. E ponho-lh’a. Não é só e não me occorrer/sse\ e não me ocorresse outra. Não é sómentesomente um meio de completar as pessoas da narração com as ideias que ellas deixaramdeixarem, mas ainda um par de lunetas para que o leitor do livro pentpenetre o que fôrfor menos claro ou totalmente escuro.

Nem contesto a vantagem de iremPor outro lado, ha proveito em irem as pessoas da minha historiahistória collaborando nellacolaborando nela, ajudando o autor, por uma lei

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de solidariedade, especieespécie de troca de serviços, entre o enxadrista e os seus trebelhos. o manuscrito não abre parágrafo aqui

Se acceitasaceitas a comparação, distinguirás o rei e daa dama, o bispo e o cavallocavalo, sem que o cavallocavalo possa fazer de torre, nem a torre de piãopeão. Ha ainda a differença da côrdiferença da cor, branca e preta, mas esta não tira o poder da marcha de cada peça, e afinal umas e outras podem ganhar a partida, e e assim vaevai o mundo. Talvez conviesse pôr aqui, de quando em quando, como nas publicações do jogo, um diagrammadiagrama das posições bellas ou difficeisbelas ou difíceis. Não havendo taboleirotabuleiro, é um grande auxilioauxílio este

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processo para acompanhar os lances, mas tambemtambém pode póde ser que tenhas visão bastante para reproduzir na memoriamemória as situações diversas. Creio que sim. Fóra poisFóraFora com diagrammasdiagramas! e ep Tudo irá re/co\mo se realmente visses jogar a partida entre uma pessoa e outra,pessoa, ou mais claramente, entre Deus e o Diabo.

 
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CapituloCapítulo XIV

A licção do discipulo.lição do discípulo.

− Fique, fique, conselheiro, disse Sap/n\tosSantos ap apertando a mão ao diplomata. Aprenda ApprendaAprenda as verdades eternas.

− Verdades eternas pedem horas eternas, ponderou este consultandoeste, consultando o relogiorelógio.

Um tal AyresAires não era facilfácil de convencer. PantojaPlacidoPlácido falou-lhe de leis scientificascientíficas para excluir qualquer maculamácula de seita, e Santos foi com elleele. Toda a terminologia spiritaespírita saiu fórafora, e mais os casos, pe/h\enomenosphenomenosfenômenos, mysteriosmistérios, testemunhos, attestados verbaes e escriptosatestados verbais e escritos... Santos acudiu com um exemplo:: dous espiritosespíritos podiam tornar juntos a este mundo; e, se brigassem antes de nascer?

− Antes de nascer, creançascrianças não brigam, replicou AyresAires, temperando o sentido

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affirmativoafirmativo com a intonação dubitativa.

− Então nega que dous espiritosespíritos...? Essa cá me fica, meu amigo!conselheiro! Pois que impede que dous espiritos...? espiritos?...espíritos?...

Camargo AyresAires viu o abysmo da controversiaabismo da controvérsia, e forrou-se áà vertigem e sem por uma reflexão concessão, dizendo:

− Esaú e JacobJacó brigaram no seio materno, isso é verdade. Conhece-se a cla causa do conflictoconflito. Quanto a outros, dado que briguem tambemtambém, tudo está em saber a causa do conflictoconflito, e não a sabendo, porque a ProvidenciaProvidência a esconde da noticianotícia humana... Se fosse uma causa espiritual, por exemplo...

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− Por exemplo?

− Por exemplo, se as duas creançascrianças quizeremquiserem ajoelhar-se ao mesmo tempo para adorar o CreadorCriador. Ahi está um caso de conflictoconflito, mas de conflictoconflito espiritual, cujos processos escapam áà naturezasagacidade humana. Tambem pode ser por uma causTambemTambém poderia ser por um motivo temporal. SupponhamosSuponhamos a necessidade de se acotovellaremacotovelarem para ficar melhor acommodadasacomodadas accommodados Escolho a lição do manuscrito, pois parece-me melhor, ao concordar com «crianças», sujeito subentendido da oração; é a unicauma hypothesehipótese que a scienciaciência pode acceitaria acceitaria, acceitaria;aceitaria; isto é, não , não...sei... Ha ainda o caso de quererem ambos a primogenitura.

− Para quequê? − perguntou PantojaPlacidoPlácido

Com quantoConquanto este privilegioprivilégio esteja hoje limitado ás familias regiasàs famílias régias, á camaraà câmara dos lords e pouco não sei se mais, tem

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todavia um valor symbolicosimbólico. O simples gosto de nascer primeiro, sem outra vantagem social ou politicapolítica, pode póde dar-se por instinctoinstinto, principalmente se as creançascrianças se destinarem a al galgar os altos deste mundo.

Santos afiou o ouvido neste ponto, lembrando-se das «cousas futuras». Santos CamargoAyres AyresAires d estendeu-sedisse ainda algumas cousaspalavras bonitas, e accrescentouacrescentou outras feias, admittindoadmitindo que tal tala a briga podia por podia ser symprenunprenúncio de longosgraves conflictosconflitos neste mundo;na terra; mas logo temperou esse conceito com este outro:

− Não importa; não esqueçamos o que dizia um antigo Empodecles um antigo, cu que a g«a guerra é a mãe de todas as cousas.»cousas». Na

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minha opinião, EmpedoclesEmpédocles, não se referiu sóreferindo-se áà guerra, no puro sentido só somente no não o fez só no sentido technicotécnico. O amor, que é a primeira das artes da paz, pode-se póde-se dizer que é um duelloduelo, não de morte, mas de vida, − concluiu Camargo AyresAires sorrindo levemente leve, como fallava falava baixo, e despediu-se.

 
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CapituloCapítulo XV

Teste David cum SibyllaSibylla.

− E então? exclamoudisse Santos. Não é que o conselheiro, em vez de apprenderaprender, ensina-nos? Eu acho que elleele deu algumas razões boas.

− Quando menos, plausiveisplausíveis, completou Pantoja.mestre Placido.Plácido.

− Foi pena que se despedisse, continuou Santos, mas felizmente o meu caso é com o senhor. FiVenho consultal-oconsultá-lo, e as suas luzes são as verdadeiras do mundo.

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Pantoja PlacidoPlácido agradeceu e sorrindo. Não era novo o elogio, ao contrariocontrário; mas elleele estava tão acostumado a ouvil-oouvi-lo que o sorriso era ja agora um sestro. Não podia deixar de pagar com essa moeda aos seus discipulosdiscípulos.

− Trata-se...

− Trata-se disto. Aquella hypotheseAquela hipótese que eu formulei é um factofatov verd ve real; succedeusucedeu com os meus filhos...

− Como?

− É o que me parece, e vim justamente para que me explique. Nunca lhe falei por temer que achasse absurdo, mas tenho pensado, e creiosuspeito que tal briga se deu, e que é um caso extraordinarioextraordinário.

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Santos expozexpôs então a consulta, gravemente, com um gesto que ti tenparticular que tinha de arregalar os olhos para arregalar a novidade. Não esqueceu nem escondeu nada; contou a propriaprópria ida da mulher ao CastelloCastelo, com desdemdesdém, é verdade, mas ponto por ponto. PantojaPlacidoPlácido ouvia attentoatento, perguntava/ndo\perguntando, voltando atrazatrás, e acabou por meditar alguns minutos. EmfimEnfim, declarou que o phenomenofenômeno, caso se houvesse dado, era raro, se não unicoúnico, mas possivelpossível. Já o factofato de se chamarem Pedro e Paulo indicava alguma rivalidade, porque esses dous apostolosapóstolos brigaram tambemtambém.

− Perdão, mas o baptismo...

− Foi posterior, sei, mas os nomes podem ter sido predestinados, tanto mais que a escolha dos nomes veiuveio, como o senhor me disse, por inspiração áà tia dos meninos.

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− Justamente.

D. PerpetuaDona Perpétua é muito devota.

− Muito.

− Creio que os proprios espiritospróprios espíritos de S.São Pedro e S.São Paulo houvessem escolhido aquellaaquela senhora para inspirar os nomes que estão no Credo; advirta que ellaela reza muitas vezes o Credo, mas foi n naquella occasiãonaquela ocasião que se lembrou dellesdeles.

Exacto! exacto!Exato, exato! Exacto, exacto!

PantojaO doutor foi áà estante e tirou uma BibliaBíblia, encadernada em couro, com grandes preg fechos de prata. metal. Abriu a EpisltolaEpistola deEpístola de S.São Paulo aos Galatasaos Gálatas, e leu a passagem do capitulocapítulo II, versiculoversículo 11 11, em que o apostoloapóstolo conta que, indo a AntiochiaAntioquia, onde estava S.São Pedro, «resistiu-lhe na cara.»

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– Leia: «resisti-lhe na cara.» Este passo está omisso na 1ª edição. Opto, aqui, pela lição do manuscrito, à semelhança do que se faz na edição crítica da Comissão Machado de Assis, visto ser, se não imprescindível, pelo menos útil à sequência narrativa.

Santos leu e teve uma ideia. As ideias querem-se festejadas, quando são bellasbelas, e examinadas, quando novas; a delledele era a um tempo nova e bellabela. Deslumbrado, ergueu a mão e deu uma palmada na folha, bradando:

− Sem contar que este numeronúmero onze do versiculo,do versículo, composto de dous algarismos eguaesiguais, 1 e 1,, é um numeronúmero gemeogêmeo, não lhe parece?

− Justamente. E mais: o numo capitulo éo capítulo é o segundo, capituloisto é, dousd’isto, que é o proprio numeropróprio número dos dous irmãos gemeosgêmeos.

MysterioMistério engendra mysteriomistério. Havia mais de um elo intimoíntimo, substancial, escondido, que ligava tudo. Briga, Pedro

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e Paulo, irmãos gemeosgêmeos, numeros gemeosnúmeros gêmeos, tudo eram aguaságuas de mysteriomistério que elleseles agora rasgavam, nadando e bracejando com força. Santos foi mais ao fundo; não seriam os dous meninos os propriospróprios apostolosespiritos de S.espíritos de São Pedro e de S.São Paulo, que renasciam agora, e elleele, paepai dos dous apostolos...? apostolos?...apóstolos?... A fé transfigura; Santos tinha um ar quasiquási divino, trepou alto em si mesmo, e os olhos ordinariamente sem expressão, pareciam entornar a chammachama da vida. Pae de apostolosPai de apóstolos! e que apostolosapóstolos! PantojaPlacidoPlácido esteve a pique de quasi, quasi aquási, quási a crer crêr tambemtambém, achava-se dent às por dentro de um mar torvo, soturno, onde as vozes do infinito se

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perdiam, lo mas logo q lhe acudia que os espiritosespíritos de S.São Pedro e S.São Paulo tinham chegado áà perfeição; não tornariam cá. Não importa; seriam outros, grandes e nobres. Os seus destinos podiam ser brilhantes; tinha razão a cabocla, sem saber o que dizia.

− Deixe ásàs da senhoras as suas crenças, da menenimeninice, concluiu; se ellaselas temtêm fé na tal mulher do CastelloCastelo, e a acham que é um vehiculoveículo de verdade, não as desminta por ora. D. Soledade sabe tal latim? Diga-lhesDiga-lhes que eu estou de accordoacordo com o seu oraculooráculo. Teste David com/um\ SibyllaTeste David cum Sibylla.

− Digo, digo: escrevadigo! escreva a phrasefrase.

PantojaPlacidoPlácido foi áà secretária secretaria, escreveu

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o verso, e deu-lhe o papel, mas ja então Santos advertira que mostral-omostrá-lo áà mulher era confessar a consulta spirita,, spirita,espírita e e per era ta e naturalmentenaturalmente o perjurioperjúrio. Referiudisse ao esteamigo os escrupulosescrúpulos de Agueda ConceiçãoNatividade e pediu que calassem tudo., que este

− Estando com ellaela, não lhe diga o que se passou entre nós.

Saiu logo depois, arrependido da indiscrição, mas deslumbrado da revelação. Ia acheio de numerosnúmeros da EscripturaEscritura, de Pedro e Paulo, de Esaú e JacobJacó. O ar da rua não espanou a poeira do as mysteriomysteriomistério; ao contrariocontrário, o ceucéu azul, a praia socegadasossegada, os montes verdes como que o cercavam e cobriam de um veuvéu mais transparente e infinito. A natureza

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rixa dos meninos, factofato raro ou unicoúnico, era uma distincçãodistinção divina. Contrariamente áà esposa, que cuidava somente sómente da grandeza futura dos filhos, Santos pensava no conflictoconflito passado.

Entrou em casa,, correu aos pequenos, core acarinhou-os com tão extranhaestranha expressão, que a mãe desconfiou alguma cousa, e quizquis saber o que era.

− Não é nada, respondeu elleele rindo.

− É alguma cousa, anda, acaba.

− Que hade ha dehá de ser?

− Seja o que fôrfor, Agostinho, acaba.

AgostinhoSantos pediu-lhe que se não zangasse, e contou tudo, a sorte, a rixa, a EscripturaEscritura, os apostolosapóstolos, o symbolosímbolo, tudo tão espalhadamente, que ellaela mal pôde

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entender, mas entendeu afinalao final, e replicou com os dentes cerrados:

− Ah! você! você!

− Perdoa, amiguinha; estava tão anciosoansioso de saber a verdade... E nota que eu creio na cabocla, e Pantoja Placidoo doutor tambemtambém; elleele até me escreveu e isto em latim, concluiu elle tirando e lendo o papelinho: Teste David cum Sibylla.

Dahi a pouco

 
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CapituloCapítulo XVI

Paternalismo.

Dahi D’ahiDaí a pouco, estavam ambos . Santos pegáraSantos pegou na mão da mulher, que a deixou se ir sem enthusiasmo áà toa, sem apertar a delledele; suas ambos fitavam os meninos, tendo esquecido a zanga para só ficarem paespais.

Já não era espiritismo, spiritismo , nem outra religião nova; era a mais velha de todas, fundada por Adão e Eva, áà qual chama, se queres gueres, paternalismo. Rezavam sem palavras, persignávam-sepersignavam-se sem

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gestosdedos, uma especieespécie de ceremoniacerimônia muda e quieta quieta e muda,quieta e muda, que abrangia o passado e o futuro porvirfuturo. Qual eradellesdeles era o padre, qual o sacristão, não sei, nem é preciso. A missa é que era a mesma, e o evangelho começava como o de S.São João,João (emendado): «No principioprincípio era o Verboamor, e o Verbo amor se fez carne»carne». Mas venhamos aos meninos nossos gemeosgêmeos.

 
4115118

CapituloCapítulo XIVIII

Tudo o que restrinjo.

Os meninosgemeos,gêmeos, não tendo que fazer, iam mamando. Nesse officioofício portavam-se sem rivalidade, a não ser quando as amas estavam ásàs boas, e elleseles mamavam ao pé do um do outro; cada qual então parecia querer mostrar que mamava mais e melhor, passeando os dedos pelo seio amigo, e chupando com alma. EllasElas, áà sua parte, tiravamtinham gloriaglória dos peitos e os comparavam entre si; os pequenos,

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fartos, soltavam afinal os bicos e riam para ellaselas.

Se Si não fosse a necessidade de pôr os meno/i\nosmeninos a em pé, crescidos , e homens, bem espraiava bem este capitulocapítulo. Realmente, o espectaculoespetáculo, posto que commumcomum, era bellobelo. Os peraltas nutriam-se ao contrariocontrário dos paespais, sem as artes do cosinheirocozinheiro, nem a vista dos/as\das pratos e das carnes sopas carnes e peixes, legumes; gorduras, vinhos, conservas; fructas; e queijos comidas e bebidas, todas postas em crystaescristais e porcelanas para disfarçaremendar ou emendarcolorir a tristedura necessidade de comer. A elleseles nem se lhes via a comida; a boca ligada ao peito não deixava appareceraparecer

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o leite. A natureza mostrava-se satisfeita pelo riso ou pelo somnosono. Quando era o somnosono, cada uma levava o seu menino ao berço, e ia cuidar de outra cousa. Este cotejo darm/-\me-ia trezdar-me-ia trezdar-me-ia três ou quatro paginas solidaspáginas sólidas.

Uma paginapágina bastava para os chocalhos de folha de Flandres, queque embellezar/vam\embellezavamembelezavam os pequenos, como se fosse a propria musicaprópria música do ceucéu. EllesEles sor sorriam, estendiam as mãos, alguma vez zangavam-se comocom as negaças, mas tanto que lh’oslhos davam, calavam-se, e se não podiam tocar não se zangavam por isso. A propositopropósito de chocalhos, diria que esses instrumentos não deixam memoriamemória de si;

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alguemalguém que os veja em mãomãos de creançascrianças, se parecer que lhe lembram os seus, cae r/l\ogocae logocai logo no engano, e ae adverte que a recordação hade ha dehá de ser mais recente, alguma arenga do annoano passado, se não foi a vaccavaca de leite da vesperavéspera.

A operação de desmamar podia fazer-se em meia linha, mas as lástimas das amas, as despedidas, as bichas de ouro que Soledadea mãe deu a cada uma dellasdelas, como um presente final, tudo isso exigia um uma boa paginapágina ou mais. Poucas linhas bastariam para as amas seccassecas, porquanto não diria ap se eram altas nem baixas, feias ou

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bonitas. Eram mansas, zelosas do officioofício, amigas dos pequenos, e logo uma da outra. CavallinhosCavalinhos de pau, bandeirolas, theatrosteatros de bonecos, barretinas e tambores, toda a quinquilharia da infanciainfância mal occupariaocuparia o logar dos seus nomes. Nem valeria nomea-los, salvo muito mais que os/ o\ seu logarlugar de seus nomes.

Tudo isso restrinjo só para não enfadar a leitora curiosa de ver os meus meninos homens e acabados. Vamos vel-osvê-los, querida. Com pouco, estão crescidos e fortes. Depois, entrego-os a si mesmos; elleseles que abram com o caminho da vida e do mundo a ferro ou palavra lingua,língua ou a simplesou simples Na edição crítica, escolhe-se a lição do manuscrito cotovelloscotovelos, o caminho da vida e do mundo.

 
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CapituloCapítulo XVIII XIXXVIII

De como vieram crescendo.

Os pequenos vier cresceram. A semelhançavieram crescendoEil-os que vemEi-los que vêm crescendo. A semelhança, sem os confundir ja, continuava a ser grande. Os mesmos olhos claros e attentosatentos, a mesma boca bôca cheia de graça, as mãos finas, e uma côrcor viva nas faces que as fazia crer crêr pintadas de sangue. Eram sadios; exceptuadaexcetuada a crise dos dentes, não tiveram molestiamoléstia alguma, porque eu não conto uma ou outra indigestão de doces, que os paespais lhes davam, ou

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elleseles tiravam ásàs escondidas. Eram ambos gulosos, Pedro mais que Paulo, e Paulo mais que ninguemninguém.

Aos sete annosanos eram duas obras-primas, ou antes uma só em duas partes,dous volumes, como quizeresquiseres. Em verdade, não havia por toda aquellaaquela praia, nem por Flamengos ou GloriasGlórias, Cajus Cajús e outras redondezas, não havia uma, quanto mais duas creançascrianças tão graciosas. Nota que eram tambemtambém robustos. Pedro com um murro derrubava Paulo; em compensação, Paulo com um ponta-pépontapé deitava Pedro ao chão. Corriam muito na chacarachácara por appostaaposta. Alguma vez quizeramquiseram trepar ás arvoresàs árvores, mas a mãe não consentia; não era bonito. Contentavam-se

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de espiar cá de baixo a fructafruta.

Paulo era mais aggressivoagressivo, Pedro mais dissimulado, e, como ambos acabaramacabavam por comer a fructafruta das arvoresárvores, era um moleque que a ia buscar acima, fosse a cascudo de um ou com promessa de outro. A promessa não se cumpria nunca; o cascudo, por ser antecipado, cumpria-se sempre, e ásàs vezes ne/co\mcom repetição depois do serviço. Não digo com isto que um e outro dos dous gemeosgêmeos não soubessem aggrediragredir e dissimular; a differençadiferença é que cada um sabia melhor a sua indole,o seu gosto, cousa tão obviaóbvia que custa escrever.

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Obedeciam aos paespais sem grande esforço, posto fossem teimosos. e impacientes. Nem mentiam mais que outros meninos da cidade. Ao cabo, a mentira é alguma vez meia-mentira.virtude.meia virtude. Assim é que, quando elleseles disseram não ter visto ninguem furtar um relogiozinho relogiorelógio da mãe, presente do paepai, quando eram noivos, mentiram evidentementiram conscientemente, porque a criada que o tirou foi apanhada por elleseles em plena acçãoação de furto. Mas era tão amiga dellesdeles! e com taes lagrimastais lágrimas lhes pediu que não dissessem nada, a ninguem,a ninguém, que os gemeosgêmeos negaram absolutamente ter visto nada. TinhamContavam sete annosanos. Aos nove, quando ja a moça ia longe, é que descobriram, não sei a que propositopropósito,

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o caso escondido. A mãe quizquis saber porquepor que é que elleseles calaram em 1878 o que outr’ora;outrora; estes não souberam explicar-se, Talvezmas é claro que o silenciosilêncio de 1878 foi obra da affeiçãoafeição e da piedade, e dahidaí a meia-virtude, porque é alguma cousa pagar amor com amor. Quanto áà revelação de 1880 só se pode póde explicar pela distanciadistância do tempo. Já não estava presente a boa JoannaMiquelina; talvez ja estivesse morta. Demais, veiuveio tão naturalmente a referenciareferência...ao roubo

− Mas, porquepor que é que vocês até agora não me disseram nadadisseram? teimava aNa mãe.

Não sabendo mais que razão déssemdessem, um dellesdeles, creio que Pedro, foi levadoresolveu

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accusaracusar o irmão:

− Foi elleele, mamãe!

− Eu? redarguiu Paulo. Foi elleele, mamãe, elleele é que não disse nada.

− Foi você!

− Foi você! não minta!

− Mentiroso é elleele!

Cresceram um para o outro;outro. Consolação Agueda Conceição Soledade Natividade accudiuacudiu prestemente, não tanto que impedisse a troca dos primeiros murros. Segurou-lhes nosos braços, abraços a tempo de evitar outros, e, em vez de os castigar ou ameaçar, beijou-os com tamanha ternura que elleseles não acharam melhor occasiãoocasião de lhe pedir doce. Tiveram doce; tiveram tambemtambém um passeio, áà tarde, no carrinho do paepai.

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Nas Não volta estavam amigos ou reconciliados. Contaram áà mãe o passeio, a gente da rua, as outras creançascrianças que olhavam para elleseles com inveja, uma que mettiametia o dedo na boca bôca, outro no nariz, e moças de boas as moças que estavam ás janellasàs janelas, algumas que os acharam bonitos. Neste ultimoúltimo ponto divergiam, porque cada um dellesdeles achatomava para si só as admirações; mas a mãe interveiuinterveio:

− Foi para ambos. Vocês são tão parecidos, que não podia ser senão compara ambos. E sabem porquepor que é que as moças elogiaram vocês? Foi por ver que iam amigos, chegadinhos um ao outro. Meninos bonitos não

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brigam, ainda menos sendo irmãos. Quero vel-osvê-los quietos e amigos, brincando juntos, semjuntos sem brigarusga nem nada. Em/s\tãoEstão entendendo?

Pedro respondeu que sim; Paulo esperou que a mãe repetisse a pergunta, e deu egualigual resposta. EmfimEnfim, porque ellaesta mandasse, abraçaram-se, mas foi um abraçar sem gosto, sem força, quasiquási sem braços; encostaram-se um ao outro, leva estendenden/ram\ estenderam as mãos ásàs costas udo irmão, e deixaram-n’asdeixaram-nas cair.

De noite, na alcova, cada um dellesdeles concluiu para si que devia os obsequiosobséquios daquelladaquela tarde, o doce, os beijos e o carro, áà briga que tiveram, e que outra briga podia render tanto ou mais. Sem palavras, como um romance ao piano, resolveram ir áà cara um do outro, na primeira occasiãoocasião. Isto que devia um ser um

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laço armado áà ternura da mãe, trouxe ao coração de ambos uma sensação particular, que não era só consolaçãoconsolo e desforra do soccosoco recebido naquellenaquele dia, mas tambemtambém satisfação de um gostodesejo intimoíntimo, profundo, necessarionecessário. Sem odioódio, disseram ainda algumas palavras de cama a cama, riram de uma ou outra lembrança da rua, até que o somnosono veiuentrou com os seus pés de lã e bico calado, e tomou conta da alcova inteira.

 
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CapituloCapítulo XIX XIXXIX

Apenas duas. – Quarenta annos. – Terceira causa annos. Terceira causa.anos. – Terceira causa.

Apenas duas

Um dos meus propositospropósitos neste livro é não lhe pôr lagrimas ,/.\lagrimas.lágrimas. afim de o trazer enxuto Entretanto, não posso calar as duas que rebentaram umacerta vez dos olhos de Soledade, Agueda,ConceiçãoNatividade, depois de uma brigarixa dos pequenos. Apenas duas, e foram fôram morrer-lhe aos cantos da boca. bôca. Tão depressa as verteu como as engoliu, renovando ásàs avessas e por palavras mudas o fecho daquellasdaquelas

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historiashistórias de creançascrianças: «entrou por uma porta, saiu pela outra, manda Elel el-rei nosso senhor que nos conte outra.» E a segunda creançacriança contava a sua segunda historia,segunda história, a terceira a terceira, a quarta a quarta, a quinta a quinta, todas atéaté que vinha o fastio ou o somnosono. Pessoas que datam do tempo dessas taes historias se contavamem que se contavam taes historiastais histórias affirmamafirmam que naas creançascrianças não punham naquella formulanaquela fórmula nenhuma fé monarchicamonárquica, fosse absoluta, fosse constitucional; era um modo de ligar o seu Decameron dellasdelas, herdado do velho reino portuguezportuguês, quando os reis mandavam o que queriam, e a nação dizia que era muito bem.

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Engolidas as duas lagrimaslágrimas, Soledade ConceiçãoAgueda Natividade riu da propriaprópria fraqueza. Não se chamou tola, porque esses desabafos raramente se usam, ainda em particular; mas no secreto do coração, lá muito ao fundo, onde não penetra olho de homem, creio que sentiu alguma cousa parecida com isso. Não tendo prova clara, limito-me a defender a nossa damadona.

Em verdade, qualquer outra viveria a tremer pela sorte dos filhos, uma vez que houvera a rixa anterior e interior,. e Agora, asAgora as lutas eram mais frequentes, as mãos cada vez mais aptas, e tudo fazia crer receiarrecear que elleseles acabassem estripando-se um

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um ao outro... Mas aqui surgia a ideia da grandeza e da prosperidade, − cousas futuras! − e esta esperança era como um lenço que enxugasse os olhos da bellabela Soledadesenhora. As SibyllasSibilas não terão dito só do mal, nem os ProphetasProfetas, mas ainda do bem, e principalmente delledele.

Com esse lenço verde enxugou ellaela os olhos, e teria outros lenços, se aquelleaquele estivesseficasse roto ou enxoxavalhadoenxovalhado; um, por exemplo, não verde como a esperança, mas azul, como a alma delladela. Nun Ainda lhes não disse que a alma de Soledade era AguedaConceição Natividade era azul. Ahi fica. Um

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azul celeste, claro e transparente, que alguma vez se embruscava, raro tempestuava, e nunca a noite escurecia.

Não, leitor, não me esqueceu a edadeidade da nossa amiga; della;da nossa amiga; lembra-me como se fosse hoje. Chegou assim aos quarenta annosanos. Não importa; o ceucéu é mais velho e não trocou de côrcor. Uma vez que lhe não attribuasatribuas ao azul da alma d della nenhuma significação romanticaromântica, estás na conta. Quando muito, no dia em que perfez aquella edadeaquela idade, a nossa damadona sentiu um calefrio. Que passárapassara? Nada,

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um dia mais que na vesperavéspera, algumas horas apenas. Toda u uma questão de numeronúmero, menos que numeronúmero, o nome do numeronúmero, esta palavra quarenta, eis o mal unicoúnico. DahiDaí a melancolia com que ellaela disse ao marido, agradecendo o mimo do anniversarioaniversário: «Estou velha, Agostinho!» Santos quiz esganal-aquis esganá-la brincando.

Pois faria mal se a esganesganasse. Soledade ainda AguedaConceição Natividade ainda tinha as fórmasformas do tempo anterior áà concepção, a mesma flexibilidade, a mesma graça miudamiúda e viva. Conservava o donaire dos trinta. A costureira punha em relevo

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todos os pensamentos sublimes estheticosrestantes da figura, e ainda lhe emprestava algu alguns do seu bolsinho. A cintura teimava em não querer engrossar, e os quadris e o collocolo eram do mesmo estofador antigo.

Ha dessas regiões em que o verão se confunde com o outono, como se dá com ana nossa terra, onde as duas sazõesestações differemdiferem pela temperatura. NellaNela nem pela temperatura. Maio tinha o calor de janeiro. Ella, se ainda se lembra dos seus quarenta annos, dirá se minut minto. Ouço daqui que não. Que é a mesma senhora verde, com a mesmíssima azulalma azul. Ella, aos quarenta annos, era a mesma senhora verde, com a mesmissima alma azul.Ela, aos quarenta anos, era a mesma senhora verde, com a mesmíssima alma azul.

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A côr azulEsta côrEsta cor vinha-lhe do paepai e do avô, mas o paepai morreu cedo, antes do avô, que chegárachegara aos oitenta e quatro. Nessa edadeidade cria sinceramente que todas as deliciasdelícias deste mundo, desde o café de manhã até os somnos socegadossonos sossegados, haviam sido feitos unicamenteinventados somente sómente para elleele. O melhor cozinheiro do/a\ m/te\rrada terra nascera na China, compara o unicoúnico fim de deixar familia, patria, linguafamília, pátria, língua, religião, tudo, e vir assar-lhe as costelletascosteletas e fazer-lhe o chá. As estrellasestrelas davam ásàs suas noites um aspecto esplendidoaspecto esplêndido, o luar tambemtambém, e a chuva, se chovia, era para que elleele descançassedescansasse do sol. Lá está agoraagora no cemiteriocemitério de

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S.São Francisco Xavier; se alguemalguém pudesse ouvir a voz dos mortos, dentro das sepulturas, ouviria da delledele, bradando que é tempo de fechar a porta ao cemiteriocemitério e não deixar entrar ninguemninguém, uma vez que elleele já lá descançadescansa para todo sempre. Morreu azul; se chegasse aos cem annos annos, não annos, naoanos, não teria outra côrcor.

Ora, se a natureza queria po poupar esta senhora, a riqueza dava a mão áà natureza, e de uma e de outra e saía o/a\a mais bello/a\bellabela azul côrcor que alma de gente pode póde ter. Tudo concorria assim para lhe seccaremsecarem os olhos depressa, como vimos atrazatrás. Se ellaela

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bev/b\eu aquellasbebeu aquellasbebeu aquelas duas lagrimas solitariaslágrimas solitárias, poderápudera ter bebido outras pela edade adeanteidade adiante, e isto é ainda uma prova daalma azul,quellequele matiz espiritual; mostrará assim que as tem poucas, e engole-as para poupar/l\-aspoupal-aspoupá-las.

Mas ha ainda uma terceira causa que dava a esta senhora o sentimento da côrcor azul, causa tão particular que não quero mistural-a ás outras e hade ir em capitulo seu devia ter i merecia ir em capítulo seu, mas não vae,vai, por economia. Era a isenção, era o ter atravessado a vida intactaintata e pura. O cabo das Tormentas converteu-se em cabo da Boa Esperança, e ellaela venceu a primeira e a segunda mocidade, sem que os ventos lhe derribassem a nau, nem as ondas a

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engolissem. Não negaria que alguma lufada mais rija pudera levar-lhe a vela do traquete, como no caso de João de Mello, ou ainda peorpior, no de Camargo, Ayres,Aires, mas foram fôram bocejos de Adamastor. Concertou a vellvela depressa e o ggigante ficou atrazatrás cercado de ThetisTétis, emquanto ellaenquanto ela seguiu a o caminho da IndiaÍndia. Agora lembrava-se da viagem prosperapróspera. Honrava-se da v resistencia ao aos ventos dos ventos perdidosdos ventos inuteisinúteis e perdidos. A memoriamemória tinha trazia-lhe o sabor do perigo passado. Eis aqui a terra encoberta, os dous filhos nados, criados e amados da fortuna. Que brigassem, senhora; era a passagem

 
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CapituloCapítulo XXI

A joia.

Os quarenta e um annosanos não lhe trouxeram arrepio. nenhum Já estava acostumada áà casa dos quarenta. SentiuSentiu, sim, um grande espanto; accordouacordou e não viu o presente do costume, a «sorpreza»«surpresa» do marido ao pé da cama. Não a achou no toucador; abriu gavetas, espiou, nada. Creu que o marido esquecera a data e ficou triste; era a primeira vez! Desceu olhando; nada. No gabinete estava o marido, calado,

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mettido comsigometido consigo, a ler jornaes; mal jornaes, mal jornais, mal lhe estendeu a mão. Os rapazes, apezarapesar de ser domingo, estudavam a um canto; vieram dar-lhe o beijo do costume e tornaram aos livros. A mãe relanainda relanceou os olhos pelo gabinete, a ver se achava algum a cousa, tudo vãomimo, um painel, um movelvestido, foi tudo vão. Embaixo de uma das folhas do dia que estava na cadeira fronteira áà do marido podia ser que que... Nada. Então sentou-se, e, abrindo a folha, ia f di dizendo comsigoconsigo: «Será possivelpossível que não se lembre do dia de hoje? Será possivelpossível?» Os olhos entraram a ler áà toda toa, saltando as noticiasnotícias, tornando atrazatrás...

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Defronte o marido espreitava a mulher, sem absolutamente importar-lhe o que parecia ler. Assim se passaram alguns minutos. De repente, Santos viu uma expressão nova no rosto de Natividade; os de olhos delladela pareciam crescer, a boca bôca entre-abriu-seentreabriu-se, até quea cabeça ergueu-se, a delle tambemdele também, ambos se despegardeixaram as cadeira, deram dous pa passos e cairamcaíram nos braços um do outro, como dous namorados desesperados de amaramor. Um, dous, treztrês, muitos beijos. Pedro e Paulo, espantados, tinham deixestavam ao canto, de pé. O os paepai, quando pôde falar, disse-lhes:

− Venham beijar a mão da senhora baronezabaronesa de Santos.

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Não entenderam logo. Natividade não sabia que fizesse; dava a mão aos filhos, ao marido, e tornava ao ao jornal para ler e reler que no despacho imperial da vesperavéspera — Sro sr. Sr.Senhor Agostinho José dos Santos fôrafora agraciado com o titulotítulo de Barão de Santos. Comprehendera/u\ComprehendeuCompreendeu tudo. O presente do dia era aquelleaquele; o ourives desta vez foi o imperadorimperador.

− Vão, vago vão, agora podem ir brincar, disse o paepai aos filhos.

E os rapazes sairamsaíram a espalhar a noticianotícia pela casa. Os creadoscriados ficaram felizes com a mudança dos amos. Os propriospróprios escravos pareciam receber uma parcellaparcela de liberdade e

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conderavam-secondecoravam-se com ellaela: «Nhã BaronezaBaronesa!» exclamavam saltando. E João puxava Maria, e Maria, batendopuxava Maria, batendo castanholas com os dedos: «Gente, quem é esta creoulacrioula? Sou escrava de Nhã BaronezaBaronesa

Mas o imperador não foi o unicoúnico ourives. Santos tirou do bolso uma caixinha, com um broche em que a coroa corôa nova rutilava de brilhantes. Natividade consentiuagradeceu-lhe a joia e consentiu em pol-apô-la, p em si para que o marido a visse. Santos sentia-se um pouco autor do/a\ broche, joiada joia, inventor das/a\da pedras fórmaforma e das pedras; mas deixou logo que ellaela a tirasse, e guardasse, e pegou das gazetas, para lhe

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mostrar que em todas vinha a noticianotícia, algumas com adjectivoadjetivo, conceituado aqui, alli distinctoali distinto, etc.

Quando PerpetuaPerpétua entrou no gabinete, achou-os andando de um lado para outro, com os braços passados pela cintura, conversando, calando, mirando os pés. Tambem ellaTambém ela deu e recebeu o seu tambemrecebeu abraços.

Toda a casa estava alegre. Na chacarachácara, as arvoresárvores pareciam mais verdes, que nunca, os botões do jardim explicavam as folhas, e o sol cobria a terra de uma claridade infinita. O ceucéu, para collaborarcolaborar com o resto, ficou azul o dia inteiro. Logo cedo entraram a vir cartões de e cartõescartas de

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parabensparabéns. Mais tarde visitas. Homens do foro, homens do commerciocomércio, h homens de sociedade, muitas senhoras, algumas titulares tambemtambém, vieram ou mandaram. Devedores de Santos acudiram depressa, outros algunsoutros preferiram continuaram o esquecimento. Nomes houve que elleseles só puderam reconhecer áà força de grande pesquizapesquisa e muito almanachalmanaque.

 
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CapituloCapítulo XXI

Um ponto escuroescuro.  

Sei que ha um ponto escuro no capitulocapítulo que passou; escrevel-oescrevo este para esclarecel-oesclarecê-lo.

Quando a esposa inquiriu dos antecedentes e circumstanciascircunstâncias do despacho, Santos deu todas as explicações pedidas. Nem todas seriam strictamente exactas estrictamente exactasestritamente exatas; o tempo é um rato roedor das cousas, que as diminuediminui ou altera no sentido de lhes dar outro aspecto. Demais, a materiamatéria era tão propiciapropícia

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ao alvoroço que facilmente traria confusão á memoriaà memória. Ha, nos mais graves acontecimentos, muitos pormenores que se perdem, outros que a imaginação inventa para supprirsuprir os perdidos, e nem por isso a historiahistória morre.

Resta saber (é o ponto escuro) como é que Santos pôde calar por tantoslongos dias um negocionegócio tão agudoimportante para elleele e para a esposa. Em verdade, esteve mais de uma vez a diserdizer por palavra ou por gesto, se achasse algum, aquelleaquele segredo de poucos; mas, sempre havia uma força maior que lhe tapava a boca. bôca. Pa Ao que parece, foi a expectação de uma alegria nova

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e inesperada , que lhe deu a alma de pacientar. Naquella scenaNaquela cena do gabinete tudo foi composto de antemão, o silenciosilêncio, a indifferençaindiferença, os filhos que elle pozele pôs alli estudando alli, estudandoali, estudando ao domingo sódomingo, só para o effeito daquella phraseefeito daquela frase: «Venham beijar a mão da senhora baronezabaronesa de Santos!»

 
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CapituloCapítulo XXII

Agora um salto.

Que os dous gemeosgêmeos participassem da lua de mel nobiliarianobiliária dos paespais não é cousa que se precisa/e\precise escrever. O amor que lhes tinham bastava a explical-oexplicá-lo, mas accresceacresce que, havendo o titulotítulo produzido em outros meninos dous sentimentos oppostosopostos, um de estima, outro de inveja, Pedro e Paulo concluiramconcluíram ter recebido com elleele um meritomérito especial. Quando, mais tarde, Paulo adoptou a opinião republicana nunca

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envolveu aquella distincçãoaquela distinção da familiafamília na condemnaçãocondenação das instituições. Os estados de alma que daqui nasceram davam materiamatéria a um capitulocapítulo especial, se eu não preferisse dar agora um salto, e ir a 1886. Grande é o salto,O salto é grande, mas o tempo é um tecido invisivelinvisível em que se pode póde bordar tudo, uma flor, um passaropássaro, uma dama, um castellocastelo, um tumulotúmulo. TambemTambém se pode póde bordar nada. Nada em cima de invisivelinvisível é a mais subtilsutil obra deste mundo, e acaso do outro.

 
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CapituloCapítulo XXIII

Quando tiverem  barbas.

Uma noite, naquelle anno, de 1886Naquelle anno,Naquele ano, uma noite de agosto, como estivessem algumas pessoas emna casa de Botafogo, succedeusucedeu que uma dellasdelas, não sei se homem ou mulher, quperguntou aos dous irmãos que idade edade tinham:tinham.

Paulo respondeu:

− Nasci no dia anniversarioaniversário do dia em que Pedro I caiu do thronotrono.

E Pedro:

− Nasci no anniversarioaniversário do dia em

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que Sua Majestade subiu ao thronotrono.

As respostas foram simultaneassimultâneas, não successivassucessivas, tanto que a pessoa pediu-lhes que falasse cada um por sua vez. A mãe explicou:

− Nasceram no dia 7 de abril de 1870.

Pedro repetiu vagarosamente:

− Nasci no dia em que Sua Majestade subiu ao thronotrono.

E Paulo:, em seguida:

− Nasci no dia em que Pedro I caiu do thronotrono.

Florinda Soledade ConceiçãoAgueda Natividade reprehendeurepreendeu a Paulo a sua resposta subversiva; Paulo explicou-se, Pedro contestou a explicação e deu outra, e a sala viraria club, se a mãe não os accommodasseacomodasse

156/7\

por esta maneira:

− Isto hão de ser grupos de collegiocolégio; vocês não estão em edadeidade de falar em política. Quando tiverem barbas.

As barbas não queriam vir 

As barbas não queriam vir, por mais que elleseles chamassem o buço com os dedos, mas as opiniões politicaspolíticas e outras vinham e cresciam. Não eram propriamente opiniões, não tinham raizesraízes grandes nem pequenas. Eram (mal comparando) gravatas de côrcor particular, que elleseles atavam ao pescoço, áà espera que a côr cançassecor cansasse e viesse outra. Naturalmente cada um tinha a sua. TambemTambém se pode crer póde crêr que er/a\

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de cada um era, mais ou menos, adequada áà pessoa. Posto fossem rivaes, não tinham odioComo recebiam as mesmas approvações e distincçõesaprovações e distinções nos exames, faltava-lhes materiamatéria a invejas; e, se a ambição os dividisse algum dia, não era por ora aguiaáguia nem condor, ou sequer filhote; quando muito, um ovo. No collegiocolégio de Pe Pedro II todos lhes queriam bem. No manuscrito, faz-se parágrafo aqui As barbas é que não queriam vir. Que é que se lhes hade ha dehá de fazer quando as barbas não querem vir? Esperar que venham por seu pé, que appareçamapareçam, como é seu costume dellas que cresçam, que embranqueçam, como é seu costume dellasdelas, salvo as que não embranquecem nunca, ou só em parte e temporariamente. Tudo isto é sabido e banal, mas dá logarensejo a dizer de duas barbas do ultimo genero,do último gênero, celebres naquellecélebres naquele tempo, e ora totalmente esquecidas. Não tendo outro logarlugar em

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que fale dellasdelas, aproveito oeste capitulocapítuloseguinte, e o leitor que volte a paginapágina, se prefere ir atrazatrás da historiahistória. Eu ficaria/ei\ficarei aqui alguns segund durante algumas linhas, recordando as duas barbas mortas, sem as entender agora, como ninguem não as entendemos outr’ora, então, as mais inexplicaveisinexplicáveis barbas do mundo.

A primeira daquellasdaquelas barbas era de um frade,amigo de Pedro, um capucho, um italiano, frei ***. Podia escrever-lhe o nome, − ninguemninguém mais o conheceria, − mas prefiro esse signalsinal trino, numero de mysterionúmero de mistério, expresso por estrellasestrelas, que são os olhos do ceucéu. Trata-se de um frade. NãoPedro não lhe conheci/eu\conheceu a barba preta, mas já grisalha, longa e basta, ca adornada/n\doadornando uma cabeça masculamáscula e formosa. A boca bôca era risonha, os olhos

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rutilosrútilos. Ria por ellaela e por elleseles, tão docemente que mettiametia a gente no coração. Tinha o peito largo, as espaduasespáduas fortes. O pé nu, nú, atado ás/á\ à sandaliasandália, parecemostrava aguentar um corpo de HerculesHércules. Tudo isso meigo e espiritual, como uma pagina evangelicapágina evangélica. A fé era viva, a affeiçãoafeição segura, a pacienciapaciência infinita.

Um diaFrei *** despediu-se um dia dos amigosde Pedro. Ia ao interior, Minas, Rio de Janeiro, S.São Paulo, − creio que ao Paraná tambemtambém, − viagem espiritual, como a de outros confrades; econfrades, e lá ficou por um semestre ou mais. Quando voltou foi uma alegriatrouxe-nos a todos grande alegria e maior espanto. A barba

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estava negra, não sei se tanto ou maesmais do que d’antesdantes, mas negrissima e brilhantissimanegríssimas e brilhantíssima. Não explicou a mudança, nem ninguemninguém lhe perguntou por ellaela; podia ser milagre ou capricho da natureza; tambemtambém podia ser correcçãocorreção de homem, Masposto que o ultimoúltimo caso erafosse de mais difficildifícil de crer crêr que o primeiro. Não d/D\urou mais de noveDurou nove mezesmeses esta cor; côr; entre um sabbado e um domingofeita outra viagem por um annoviagem por trinta dias, a barba appareceuapareceu de prata ou de neve, como vos parecer mais branca.

Quanto áà segunda de taestais barbas, erafoi ainda mais espantosa. Não era era de frade, mas de um quasi maltrapilho, um sujeito que vivia de

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dividasdívidas, Na mocidadee na mocidade corrigira um velho rifão da nossa lingualíngua por esta maneira: «Paga o que deves, vê o que te não fica.» Chegou aos cincoenta annoscinquenta anos sem dinheiro, sem emprego, sem relaçõesamigos. A roupa teria a mesma idade edade, os sapatos não menor que ellaela,. A barba é que não chegou aos cincoentacinquenta; elleele pintava-a de negro e mal, provavelmente por não ser a tinta de primeira qualidade e não terpossuir espelho. Andava só, descia ou subia muita vez a rua do Ouvidormesma rua. Um dia dobrou a esquina da Vida e entroucaiu na praça dada da/M\orte,Morte, com as barbas enxovalhadas, por não ter com que pintal-as nahaver quem lh’aslhas pintasse na Santa Casa.

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Or, benèOr, bene, fal para falar como o meu capucho, por que porque é que este e o maltrapilho voltaram do grisalho ao negro? A leitora que adivinhe, se pode póde: dou-lhe vinte capituloscapítulos para alcançal-oalcançá-lo. Talvez eu, por essas alturas, lobrigue alguma explicação, mas por ora não sei nem aventuro nada. Vá que malignos attribuamatribuam a frei *** alguma paixão profana; ainda assim não se comprehendecompreende que elleele se descobrisse por aquelleaquele modo. Mas e o maltrapilho? A queC Quanto ao maltrapilho, a que damas queria elleele agradar, a ponto de trocar alguma vez o pão pela tinta? Que um e outro cedessem ao desejo de prender a mocidade

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fugitiva, pode póde ser. O frade, lido na EscripturaEscritura, sabi/e\ndosabendo que Israel chorou pelas cebolas do EgyptoEgito, teria tambemtambém chorado, e as suas lagrimaslágrimas seriam sairam cairamcaíram negras. Tudo pode ser uso Pode PódePode ser, repito. Este desejo de capturar o tempo é uma necessidade da alma e dos queixos e doe dos queixos; A não ser essa, não lhe vejo outra explicação mas aoao tempo tem sempredá Deus habeas-corpus.

 
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CapituloCapítulo XXI I V IXXIV

Robespierre e LuizLuís XVI.

Tanto cresceram as opiniões politicas de Pedro e Paulo que, um dia, chegaram a incorporar-se em alguma cousa. Iam descendo pela rua da Carioca. Havia alliali uma loja de vidraceiro, com espelhos de variovário tamanha/o\,tamanho, e ee, mais que espelhos;espelhos, tambemtambém haviatinha retratos velhos e gravuras baratas, com e sem caixilho. Pararam alguns instantes, olhando áà toa. Logo depois, Pedro viu pendurado um

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retrato de LuizLuís XVI, entrou e comprou-o logo por oitocentos reisréis; umaera uma simples gravura preza patadaao ao mostrador por duaum barbante. Paulo quizquis ter e/i\gual egualigual fortuna, adequada ásàs suas opiniões, e descobriu um Robespierre. Como o logistalojista pedisse por este mil e duzentos, Pedro exaltou-se um pouco.

− Então o senhor vende mais barato um rei, e um rei martyrmártir?

Hade Ha deHá de perdoar, mas é que este/a\ outro/a\esta outra senhorgravura custou-me mais caro, redarguiu o velho logistalojista. Nós vendemos conforme o preço da compra. Veja; está mais novo/a\nova.

− Lá isso, não, acudiu Paulo. São do mesmo tempo; mas é que este vale ma mais que aquelleaquele.

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− Ouvi dizer que tambemtambém era rei...

− Qual, rei! responderam os dous.

− Ou quiz sel-oquis sê-lo, não sei bem.bem... Que eueu, de historiashistórias, apenas conheço a dos mouros que apprendiaprendi na minha terra, comterra com a avó, a Algumas partesalguns bocados em verso. E elleele ainda n/h\aha mourasmouras lindas; por exemplo, esta; apesar do nome, creio que era moura, ou aindamoura, ou ainda é, se vive... Mal lhe saiba ao marido!

Foi a um canto e trouxe um retrato de Madame de StaelStaël, com o famoso turbante na cabeça. Ó effeito da bellezaOh efeito da beleza! Os rapazes meninosrapazelhos rapazelhosrapazes esqueceram por um instante as opiniões politicaspolíticas e ficaram a olhar longamente a figura de CorinnaCorina. O logistalojista, apezarapesar dos seus setenta annosanos,

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e tinha os olhos derretidos a vista babadaos olhos babados. Cuidava/ou\Cuidou de sublinhar as fórmasformas, os/a\a olhoscabeça, a boca bôca um tanto grossa, mas expressiva, e dizia que não era caro. Como nenhum quizesse quisesse comprala compral-acomprá-la, talvez por ser só uma, disse-lhes que ainda tinha outro, mas esse era «uma pouca vergonha,» phrasefrase que os deuses lhe perderiam,perdoariam, quando soubessem que elleele que querianão quiznão quis mais que aguçar abrir o appettite aos adolescente do par joven par de fregueses. E foi a um armario, que abrir o appetite aosapetite aos rapazesfreguezes.fregueses. E foi a um armário, E foi a um armario, e tirou de lá, e trouxe uma Diana, núanua como vivia cá em baixo, em baixoembaixo outr’oraoutrora, nos mattosmatos. Nem por isso a vendeu. Teve de contentar-se com os retratos políticos.

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QuizQuis ainda ver se colhia algum dinheiro, vendendo-lhes um retrato de Pedro I, encaixilhado, que pendia da parede; mas, Pedro recusou por não ter dinheiro disponiveldisponível, e Paulo disse que não daria um vintemvintém pela «cara de traidores». Antes não dissesse nada! O logistalojista, tão depressa lhe ouviu a resposta como despiu as fórmasformas obsequiosas, vestiu outras indignadas, e bradou que sim, senhor, que o moço tinha razão.

− Tem muita razão. Foi um traidor, máumau filho, mau irmão, mau tudo. Fez todo o mal que pôde a este muit/n\do; e no inferno, onde está, se a religião não mente, deve ainda fazer mal ao Diabo. Este

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senhormoço falou ha pouco em rei mat/r\tyrmartyrmártir, − continuou mostrando-lhes um retrato de D.Dom Miguel de Bragança, meio perfil, sobrecasaca, mão ao peito, − este é que foi um verdadeiro martyr daquellemártir daquele, que lhe roubou o thronotrono, que não era seu, para dal-odá-lo a quem não pertencia; e foi morrer á minguaà míngua , o meu pobre rei e senhor, dizem que na AllemanhaAlemanha, ou não sei onde. Ah! malhados! ah!Ah! filhos do Diabo! Os senhores não podem imaginar o que era aquellaaquela canalha de liberaesliberais.«/.\ Liberaes! LiberaesLiberais! Liberais do alheio!

− É tudo a mesma farinha, reflexionou Paulo.

− Eu não sei se elleseles eram de farinha,

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sei que levaram muita pancada. Venceram, mas apanharam devérasdeveras. Meu pobre rei!

Pedro quizquis responder ao remoque do irmão, e propozpropôs comprar o retrato de Pedro I. Quando o logistalojista tornou a si, começou a negociar a venda, mas não po/u\deram poderam entender-se no preço; Pedro dava os mesmos oitocentos reisréis do outro, o logistalojista pedia dous mil reisréis. Notava-lhe que estava encaixilhado, e LuizLuís XVI não; além disso, era mais novo. E vinha áà porta, a buscar melhor luz, chamava-lhe a attençãoatenção para o rosto, os olhos principalmente, que bellabela expressão que tinham! E o manto imperial...

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− Que lhe custa dar dous mil reisréis?

− Dou-lhe dez tostões; serve?

− Não serve. Mais que isso me custou elleele.

− Pois então...

− Veja sempre. Pois isto não vale até tres treztrês mil reisréis? O papel não está encardido; a gravura é fina.

− Dez tostões, já disse.

− Não, senhor. Olhe, por dez tostões leve este de D.Dom Miguel; o papel está bem conservado, e, com pouco dinheiro, manda-lhe pôr um caixilho. Vá; dez tostões.

− Se eu já est estou arrependido... pelos toesDez tostões po/elo\pelopelo imperador.

− Ah! isso não! Custou-me mil e setecentos ha setecentos, hasetecentos, há três trez semanas; ganhou/o\ganho uns

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trezentos reisréis, quasiquási nada. Ganho menos com o senhor D.Dom Miguel, mas tambemtambém concordo que é menos procurado. Este de D.Dom Pedro I, se passar amanhã, talvez ja o não ache. Vá, sim?

− Eu passo depois.

Paulo já ia andando e mirando Robespierre; Pedro alcançou-o.

− Olhe, leve por sete tostões o senhor D.Dom Miguel!

Pedro abanou a cabeça.

− Seis tostões serve?

Pedro, desenao lado do irmão, desenroláradesenrolara a sua gravura. O velho logista quizlojista quis ainda bradar: «Cinco tostões!» mas iam já longe, f ee ficava mal negociar assim.

 
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CapituloCapítulo XXVIIII XXVII

D.Dom Miguel.

− Assim como assim, ficou pensando o velho, não hade ha dehá de ser enrolado e guardado que o heidehei de vender; vou mandal-omandá-lo encaixilhar; põem-se-lhe aqui umas taboinhastabuinhas velhas...

D.Dom Miguel voltou para elleele os olhos turvos de reproche e tristeza;tristeza e reproche; assim lhe pareceu ao vidraceiro, mas podia ter sido illusãoilusão. Em todo caso, pareceu tambemtambém que os olhos tornavam ao seu logarlugar, fitando áà

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direita, ao longe... Para onde? Para onde ha justiça eterna, cuidou naturalmente o dono. Como estivesse a contemplal-ocontemplá-lo, áà porta, parou um homem, entrou, e olhou commovidocom interesse para o retrato. O logistalojista reparou na expressão; podia ser algum miguelista, mas tambemtambém podia ser um colleccionadorcolecionador...

− Quanto pede o senhor por isto?

− Isto? Hade Ha deHá de perdoar; quer saber quanto peço pelo meu rico senhor D.Dom Miguel? Não peço muito, está um tanto encardido, mas ainda se lhe aprecia bem a figura. Que soberba que ellaela ! é! Não é caro; dou-lhe pelo c custo; se estivesse encaixilhado, valeria

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unsuns quatro mil reisréis. Leve-o por tres treztrês.

O freguezfreguês tirou tranquillamentetranquilamente o dinheiro do bolso, emquantoenquanto o velho enrolava o retrato, e, trocados um por outro, despediram-se cortezescorteses e satisfeitos; um com a prenda, o outro com o o logistalojista, volt depois de ir até áà a porta, tornou áà cadeira do costume. Talvez ficaspensasse no perigomal a que escapáraescapara, se vendesse a/o\o gravretrato por dez tost tostões. Em todo caso, ficou a olhar para fórafora, para longe, para onde ha justiça eterna... Tres TrezTrês mil reisréis!

 
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Capitulo XXVIIICapítulo XXVI

A luta dos retratosretratos.

Quand/si\ QuasiQuási que não é preciso dizer o destino dos retratos do rei e do convencional. Cada um dos pequenos pregou o seu áà cabeceira da cama. Pouco durou esta situação, porque Paulo e Pedroambos faziam pirraças ásàs pobres gravuras, que t não tinhatinham culpa de nada. Eram orelhas de burro, epithet nomeios nomes feios, desenhos de animaesanimais, até que um dia Paulo rasgou a de Pedro, e Pedro a de Pa este a do outro. NaturPedro a de Paulo. Naturalmente, vingaram-se a murro; a mãe

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ouviu rumor e subiu apressada. Conteve os filhos, mas ja os achou arranhados e recolheu-se triste. Nunca mais acabaria aquellaaquela maldição de rivalidade? Fez esta pergunta calladacalada, atirada áà cama, a cara mettidametida no travesseiro, que desta vez ficou seccoseco,./,\ A pagina ficou enxutamas a alma chorou.

Natividade confiava na educação, mas a educação, por mais que ellaela a apurasse, não chegava a limavamapenas lima quebravam as arestas ao caractercaráter dos pequenos, a/o\ subo essencial ficava; as paixões embryonariasembrionárias trabalhavam por viver, crescer, romper, taes quaes ellatais quais ela sentira os dous no propriopróprio seio, durante a gestação... E recordava a crise de então, acabando por maldizer da cabocla do CastelloCastelo. Realmente,

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a cabocla devia ter calado; o mal calado não se muda, mas não se sabe. Agora, pode póde ser que isto de não calar confirme a opinião vulgar de que a cabocla era mandada por Deus para dizer a verdade ao aos homens. Mas tamE afinal o que é que ella disse a Soledade? Agueda?Conceição Não fezque ellaque ela disse a Natividade? Não fez mais que uma pergunta mysteriosamisteriosa; a predicçãopredição é que foi luminosa e clara... E outra vez as palavras do Castello resoaramCastelo ressoaram aos ouvidos da mãe, e a imaginação fez o resto. Eil-osCousas futuras! Eil-osEi-los grandes e sublimes. Algumas brigas em pequenos, que importa? Soledade AguedaConceição Natividade sorriu, ergueu-se, foi áà porta, deu com o filho Pedro, que

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foi á porta; deu com Pedro que vinha explicar-se.

− Mamãe, Pedro e mema Paulo é mau. Se mamãe ouvisse os horrores que elleque ele solta pela boca bôca fórafora, mamãe morria de medo. A mim c/C\usta-meCusta-me muito não ir áà cara delledele; ainda lhe não fureitirei um olho...

− Meu filho, não fallesfales assim, é teu irmão.

− Pois que não se metta commigometa comigo, não me aborreça. Que blasphemiasbasfêmias que elleele dizia! Como eu rezava por alma de LuizLuís XVI, elleele, para machucar-me bem, rezava a Robespierre; compozcompôs uma ladainha chamando santo ao outroao outro e cant

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cantarolava baixinho para que papaepapai nem mamãe ouvissem. Eu sempre lhe dei alguns cascudos...

Ahi está!

− Mas é que elleele é que me dava primeiro, porque eu punha orelhas de burro em Robespierre... Então, eu havia de apanhar callado?calado?

− Nem callado, nem fallando.calado, nem falando.

Mas e/E\ntãoEntão, como? Apanhar sempre nãosempre, não é?

− Não, senhor; não quero pancadas; o melhor é que esqueçam tudo e se queiram bem. Você não vê como seus paespais se querem? As brigas rusgasbrigas acabaram de todo. Não quero ouvir rusgas nem queixas. Afinal que temtêm vocês com um

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sujeito máumau que morreu ha tantos annosanos?

− É o que eu digo, mas elleele não se emenda.

Hade Ha deHá de emendar-se; os estudos fazem esquecer creancicescriancices. Você tambemtambém quando fôr medicofor médico tem muito que brigar com m/a\s molestiasas molestiasas moléstias e a morte; é melhor que andar dando pancada em seu irmão... Que é lá isso? Não quero arremeçosarremessos, Pedro! Socegue; ouça-meSossegue, ouça-me.

− Mamãe é sempre contra mim.

− Não sou contra nenhum, sou por ambos, ambos são meus filhos. E demais gemeosgêmeos. Anda cá, Pedro. Não penses que eu desapprovodesaprovo as tuas opiniões politicaspolíticas. Até góstogosto; são as

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minhas, são as nossas. Paulo hade ha dehá de tel-as tambemtê-las também. Na edadeidade em que estádelledele acceita-seaceita-se quanta tolice ha, mas o tempo corrige. Olha, Pedro, a minha esperança é que vocês sejam grandes homens, mas com a condição de serem gratambemtambém grandes amigos.

− Eu estou promptopronto a ser grande homem, assentiu Pedro com ingenuidade, quasiquási com resignação.

− E grande amigo tambemtambém.

− Se elle fôrele for, sou serei.

− Grandes homens! exclamou Soledade AguedaNatividade, dando-lhe dous abraços, um para elleele, outro para o irmão quando voltasseviesse.

Mas Paulo voltouveiuveio logo, e recebeu

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o abraço inteiro e de verdade. Vinha tambemtambém queixar-se, e sempre resmungou alguma cousa, mas a maemãe não quiz ouvil-oquis ouvi-lo, e falou outra vez a linguagem das grandezas. Paulo consentiu tambemtambém em ser grande.

− Você será medicomédico, disse Soledade AguedaConceiçãoNatividade a Pedro, e você advogado. Quero ver quem faz as melhores curas, e ganha as melhores as peioresas piores demandas.

− Eu, disseram ambos a um tempo.

− Patetas! Cada um terá a sua carreira especial, a sua sciencia differenteciência diferente. Já estão curados do nariz? Já; não ha mais sangue. Agora o primeiro que ferir seu irmão será degradado.

− Eu quero ser degradado.

− Eu tambem.

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Foi um recurso habil separal-oshábil separá-los; um ficava no Rio, estudando medicina, outro ia para S.São Paulo, estudar direito. O tempo faria o resto, não contando que cada um casava e iria com a mulher para o seu lado; lado. Era a paz perpetuaperpétua; mais tarde viria a perpetua amizade. Tal Assim pensava a mãe . perpetua amizade.perpétua amizade.

 
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CapituloCapítulo XXXVIIXXVII

De uma reflexão intempestiva.

Eis aqui entra uma reflexão da leitora: «Mas se duas velhas gravuras os levam a murro e sangue, contentar-se-hão ellescontentar-se-ão eles com a sua esposa? Não quererão a mesma e unicaúnica mulher?»

O que a senhora deseja, amiga minha, é chegar ja ao capitulocapítulo do amor ou dos amores, que é o seu interesse particular nos livros. DahiDaí a habilidade da pergunta, como se

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lembradissesse: «Olhe que o senhor ainda nãonos não mostrou a dama ou damas que temtêm de seremser amadas ou pleiteadas por estes dous jovens inimigos.jovens inimigos. «E estou cançadacansada de saber que os rapazes não se dão ou se dão mal; é a segunda ou terceira vez que assisto ásàs intercessão intervenções da mãe, às blandiciasblandícias della, da mãe ou aos seus ralhos t amigos. Vamos depressa ao amor, ásàs moçasduas, se n se não é uma só a pessoa...»

Francamente eu não gosto de g gente que venha adivinhando e compont/d\ocompondo um livro que apenas começa a ser escriptoestá sendo escripto com methodo.está sendo escrito com método. A insistenciainsistência da leitora em falar de uma só mulher chega

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a ser impertinente. SupponhaSuponha que elles devéraseles deveras gostem de uma só pessoa; não parecerá que eu conto o que a leitora me lembrou, quando a verdade é que eu apenas escrevo o que succedeusucedeu e pode póde ser testemunhado confirmado por dezenas de testemunhas? Não, senhora minha, não puzpus a pennapena na mão, áà espreita do que me viessem suggerindosugerindo. Se quer compor compôr o livro, aqui tem a pennapena, aqui tem papel, aqui tem um admirador; mas, se quer ler somente, sómente, deixe-se estar quieta, vá de linha em linha; dou-lhe que b boceje entre dous capituloscapítulos, mas espere o resto, tenha confiança no relator destas aventuras.

 
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CapituloCapítulo XXVIII A pessoa mais moça

O resto é certo

O resto é certo.

Sim, houve uma pessoa, mais moça que elleseles, um a dous annosanos, que os agrilhoou, áà força de costume ou de natureza, se não foi de ambas as causascousas. Antes dessa, d’essa, pode póde ser que houvesse outras e mais velhas que elleseles, mas de taestais não rezam as notas que servem a este livro. Se brigaram por ellaselas, não ficou memoriamemória disso, mas e é possível, que alguma vez se caso dado que tivessem

sem número
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tido as mesmas preferenciaspreferências; no caso contrario tambemcontrário também, como succediasucedia aos cavalleiroscavaleiros que defendiam a sua dama...

Conjecturas tudo. Era natural que, assim bon bonitos, e/i\guaes eguaes, elegantes, dados áà vida e ao passeio, áà conversação e áà dança, finalmente herdeiros, era natural que mais de uma menina gostasse dellesdeles. As que os viam passar a cavallocavalo, praia fórafora ou rua acima, ficavam namoradas daquelladaquela ordem perfeita de aspecto e de movimento. Os proprios cavallospróprios cavalos eram iguaesinhos eguaesinhosiguaizinhos, quasiquási gemeosgêmeos, e batiam as patas com o mesmo rythmoritmo, a mesma força

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e a mesma graça. Não creias que o gesto da cauda e das crinas fosse simultaneosimultâneo nos dous animae/i\s animaes; não é verdade e pode póde fazer duvidar do resto mais resto. Pois o resto é certo.

 
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CapituloCapítulo XXIX

A pessoa mais moça.  

A pessoa mais moça não entra ja neste capitulocapítulo por uma razão valiosa, que é a convenienciaconveniência de apresentar primeiro os paespais. Não é que se não possa vel-avê-la bem sem elleseles; pode-se, póde-se, os tres treztrês são diversos, acaso contrarioscontrários, e, por mais especial que a acheis, não é preciso que os paespais estejam presentes. Nem sempre os filhos reproduzem os paespais,. Camões affirmouafirmou que de certo paepai só se podia

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esperar tal filho, e a scienciaciência a confirma esta regra poeticapoética. Pela minha parte creio na scienciaciência como na poesia, mas ha excepçõeshá exceções, amigo. Succede, ásSucede, às vezes, que a natureza faz outra cousa, e nem por isso as plantas deixam de crescer e as estrellasestrelas de luzir. O que se deve crer crêr sem erro é que Deus é Deus; e, se alguma rapariga arab arabeárabe me estiver lendo, ponha-lhe AllahAlá,.Todos os caminhos vão dar T Todas as linguasTodas as línguas vão dar ao ceucéu.

 
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CapituloCapítulo XXIXIII

A gente Baptista.    

A gente Baptista conheceu a gente Santos em não sei que fazenda da an provinciaprovíncia do Rio. Não foi no municipio de em MaricáNão foi Maricá, embora alliali tivesse nascido o paepai dos gemeosgêmeos; a provincia tinha outros municipios, e mais ricos, seria foi seria em qualquer delles. outro municipio.outro municipio.outro município. Tambem não sei o motivo daquellas villegiatura férias da gente Santos. FosseFosse qual fosse, alliali é que se conheceram as duas familiasfamílias, e como morassem proximaspróximas em Botafogo, a

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assiduidade consolidou a syme a sympathia vierame a simpatia vieram ajudando o caso fortuito.

Baptista, o paepai da menina,donzella,donzela, era homem de quarenta e tantos annosanos, advogado do civelcível, ex-presidente de provinciaprovíncia e membro do partido conservador. A ida áà fazenda tivera por objecto exactamenteobjeto exatamente uma conferencia politicaconferência política para fins eleitoraeseleitorais, mas tão esterilestéril que elleele tornou de lá sem, ao menos, um ramo de esperança. Apesar de ter amigos no governo, não alcançara alcançára nada, nem deputação, nem presidenciapresidência. Interrompera InInterrompêraInterrompera a carreira desde que foi exonerado daquelledaquele cargo «a pedido», disse o decreto, mas as queixas do exonerado

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fariam crer crêr outra cousa. De factofato, perdera as eleições, e attribuiaatribuía a esse desastre politicopolítico a demissão do cargo.

− Não sei o que é elleque elleque ele queriam/a\queria que eu fizesse mais, dizia elle elleBaptista fallandofalando do ministro. do imperio Cerquei egrejasigrejas; nenhum amigo pediu policiapolícia queque eu não mandasse; processei talvez umas vinte pessoas, outras foram fôram para a cadeia sem processo. Havia de enforcar gente? Ainda assim houve duas mortes no Ribeirão das Moças.

O final era excessivo, porque as mortes não foram fôram obra delledele; quando muito, elleele mandou abafar o inqueritoinquérito, se si se pode póde chamar inqueritoinquérito a uma simples conversação sobre a

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ferocidade dos dous defuntos. Em summasuma, as eleições foram fôram incruentas.

Baptista dizia que por causa das eleições perdera a presidenciapresidência,; mas n/c\orriacorria outra versão, um negocionegócio de aguaságuas, concessão feita a um hes hespanholespanhol, a pedido do irmão da esposa csposa do presidente. O pedido era verdadeiro, a imputação de sociosócio é que era falsa. Não importa; tanto bastou para que a folha da opposiçãooposição dissesse que era um houve naquillonaquilo um bom «arranjo de familiafamília», accrescentandoacrescentando que, como era de aguaságuas, devia ser negocionegócio limpo. A forçafolha da administração retorquiu que, se se aguas que, se aguasque, se águas

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havia, podiamnão eram bastantes para lavar o sujo de do carvão deixado pela ultima presidencia liberalúltima presidência liberal, um fornecimento de vendas palacio.palácio. Não era exactoexato; a folha da opposiçãooposição reviveu o processo antigo e mostrou que a defeza fôradefesa fora cabal. Podia parar aqui, mas continuou que, «como agora estavamosestávamos em Hespanha,» Hespanha»,Espanha», o presidente emendou o poeta hespanholespanhol, autor daquelle epitaphiodaquele epitáfio:

            Cuñados y juntos:

Es cierto que estanestán difuntos;

e emendou-o por não ser obrigado a matar ninguemninguém, antes deu vida a si ae aos seus, dizendo pela nossa lingualíngua:

Cunhados e cunhadissimoscunhadíssimos;

É certo que são vivissimosvivissímos!

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Baptista acudiu depressa ao mal, declarando sem effeitoefeito a concessão, mas isso mesmo servia/u\ á opposiçãoserviu á opposiçãoserviu à oposição para novos commen arremeçosarremessos: «Temos a confissão do reuréu!» foi o principio d titulo dotítulo do primeiro artigo que rendeu áà folha da opposiçãooposição o actoato do presidente. Os correspondentes mandaramtinham ja escriptoescrito para o Rio de Janeiro alludindo á falando da concessão, e o governo acabou por demittirdemitir o seu delegado. Em verdade, só os politicospolíticos falaramcuidaram do negocionegócio. D. ClaudiaDona Cláudia apenas alludiaaludia áà campanha da imprensa, que foi violentissimaviolentíssima.

− Não valia a pena sair daqui, disse Natividade.

− Lá isso não, baronezabaronesa!

E D. Claudia affirmouDona Cláudia afirmou que valia. Soffre-seSofre-se, mas gosta-se pacienciapaciencia.paciência. Era tão bom chegar áà provinciaprovíncia!

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Tudo annunciadoanunciado, as visitas a bordo, o desembarque, a posse, os comprimentos cumprimentos... Ver a magistratura, o funccionalismofuncionalismo, a officialidadeoficialidade, muita calva, muito cabellocabelo pr branco, a flor da terra, as bandeiras fluctuando, e em emfim, com as suasenfim, com as suas corteziascortesias longas e demoradas, todas em anguloângulo ou em curva, e os louvores impre/ssos\impressos. As mesmas descomposturas da opposiçãooposição eram agradaveisagradáveis. Ouvir chamar tyrannotirano ao marido, que ellaela sabia ter um coração de pomba, ia bem áà alma delladela. A sede sêde de sangue que se lhe attribuiaatribuía, elleele que nem bebia vinho, o guante de ferro de um homem que era uma luva de pellicapelica, a immoralidadeimoralidade, a

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desfaçatez, a falta de brio, todos os nomes injustos, mas fortes, que ellaela gostava de ler, como verdades eternas, onde iam elleseles agora? A folha da opposiçãooposição era a primeira que D. ClaudiaDona Cláudia lia em palaciopalácio. Sentia-se vergastada tambemtambém e tinha nisso uma grande volupiavolúpia, como se si fosse na propria pelleprópria pele; almoçava melhor. Onde iam os lategos daquellelátegos daquele tempo? Agora mal podia ler o nome delledele impresso no fim de algumas razões do fôroforo, ou então na lista das pessoas que iam visitar o imperador...imperador.

− Nem sempre, explicar/ou\explicou D. ClaudiaDona Cláudia; Baptista é timidomuito acanhado; vaevai /de\de longe em longe a S.Christovam, S. Christovão,São Cristóvão

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para não parecer que se faz lembrado, como se isto fosse crime; ao contrariocontrário, não ir nunca é que pode póde parecer arrufo. Note que o imperador nunca deixou de recebel-orecebê-lo com muita benevolenciabenevolência, e a mim tambemtambém. Nunca esqueceu o meu nome. Ja deixei Já dcixeiJá deixei de la ir dous annosanos, e quando appareci perguntou-me appareci, perguntou-meapareci perguntou-me logo: «Como vaevai, D. ClaudiaDona Cláudia

AfóraAfora essas saudades do poder, D. ClaudiaDona Cláudia era uma creaturacriatura feliz. A viveza das palavras e das maneiras, os olhos que pareciam não ver nada áà força de não pararem nunca, e o sorriso benevolobenévolo, e a

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admiração constante, tudo nellanela era ajustado a curar as melancolias alheias. Quando beijava ou mirava as amigas era como se as quizessequisesse comer vivas, comer de amor, não de odio, mettel-asódio, metê-las em si, muito em si, no mais fundo de si.

Baptista não tinha as mesmas expansões. Era alto, e a ato ar socegadoo ar sossegado dava forma um bom aspecto de governo. Só lhe faltava acçãoação, mas a mulher podia inspirar-lh’ainspirar-lha; nunca nas occasiões graves da presidencia deixou de consultal-a deixou de consultal-a nasdeixou de consultá-la nas occasiõesmancrises da presidencia.da presidenciada presidência. Agora mesmo, se lhe déssedesse ouvidos, ja teria ido pedir alguma cousa ao governo, mas neste ponto era firme, de uma

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firmeza que nascia do/a\da vexame fraquezafraqueza: «Hão de chamar-me, deixa estar,» dizia elleele a D. ClaudiaDona Cláudia, quando appareciaaparecia alguma vaga de governo provincial. Certo é que elleele sentia a necessidade de tornar áà vida activaativa. NelleNele a politicapolítica era menos uma opinião que uma sarna; precisava coçar-se a miudomiúdo e com força.

folha não numerada

ULTIMO

por

Machado de Assis

(da Academia Brasileira )

 
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CapituloCapítulo XXXIIXXXIV

Flora.

Tal era aquelleaquele casal de politicos.políticos. Um filho, se elleseles tivessem um filho varão, seria podia ser a fuzãofusão das suas qualidades oppostas,opostas, e talvez um homem de Estado. Mas o ceucéu negou-lhes essa cal consolação dynastica .dinástica.

Tinham uma filha unica,única, que era tudo o contrariocontrário delles d’ellesdeles. Nem a paixão de D. ClaudiaDona Cláudia, nem o aspecto governamental de Baptista distinguia a alma ou a figura da da joven

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a alma ou a figura da jovenjovem Flora. Hoje Na com o tempo andado, fez-se robusta e cheia; naquelle quelle anno adolescendo apenas, quem a comparasse a um Quem a conhecesse então por esses dias, poderia comparal-a a umpoderia compará-la a um vaso quebradiço ou áà flor da de uma só manhã, tinhae teria materiamatéria para uma doce elegia.cantiga.elegia. Já então possuiapossuía os olhos grandes e claros, menos sabedores, mas dotados de um mover particular, que não era o espalhado da mãe, nem o apagado do paepai, antes mavioso e pensativo, tão cheio de graça que faria alegreamavelamável a cara de um avarento. Põe-lhe o nariz aquilino, rasga-lhe a boca bôca meio risonha, formando tudo um rosto comprido,

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e regularalisa-lhe os cabellos ruivos,alisa-lhe os cabelos ruivos e ahi tens a moça Flora.

Nasceu em agosto de 1871. A mãe, que datava por ministeriosministérios, nunca negou a idade edade da filha:

− Flora nasceu no ministerioministério Rio-Branco, e foi sempre tão facilfácil de apprenderaprender, que ja no ministerioministério Sinimbú sabia ler e escrever correntemente.

Era retrahidaretraída e modesta, avêssaavessa a festas publicaspúblicas, e foi difficilmentedificilmente ap consentiu em apprendeu/r\aprender a dans/ç\ardançar. Gostava de musicamúsica, e mais do piano que do canto. Ao piano, entregue a si mesma, era capaz de não comer um dia inteiro. Ha ahiHá aí umo

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seu tanto de exagerado, mas a hyperbolehipérbole é deste mundo, e as orelhas da gente andam já tão entupidas que só áà força de muita rhetoricaretórica se pode póde mettermeter por ellaselas um sopro de verdade.

Até aqui nada queha que extraordinariamente se distinga esta moça das outras, suas contemporaneascontemporâneas, desde que a modestia vaemodéstia vai com a graça, e em certa e/i\dade edade é tão d natural o devaneio como a travessura. Flora, aos quinze annosanos, dava-lhe para se metter comsigometer consigo. CamargoAyres,Aires, que a conheceu por esse tempo, em casa de SoledadeNatividade, acreditava que a moça viria a ser uma insaciavelincontentavelindecifravel uma inexplicavel.uma inexplicável.

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− Como diz? inquiriu ainquiriu a mãe.

− Verdadeiramente, não digo nada, emendou CamargoAyres;AyresAires; mas, se me permittepermite dizer alguma cousa, direi que esta sua filha moça resume as raras prendas de sua filh mãe.

− Mas eu não sou insaciavelincontentavel,indecifravel, sou inexplicavel,sou inexplicável, replicou D. ClaudiaDona Cláudia sorrindo.

− Ao contrariocontrário, minha senhora. Tudo está, poremporém, na definição que dermos a esta palavra. Talvez não haja nenhuma certa. SupponhamosSuponhamos uma creaturacriatura para quem não exista na perfeição na terra, e julgue que a mais bellabela alma não passa de um ponto de vista; se tudo muda com a o ponto de vista, a perfeição...

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− Não ha perfeição, atalhou Natividade.

− Tambem é certo, concluiu Ayres.

− A perfeição é copas, insinuou Santos.

Era um convite ao jogo do voltarete. AyresAires não teve animoânimo de a acceitar,aceitar, tão inquieta lhe pareceu Flora, com os olhos nelle,nele, interrogativos, curiosos de saber porquepor que é que ellaela seriera ou viria a ser incontentávelindecifravel inexplicavel.inexplicável. AlemAlém disso, preferia a conversação das mulheres. É delledele esta phrase escripta n/d\o Memorialphrase do Memorialfrase do Memorial: «Na mulher, o sexo corrige a banalidade; no homem, aggravaagrava

Não foi preciso acceitaraceitar nem recusar o convite de Santos; chegaram dous habituados do jogo, e com elles e Baptistaeles e Baptista elles Baptista,

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que estava na saleta proximapróxima, Santos foi ao recreio de todas as noites. Um daquellesdaqueles era o velho Placido,Plácido, doutor em spiritismoespiritismo; o segundo era um corretor da praça, chamado Caval PaduaLopes, que amava as cartas pelas cartas, e sentia menos perder dinheiro que partidas. Lá se foram fôram ao voltarete, emquanto Ayresenquanto Aires ficava no salão, a ouvir a um canto as damas, sem que os olhos de Flora se despegassem delle d’elledele.

 
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CapituloCapítulo XXXII

O aposentado.

Já então este Ayresex-ministro estava aposentado. Regressou ao Rio de Janeiro, depois de um ultimoúltimo olhar ásàs cousas vistas, para aqui viver o resto dos seus annosdias. Podia fazel-ofazê-lo em qualquer cidade, era homem de todos os climas, mas tinha particular amor áà sua terra, e estavaporventura por ventura estava cançadocansado de outras. Não attribuiaatribuía a esta tantas calamidades. A febre amarellaamarela, por exemplo, áà força de a

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desmentir lá fóra,fora, quando minis perdeu-lhe a fé, e cá dentro, quando via publicados alguns casos, estava ja corrompido por aquelleaquele credo que attribueatribui todas as molestiasmoléstias a uma variedade de nomes. Talvez porque era homem sadio.

Não mudáramudara inteiramente; era o mesmo ou quasiquási. Encalveceu mais, é certo, terá menos carnes, algumas rugas; ao cabo, uma velhice rija de sessenta annosanos. Os bigodes continuam a trazer as pontas finas e agudas. O passo é firme, o gesto grave, com aquelleaquele toque de garanteriagalanteria, que nunca perdeu. Na botoeira, a mesma flor eterna.

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TambemTambém a cidade lhenão lhe pareceu que houvesse mudado muito. Achou algum movimento, mais, alguma operaópera menos, cabeças brancas, pessoas defunctasdefuntas; mas a velha cidade era a mesma. A propriaprópria casa delledele no CatteteCatete estava bem conservada. AyresAires despediu o inquilino, tão polidamente como se recebesse o ministro dos negociosnegócios estrangeiros, e metteu-se nellameteu-se nela a si e a um criado, por mais que a irmã teimasse em leval-olevá-lo para AndarahyAndaraí.

− Não, mana Rita, deixe-me ficar no meu buraco canto.

− Mas eu sou a tua sua ultimaúltima parenta, disse ellaela.

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− De sangue e de coração, isso é, concordou elleele; pode póde accrescentaracrescentar que a melhor de todas e a mais pia. Onde estão aquelles cabellos...?aqueles cabelos...? Não precisa baixar os olhos. Você os cortou para mettermeter no caixão de seu finado marido. Os que ahi estão embranqueceram; mas os que lá ficaram eram pretos, e mais de uma viuvaviúva os teria guardado todos para as segundas nupciasnúpcias.

Rita gostou de ouvir aquella referenciaaquela referência. Em tempo, fallara muito daquelle desse acto de saudade; foi talvez o que a consolou um pouco da viuvez. Depois, entrou a sentir tal ou qual vexame, sentiu-se quasi Outr’ora, não;Outrora, não; pouco depois de viuva, tinha vexame de um acto tão sincero; achava-se quasidepois de viúva, tinha vexame de um ato tão sincero; achava-se quási

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quasi d ridicula.ridícula. Que valia cortar os cabelloscabelos por haver perdido o melhor dos maridos? Mas, andando o tempo, entrou a ver que fizera bem, a approvaraprovar que lh’olho dissessem, e, na intimidade, a lembral-o.lembrá-lo. Agora se serviu a lembrançaallusãoalusão para replicarao irmão:

− Pois se eu sou isso, porquepor que é que você prefere viver com extranhosestranhos?

− Não são extranhos;

− Que extranhosestranhos? Não vou viver com ninguem.ninguém. Viverei com o Cattete,Catete, o largo do Machado, a praia de Botafogo e a do Flamengo, não fallofalo das pessoas que aqui moram, mas das ruas, das casas, dos chafarizes e

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das das lojas. Ha cousas exquisitas,esquisitas, mas sei eu se vivera viervenho achar em AndarahyAndaraí uma casa de pernas para o ar, por exemplo? Contentemo-nos do que sabemos. Lá são os meus pés q q andam por si. Ha alliali cousas petrificadas e pessoas immortaes,imortais, como aquelleaquele CustodioCustódio da confeitaria, lembra-se?

− Lembra-me, a Confeitaria do ImperioConfeitaria do Império.

Ha quarenta annosanos que a estabeleceu; era ainda no tempo em que os carros pagavam imposto de passagem. Pois o diabo está velho, mas não acaba;;está tão velho como a Taboleta ainda me hade ha dehá de enterrar. É/P\areceParece rapaz; apparece-meaparece-me lá todas as semanas.

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Como v/V\ocêVocê tambemtambém parece rapaz.

− Não brinque, mana; eu estou acabado. Sou um velho gamenho, pode póde ser; mas não é por agradar a moças, é porque me ficou este geito...jeito...e E a proposito,propósito porquepor que não vaevai você morar commigo?comigo?

Ah.Ah! é para saber que tambemtambém eu gosto de estar entre os meuscommigo.comigo Irei lá de quandovez em quando, mas já não saio daqui d’aqui, se nãosenão para o cemiterio.cemitério.

Ajustaram visitar um ao outro; AyresAires viria jantar ásàs quinta-feiras. D.Dona Rita ainda lhe falou dos casos de molestiamoléstia delle d’elledele, ao que AyresAires replicou que não adoecia nunca, mas d se adoecesse iria paraviria para AndarahyAndaraí; porque pois o coração delladela era « o melhor dos hospitaeshospitais». Talvez que

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em todas essas recusas houvesse pr tambemtambém a necessidade de fugir á contradicçãoà contradição, porque a irmã a sabia inventar occasiõesocasiões de dissidencia.dissidência. NaquelleNaquele mesmo dia (era ao almoçar/o\almoço) elleele achou o café delicioso, mas a irmã disse que era ruim, obrigando-o a um grande pa esforço para tornar atrazatrás e achal-o detestavel.achá-lo detestável.

A principio, Ayresprincípio, Aires cumpriu a solidão, separou-se da sociedade, metteu-semeteu-se em casa, não appareciaaparecia a ninguemninguém ou a raros e de longe em longe. Em verdade estava cançadocansado de çado de homens e de mulheres, de festas e de simples passeios numerosas vigilias.vigílias. Fez um programma.programa. Como era dado a letras classicas,clássicas, achou no padre Bernardes esta traducção daquelletradução daquele psal psalmo:salmo: «Alonguei-me fugindo e morei

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na soedade.» Foi a sua divisa. Santos, se a achasse,lh’alha déssem,dessem, fal-a-ia fal-a-hiafá-la-ia esculpir, áà entrada do salão, para regalo dos numerososseus muitos numerosos amigos. AyresAires deixou-a estar em si. Alguma vez gostava de a repetir ca recitar calado, parte pelo sentido, parte pela linguagem velha: «Alonguei-me fugindo e morei na soedade.»Ecce elongavi fugiens et in mansi solitudine.

E era assim mesmo.a principio assim foi.Visitiva aÁs quinta Assim foi a principio. Ás quinta- Assim foi a principio, Ás quinta-Assim foi a princípio. Às quinta-feiras ia jantar com a irmã. ÁsÀs noites ia passeava pelas praias, ou pelas ruas , a horas mortasdo bairro. O mais do tempo era gasto em ler e reler, compondo compor compôrcompor o Memorial ou rever o composto, para relembrar cousas cousas passadas. EramEstas eram muitas e de feição

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diversa, desde a alegria até a melancolia, os enterramentos e as recepções diplomaticasdiplomáticas, uma braçada de folhas seccas,secas, que lhe pareciam agoraverdes agora. Alguma vez as pessoas eram designadas por um X ou ***, e elleele não acertava logo quem fossem, mas era um recreio proclaprocural-as,procurá-las, achal-asachá-las e completal-as.completá-las.

Mandou fazer um armarioarmário envidraçado, onde metteumeteu as reliquiasrelíquias da vida, retratos velhos, mimos de governos e de particulares, um leque, uma luva, uma fita e outras memoriasmemórias femininas, medalhas e medalhões, camafeus, pedaços de ruinasruínas trazidas de Roma, a de Roma e Greciagregas e romanas, uma infinidade de

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cousas que não nomeio, para não encher papel. As cartas não estavam lá, viviam dentro de uma mala, catalogadas por letras, por cidades, por linguas,línguas, por sexos. Quinze ou vinte davam para outros tantos capituloscapítulos e seriam lidas com interesse e curiosidade. Um bilhete, por exemplo, um bilhete encardido ,e sem orthographia nem data, moço como os bilhetes velhos, assignadoassinado por iniciaes,iniciais, um M. e M et um P. P, que elleele traduzia com saudades. Não vale a pena dizer o nome; melhor é calal-o.nome.

 
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CapituloCapítulo XXXIII

Tambem a solidão cança Tudo o A solidão tambem cança.A solidão também cansa.

Mas Tudotudo cança,cansa, até a solidão. AyresAires entrou a sentir uma ponta de aborrecimento; se não é que o costumebocejava, cochilava, tinha sede de gente viva e extranha viva, extranhaviva, estranha, qualquer que fosse, deliciosa ou insipida. Met alegre oupesada ou agil.alegre ou triste. Met tia se tia-sealegre ou triste. Metia-se por bairros excentricos,excêntricos, trepava aos morros, ia ás e/i\grejas ás egrejasàs igrejas novelhas, ásàs ruas novas, áà Copacabana e áà Tijuca. O mar alliali, aqui o mattomato e a vista accordaramacordavam nellenele uma infinidade de ecos, que pareciam as

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propriaspróprias vozes antigas. Tudo isso escrevia, ásàs noites, para se fortalecer no propositopropósito da vida solitaria.solitária. Mas não ha propositohá propósito contra a necessidade. A gente extranha tinha a vantagem

A gente extranha tinha a vantagemA gente estranha tinha a vantagem de lhe tirar a solidão lhe semsolidão, sem lhe dar a conversação. As visitas quede rigor que elleele fazia eram poucas, breves e apenas falladasfaladas. MasE tudo isso foram fôram os primeiros passos. A pouco e pouco tornou o gostosentiu o sabor dos costumes velhos, a nostalgia das salas, a saudade de/o\do homens homensriso, e não tardou que o aposentado da diplomacia fosse reintegrado no emprego da reintegraçãorecreação. A solidão, tanto no texto biblicobíblico, como na traducçãotradução

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do padre, era archaica.arcaica. AyresAires trocou-lhe uma palavra e o sentido: «Alonguei-me fugindo, e morei entre a gente.»

Assim se foi o lemma programmaprograma da vida nova. Não é que elleele ja a não entendesse nem amasse, ou que não aa não praticasse ainda alguma vez, a espaços, como se faz uso de um remedioremédio que obriga a ficar na cama ou na alcova; mas, convaleciasarava depressa e tornava ao ar livre. Queria ver a goutra gente, ouvil-a, cheiral-a, gostal-a, apalpal-a, applicarouvi-la, cheirá-la, gostá-la, apalpá-la, aplicar todos os sentidos a um mundo que sabiapodia matar o tempo, o immortalimortal tempo.

 
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CapituloCapítulo XXXIV

Incontentavel.InexplicavelInexplicavel.Inexplicável.

Assim o deixamos deixámos, ha p apenas dous capitulos,capítulos, a um canto da sala da gente Santos, em conversação com as senhoras. Hasde Has deHás de lembrar-te que Flora não despegava os olhos delle, anciosadele, ansiosa de saber porquepor que é que a achava incontentavelinexplicavel.inexplicável. A palavra rompia furava-lherasgava-lhe o cerebro,cérebro, ferindo sem penetrar. Incontentavel Ine InexplicavelInexplicável que era? Que se não contenta,explica, sabia; mas que se não contenta deexplica porqueporquê? Provavelmente,

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de nada; mas porque é que se não contentaria de nada?

Quiz perguntal-oQuis perguntá-lo ao conselheiro, mas não achou occasião,ocasião, e elleele saiu cedo. A primeira vez, porém, que AyresAires foi a S.São Clemente, Flora pediu-lhe familiarmente o obsequioobséquio de uma explicaçãodefinição mais desenvolvida. AyresAires sorriu e pegou nas/a\na mão da mocinha, que estava de pé. Foi só o tempo de inventar esta resposta:

− Incontavel/tentavel\ − Inexplicavel– Inexplicável é o nome que sepodemos dar n/ao\saos artistas que pintam sem acabar de pintar. Botam tinta, mais tinta, outra tinta, pouca tmuita tinta, novapouca tinta, nova tinta, e nunca lhes

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muita tinta, nova tinta, e nunca lhes parece que a arvoreárvore é arvoreárvore, nem a choupana choupana. Se se trata então de gente, adeus. Por mais que os olhos da figurara/a\ figura riam,falem, sempre esses pintores cuidam que elleseles não dizem nada. E retocam com tanta paciencia,paciência, que alguns morrem entre dous olhos, outros matam-se de desespero.

Flora achou a explicação obscura; e tu, amiga minha leitora, apezar dese acaso és mais velha e finmais fina que ellaela, pode póde ser que não aa não aches mais clara. ElleEle é que não accrescentouacrescentou nada, para não ficar incluidoincluído entre os artistas daquelladaquela castaespecie.espécie. Bateu paternalmente

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na palma da mão de Flora, e perguntou pelos estudos. Os estudos iam bem; como é que não iriam bem os estudos? E sentando-se ao pé delle,dele, a mocinha confessou que tinha ideia justamente de apprenderaprender desenho e pintura, mas se havia de pôr tinta de mais ou de menos, e acabar não pintando nada, melhor seria ficar só na musicamúsica. A musicamúsica ia bem com ellaela, o francez tambemfrancês também, e o inglez.inglês.

− Pois só a musicamúsica, o inglezinglês e o francez,francês, concordou AyresAires.

− Mas o senhor promettepromete que não me achará incontentavel, ?inexplicavel?inexplicavel?inexplicável? pergunta ellaela com doçura?doçura.

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Antes que elleele respondesse, entraram entrarám na sala d/o\sos dous gemeos.gêmeos. Flora no primeiroesqueceu a um assumptoassunto por outro, e o velho pelos rapazes. AyresAires não se demorou mais que o tempo de a ver rir com elleseles, e sentir al em si alguma cousa parecida com com remorsos. Remorsos de envelhecer, creio.

 
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CapituloCapítulo XLIXXXV

Em volta da moça.

Já então os dous gemeosgêmeos cursavam, um as/a\a aulasFaculdade de d/D\ireito emDireito, em S.São Paulo,Paulo; outro, a Escola de Medicina, no Rio. Eram fériasNão tardaria muito que saissemsaíssem formados e promptos,prontos, um para defender o direito e o torto da gente, outro para ajudal-aajudá-la a viver e a morrer. Todos os contrastes estão no homem.

Não era tanta a politicapolítica que os fizesse esquecer Flora, nem tanta Flora que os fizesse esquecer a politicapolítica. TambemTambém não eram taestais as duas que prejudicassem estudos e recreios. Estavam na edadeidade em que tudo se combina sem quebra dade essenciaessência de cada cousa. Lá que viessem a amar a pequena com egualigual força é o que se podia concluir suspeitaradmittiradmitir desde já, sem ser preciso que ellaela os attrahisseatraísse de v

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vontade. Ao contrario,contrário, Flora ria com ambos, sem rejeitar nem acceitaraceitar especialmente nenhum; pode póde ser até que nem percebesse nada. Paulo vivia mais tempo ausente. Quando tornava pelas férias, como que a achava mais cheia de graça. Era então que Pedro multiplicava as suas finezas para se não deixar vencer do irmão, que vinha chei prodigo dellas.pródigo delas. E Flora recebia-as todas com o mesmo rosto amigo.

Note-se, − eNote-se – e este ponto deve ser tirado áà luz, — note-se que os dous gemeosgêmeos continuavam a ser parecidos e eram cada vez mais esbeltos. Talvez perdessem por estestando juntos, porque

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a semelhança levava adiminuia emdiminuía em cada um dellesdeles a feição originapessoal. De restoDemais, Flora simulava ásàs vezes confundil-osconfundi-los, para rir com ambos. E dizia a Pedro:

− Dr. Paulo!

E dizia a Paulo:

− Dr. Pedro!

Em vão elleseles mudavam mudávam da esquerda para a direita e da direita para a esquerda,. Flora mudava os nomes tambemtambém, e os tres treztrês acabavam acabávam rindo. A familiaridade desculpava aa acçãoação e crescia com ellaela. P Como PedroPaulo gostava mais de conversa que de piano, Florapiano; Flora conversava e. Pedro ia mais com o piano que com a conversa, Floraconversa; Flora tocava. Ou então fazia

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ambas as cousas, e tocava falando, soltandosoltava a rédea aos dedos e á lingua.à língua.

TaesTais artes, postas ao serviço de taestais graças, po eram realmente de entonteceraccenderacender os gemeosgêmeos, e foi o que succedeusucedeu pouco a pouco. A mãe delladela pode cuido que percebeu alguma cousa,cousa; a principio, mas nãomas a principio nãomas a princípio não lhe deu gragrande cuidado. TambemTambém ellaela foi menina e moça, tambemtambém se dividiu a si si sem se dar a ningunada a ninguem.nada a ninguém. Pode Póde ser até que, a seu principioparecer, fosse um exercicio necessarioexercício necessário aos olhos do espiritoespírito e da cara. A questão é que estes se não corrompessem, nem se deixassem

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ir atrazatrás de cantigas, como diz o povo, que assim exprime os feitiços de Orpheu.Orfeu. Ao contrario,contrário, Flora é que fazia de Orpheu,Orfeu, ee ellaela é que era a cantiga. Opportunamente,Oportunamente, escolheria a um dellesdeles, pensava a mãe.

A intimidade tinha grandes intervallosintervalos , grandes, alemalém das ausenciasausências obrigadas de Paulo. ApezarApesar de não sair daqui,sair, Pedro nem sempre a buscava,não a buscava sempre, nem ellaela ia muita vez áà casa da praia. Não se viam dias e dias. Que pensassem alguum no outro, é possivel, possivel;possível; mas p não possuo o menor documento disto. A verdade é que Pedro tinha os seus companheiros

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de escola, os namoros de rua e de aventura, os partidos de theatro,teatro, os passeios áà Tijuca e outros arrabaldes. De restoAo demais, os dous gemeosgêmeos estavam ainda no ponto de fallarfalar delladela nas cartas, louval-a, descrevel-a,louvá-la, descrevê-la, dizer mil cousas doces, sem ciume.ciúme.

 
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CapituloCapítulo XXXVI

A discordiadiscórdia não é tão feia como se pinta.

A discordiadiscórdia não é tão feia , como se pinta, meu amigo. Nem feia, nem esteril.estéril. Conta só os livros que tem produzido, desde Homero, até cá, sem excluir... Sem excluir qual? Ia dizer que este, mas a ModestiaModéstia acena-me de longe que pare aqui. Paro aqui; e viva a ModestiaModéstia, que mal supportasuporta a letra capital que lhe ponho, a letra e os vivas, mas ha de ir com ellaela e com elleseles. Viva a ModestiaModéstia, e excluamos este

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excluamos este livro, fiquem só oslivro; fiquem só os grandes livros epicos eépicos, e tragicos,trágicos, a que a d/D\iscordiaDiscórdia deu vida, e digam-me se tamanhos effeitosefeitos não provam a grandeza da causa. Não, a discordiadiscórdia não é tão feia como se pinta.

Teimo nisto para que as almas sensiveissensíveis não comecem de tremer pela moça ou pelos rapazes. Não ha mister tremer, tanto mais que a discordiadiscórdia dos dous começou por um simples accordo,acordo, , nestanaquellanaquela noite,. vindo da casa della para a sudelles. TinhCosteaCosteavam a praia, calados, pensando só, até que ambos, como se falassem para si, soltaram esta palavraphrasefrase unica:única:

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− Está ficando bem bonita.

E voltando-se uma para outro:

− Quem?

Ambos sorriram; acharam pico ao simultaneosimultâneo da reflexão e da pergunta. Sei que este phenomenofenômeno é tal qual o do cap. capitulocapítulo XXV, quando elleseles disseram da idade edade, mas não me culpem a mim; eram gemeos,gêmeos, podiam ter o falar gemeo.gêmeo. O principal é que não se amofinaram amofináram; não era ainda amor o que sentiam. Cada um expozexpôs a sua opinião ácercaacerca das graças da pequena, o gesto, a voz, os olhos e as mãos, tudo com tão boa sombra, que excluiaexcluía a ideia de rivalidade. Quando muito, divergiam na escolha da melhor prenda, que para

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Pedro eram os olhos, e para Paulo a figura,figura; mas como acabavam achando um total harmonico,harmônico era visto que não brigavam por isso. Nenhum delles attribuiadeles atribuía ao outro a cousa vaga ou o que quer que era que principiavam a sentir, e mais pareciam esthetasestetas que namoradosenamorados.A discordia era ainda De restoAliás, a mesma politicapolítica os deixou em paz essa noite: não brigaram por ellaela. Não é que não sentissem alguma cousa opposta, áoposta, à vista da praia e do logar, ceu quecéu, que estavam deliciosos. Lua cheia, aguaágua quieta, vozes confusas e esparsas, algum tilburytílburi a passo ou a trote, segundo ia vasiovazio ou com gente. Tal ou qual brisa fresca.

A imaginação os levou então ao futuro, a um futuro brilhante, como elles noelleele em aé

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em tal edade.idade. Botafogo teria um papel historico, − uma historico, umahistórico, uma enseada imperial para Pedro, uma Veneza republicana para Paulo, mas sem doge, nem conselho dos dez, ou então um doge com outro titulo,título, um simples presidente, que se casaria em nome do povo com este pequenino Adriatico.Adriático. Talvez o doge fosse elleele mesmo. Esta possibilidade, apezarapesar dos annosanos verdes, enfunou a alma do moço. Paulo viu-se áà testa de uma republica,república, em que o antigo e o moderno, o futuro e o passado se mesclassem, uma Veneza á beira da do canal, uma Roma RomaRoma nova, uma Convenção Nacional, a Republica FrancezaRepública Francesa oue os Estados-UnidosEstados Unidos da America.América.

237 238

Pedro, áà sua parte, construiaconstruía a meio caminho umcomo um palaciopalácio para a representação nacional, outro para o imperador, e via-se a si mesmo ministro, e presidente do conselho. Falava, dominava o tumulto e as opiniões, arrancava um voto áà camara Camaracâmara dos deputados,deputados ou então expedia um decreto de dissolução. É uma minucia,minúcia, mas merece inseril-ainseri-la aqui: Pedro, sonhando com o governo, pensava especialmente nos decretos de dissolução. Via-se em casa, com o actoato assignado,assinado, fer referendado, copiado, mandado aos jornaesjornais e ásàs camaras Camarascâmaras, lido pelos secretarios, archivadosecretários, arquivado nas secretariasna secretaria, e os deputados

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saindo cabisbaixos, alguns resmungando, outros irados. Só elleele estava tranquillo,tranquilo, no gabinete, recebendo os amigos que iam comprimental-ocumprimentá-lo e pedir os recados para a provincia.província.

TaesTais eram as grandes pinceladas da imaginação dos dous. As estrellasestrelas recebiam no ceucéu todas todastodos os pensamentos dos rapazes, a lua seguia quieta e a vaga da praia estirava-se com a preguiça do costume. Voltaram a si ao pé de casa. Tal ou qual impulso quiz leval-osquis levá-los a dissentirdiscutir ácercaacerca do tempo e da noite, da temperatura e da enseada. Algum murmuriomurmúrio vago

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pode póde ser que lhes fizesse mover os beiços e começar a quebrar o silenciosilêncio, mas o silenciosilêncio era tão augusto que concordaram concordáram em respeital-o.respeitá-lo. E logo acharam, de acháram de si para si, que a lua era esplendida,esplêndida, a enseada bellabela e a temperatura divina.

 
247-a240

CapituloCapítulo XLIIVXXXVIII

DesaccordoDesacordo no accordo.acordo.

Lá me ia esquecendo Não esqueça d dizer que, em 1888, uma questão grave e gravissimagravíssima , os fez concordar tambemtambém, ainda que por diversa razão. A data explica o factofato: foi a emancipação dos escravos. Estavam então longe um do outro, mas a opinião uniu-os.

A differença unicadiferença única entre elleseles dizia respeito áà significação da reforma, que para Pedro era um actoato de justiça, e para Paulo era

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o inicioinício da revolução. ElleEle mesmo o disse, concluindo um discurso em S.São Paulo, no dia 20 de maio: «A abolição é a aurora da liberdade,liberdade; esperemos o sol; emancipado o preto, resta emancipar o branco.»

Natividade ficou attonitaatônita quando leu isto; pegou da pennapena e escreveu uma carta longa e maternal. Paulo respondeu com trinta mil expressões de ternura, declarando no fim que tudo lhe poderia sacrificar, inclusive a vida e até a honra; as opiniões é que não. « «Não, mamãe; as opiniões é que não.»

− As opiniões é que não, repetiu Natividade acabando de ler a carta.

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Natividade não acabava de entender os sentimentos do filho, ellaela que tantaalguma vez sacrificárasacrificara as opiniões aos principios,princípios, e continuoucomo no caso de AyresAires, e continuou a viver sem macula.mácula. Como então não sacrificar...? Não achava a Não achava explicação. Relia a phrasefrase da carta e a do discurso; tinha medo de o ver perder a carreira politicapolítica, se era a politicapolítica que o faria grande homem. «Emancipado o preto, resta emancipar o branco,» branco», era uma ameaça ao imperador e ao imperio.império.

Estava então no jardim, no banco de madeira e olhava para o chão, parecendo-lhe que a areia tinha a mesma phrase escripta com folhas e gravetos; mas era illusão

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Não atinou... Nem sempre as mães atinam. Não atinou que a phrasefrase do discurso não era propriamente do filho; não era de ninguem. Alguemninguém. Alguém a proferiu um dia, em discurso ou conversa, em gazeta ou em viagem de estrada de terraterra ou de mar. Outrem a repetiu, até que muita gente a fesfez sua. Era nova, era energica,enérgica, era expressiva, ficou sendo patrimonio commum.patrimônio comum.

Ha phrasesHá frases assim felizes. Nascem modestamente, como a gente pobre; quando menos pensam, estão governando o mundo, áà semelhança das ideias. As propriaspróprias ideias nem sempre conservam o nome do pae;pai;

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muitas apparecem orphãs,aparecem orfãs nascidas de nada e de ninguem.ninguém. Cada um pega dellasdelas, verte-as como pode póde, e vae leval-as ávai levá-las à feira, onde todos as temtêm por suas.

 
245

CapituloCapítulo XXXVIII

Chegada a proposito.propósito.

No/Q\uando,Quando, ásàs duas horas da tarde do dia seguinte, Natividade se metteumeteu no tramwaybonde, para ir na não sei que compras na rua do Ouvidor, levava a phrase comsigo.frase consigo. O resto deA vista da enseada não a distraiu, nem a gente que passava, nem os incidentes da rua, nada; a phrasefrase ia de/i\antediante e dentro della,dela, com o seu aspecto e somtom de ameaça. No Cattete, alguemCatete, alguém entrou de salto, sem

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fazer parar o vehiculo.veículo. AdivinhasAdivinha que era o conselheiro; adivinhasadivinha tambemtambém que, posto o pé no estribo, e vendo logo adiante Nati a nossa amiga, caminhou para lá rapido, e aceitou rapido e acceitourápido e aceitou a ponta do banco que ellaela lhe offereceu.ofereceu. Depois dos primeiros comprimentos:cumprimentos:

− Pareceu-me vel-avê-la olhar assustada, disse AyresAires.

Naturalmente; nãoNaturalmente, não imaginei que fosse capaz deste actoato de gymnastica.ginástica.

− Questão de costume. As pernas saltam por si mesmas. Um dia, deixam-me cair, as rodas rodam passam por cima...

− Seja− Fosse como fosse, chegou a proposito.– Fosse como fosse, chegou a propósito.

246-a

− Acertou; sente-se

− Sente-se aqui. Porque Mas porque suppoz isso?

− Chego sempre a proposito.propósito. Já lhe ouvi isso, uma vez, ha muitos annos,anos, ou foi a sua irmã... Ora, espere, não me esqueceu o motivo; fallavam, creio, fallavamcreio que falavam da cabocla do Castello;/.\Castello.Castelo. n/N\ãoNão se lembra de uma tal ou qual cabocla que morava no CastelloCastelo, e adivinhava a sorte da gente? Eu estava aqui de licença, e ouvi dizer cousas do arco da velha. Que ComoEu fim terá levado? velha. Como eu sempre tive fé em Sybillas,Sibilas, acreditei na cabocla;/.\cabocla. ainda mais por ser nacional. Que fim lev levou? Casou, Morreu, talvez; ou morresse... casou... talvez casasse… Que fim levou ella?Que fim levou ela?

Natividade olhou para elleele, como receiandoreceando

252 247

se teria adivinhado então a consulta que ellaela fez á cabol/c\la.á cabocla.à cabocla. Pareceu-lhe que não, sorriu e chamou-lhe incredulo. Ayresincrédulo. Aires negou que fosse incredulo;incrédulo; ao contrario,contrário, sendo tolerante, professava virtualmente todas as crenças . deste mundo. E E concluiu:

− Mas, emfim,enfim, porquepor que é que chego a propositopropósito?

Ou o passado, ou a pessoa, com as suas maneiras discretas e espiritoespírito repousado, ou tu ambas as cousastudo isso juntas/o\,junto, davam agoradava a este homem, relativamente a Soledade esta senhora,esta senhora, uma confiança , que ellaela não achava em agora em ninguemninguém, ou acharia em poucos. Falou-lhe u/d\ede uma papel confidencia,confidência, um papel , que não mostraria ao marido.

25/4\8

− Quero um conselho, do conselheiro; e demais, para que incommodarincomodar a meu marido? Quando muito, contarei o negocionegócio a mana PerpetuaPerpétua. A Agostinho acho melhor não dizer nada.Acho melhor não dizer nada a Agostinho.

AyresAires concordou que não valia a pena aborrecel-o,aborrecê-lo, se era caso disso, e esperou. Soledade ConceiçãoNatividade, sem falar da cabocla, contou primeiro a rivalidade dos filhos, já manifesta em politicapolítica, e, tratandoe tratando especialmente de Paulo, mostrou-lhe arepetiu-lhe a phrase darepetiu-lhe a frase da carta e perguntou o que cumpria compria fazer mais util.útil. AyresAires entendeu que eram ardores da mocidade. Que não teimasse; teimando, elleele mudaria de palavras, mas não de sentimentos.

25/4\9

− Então crê que Paulo será sempre isto,? pergunpergu

− Sempre, não digo; tambemtambém não digo o contrario. Baroneza,contrário. Baronesa, a senhora exige re respostas definitivas, mas diga-me o que é que ha definitivo neste mundo, a não ser o voltarete de seu marido? Esse mesmo falha. Ha quantos dias não sei o que é uma licença? É verdade que não tenho apparecido.aparecido. E depois, o prazer da conversação paga bem o das cartas. Aposto que os homens casados que cá vem não são da minha opinião?lá vão lá vão são de outro pa parecer?

− Talvez,. respondeu ella com os olhos fixos.

− Só os solteirões podem avaliar as ideias das mulheres. Um viuvoviúvo sem filhos, como

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eu, vale por um solteirão; minto, aos sessenta , e tantos annos,annosanos, como eu, vale por dous ou trez.três. Quanto ao jovenjovem Paulo, não pense mais no discurso. TambemTambém eu discursei em rapaz.

− Já cuidei em casal-os.casá-los.

− Casar é bom, assentiu Camargo.AyresAires

− Não digo casar ja, mas daqui a dous ou trez annos.três anos. Talvez faça antes uma viagem com elleseles. Que lhe parece? Vamos lá, não me responda repetindo o que eu digo. Quero o seu pensamento verdadeiro. Acha que uma viagem...?viagem?...

− Acho que uma viagem...

− Acabe.

− As viagens fazem bem, mormente na

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e/i\dade edade dellesdeles. Formam-se para o annoano, não é? Pois então! Antes de começar qualquer carreira, casados ou não, é utilútil ver outras terras... Mas que necessidade tem a senhora de ir com elleseles?

− As mães...

− Mas eu tambemtambém (desculpe interrompel-ainterrompê-la) mas eu tambemtambém sou seu filho. Não acha que o costume, o bom rosto, a graça, a affeiçãoafeição e todas as prendas grisalhas que a adornam compõem uma especieespécie de maternidade? Eu confesso-lhe que ficaria orphão.órfão.

− Pois venha comnosco.conosco.

− Ah! viscondessa,baroneza,baronesa, para mim já não ha mundo que valha um bilhete de passagem. Vi p tudo por varias variasvárias

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linguas.línguas. Agora o mundo começa aqui no caescais da GloriaGlória ouou na rua do Ouvidor e acaba no am cemitecemitério de S.São João Baptista. Ouço que ha uns mares tenebrosos para os lados da Ponta do Caju Cajú, mas eu sou um velho incredulo,incrédulo, como a senhora dizia ha pouco, e não aceito acceito essas noticiasnotícias sem prova cabal e visual, e para ir averigual-as,averiguá-las, faltam-me pernas.

− Sempre gracioso! Não as vi treparem agora? Sua irmã disse-l/m\edisse-me outro dia que o senhora anda como aos quartrinta annosanos.

− Rita exagera. Mas, voltando áà viagem, a senhora ainda não comprou os bilhetes?

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− Não.

− Não os encommendouencomendou sequer?

TambemTambém não.

− Então, pensemos em outra cousa. Cada dia traz a sua occupação, quanto mais as semanas e os mezes.meses. e ess Pensemos em outra cousa, e deixe lá o Paulo pedir a republica.república.

Natividade achou comsigoconsigo que elleele tinha razão; depois, pensou em outra cousa, e esta foi a ideia do principio.princípio. Não disse logo o que era; preferiu conversar alguns minutos. Não era difficildifícil com este sujeito. Uma das suas qualidades era fallarfalar com mulheres, sem descair na banalidade nem subir ásàs nuvens; ou trocaria tinh tinha um modo

254 219 254 234

particular, que não sei se estava na ideia, se no gesto, se na palavra. Não é que fallasse falasse mal de ninguemninguém, e aliás seria uma distracção.distração. Quero crer crêr que não dissesse mal por indifferençaindiferença ou cautella;cautela; provisoriamente, ponhamos caridade.

− Mas, a senhora ainda me não disse o que queria de mim, alemalém do conselho;. o/O\uOu não quer mais nada nada?

− Custa-me pedir-lhe.

− Peça sempre.

− Sabe que os meus dous gemeosgêmeos não combinam em nada, ou só em pouco, por mais esforços que eu tenha feito para os trazer a tal ou qualcerta harmonia. Agostinho

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não me ajuda; tem outros cuidados. Eu mesma ja não me sinto com forças, e então pensei que um amigo, um homem moderado, habil, um homem de sociedade, habil,hábil, fino, cautelloso, intelligente, instruido...cauteloso, inteligente, instruído...

− Eu, em summa?suma?

− Adivinhou.

− Não adivinhei; é o meu retrato em pessoa. Mas então que lhe parece que possa fazer?

Pode Póde corrigil-oscorrigi-los por boas maneiras, fazel-osfazê-los unidos, ainda quando discordem, e que discordem pouco ou nada. Não imagina; parece até p propositopropósito. Não discordam da cor côr da lua, por exemplo, mas aos onze

257 231256 266

annosanos, Pedro descobriu que as sombras da lua representavam uma carneiroborboleta e Paulo um elephanteeram nuvens, e Paulo que eram falhas da nossa vista, e atracaram-se; eu é que os separei. Imagine em politicapolítica...

− Imagine em amores, diga logo; mas não pro é propriamente para este caso...

− Oh! não!

− Para os outros é igualmente egualmente inutil,inútil, mas eu nasci para servir, ainda inutilmente. Baroneza, Viscondessa,Baroneza,Baronesa, o seu pedido equivale a nomear-me aio ou preceptor... Não faça gestos; não me dou por diminuido.diminuído. Contanto Comtanto que me pague os ordenados... E não se assuste; peço pouco, pague-me em

fólio repetido
257

palavras; as suas palavras são de ouro. Já lhe disse que toda a minha acçãoação é inutilinútil.

Porque?Porquê?

− É inutilinútil.

− Uma pessoa de autoridade, como o senhor, pode póde muito./,\muito, Com comtantocontanto que os ame, por que ellesporque eles são bons, creia. Conhece-os bem?

− Pouco.

− Conheça-os mais e verá.

AyresAires concordou rindo. Para Natividade valia por uma tenta tentativa nova. Confiava na acçãoação do conselheiro, e para dizer tudo... Não sei se diga... Digo. Natividade contava com a antiga inclinação do velho diplomata.

263258

As canscãs não lhe tirariam o desejo de a servir. Não sei quem me lê nesta occasião.ocasião. Se é homem, talvez não entenda logo, mas se é mulher pode sercreio que entenderá. Se ninguemninguém , entender, paciencia;paciência; baste saber que elleele prometteuprometeu o que ella quizela quis, e tambemtambém prometteuprometeu calar-se; foi a condição que ellaa outra lhe poz.pôs. Tudo isso polido, sincero e incredulo.incrédulo.

 
259

CapituloCapítulo XXXIX

Um gatuno.

Chegaram ao largo da Carioca, ap apearam-se e despediram-se; ellaela entrou pela rua da CariGonçalves Dias, elleele enfiou pel pela da Carioca. No meio desta, AyresAires encontrou um magote de gente , parada, logo depois andando naem direcçãodireção ao largo. AyresAires quizquis arrepiar caminho, não de medo, mas de horror. Tinha horror áà multidão. Viu que a gente era pouca, cincoentacinquenta ou sessenta pessoas, e ouviu que bradava

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contra a prisão de um homem. Entrou n’umnum corredor, áà espera que o magote passasse. Duas praças de policiapolícia traziam o preso pelo braço. De quando em quando, este resistia, e então era preciso arrastal-oarrastá-lo ou forçal-oforçá-lo por outro methodo.método. Tratava-se, ao que parece, do furto de uma carteira.

− Não furtei nada! bradava o preso detendo-se o passo. É falso! Larguem-me! sou um cidadão livre! Protesto! protesto!

− Siga para a estação!

− Não sigo!

− Não podesiga! bradava a gente anonyma.anônima. Não podesiga! não podesiga!

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Uma das praças quizquis explicarconvencer áa multidão que era verdade, que o sujeito furtárafurtara uma carteira, e o sossego desassocegodesassossego pareceu minorar um pouco; mas, indo a praça a andar com a outra e o preso, − cada uma pegando-lhe um d dos braços, − a braços, a multidão recomeçou a bradar «que «não podia» e o homemcontra a violencia. Ocontra a violência. O ,preso sentiu-se animado, e, e ora lastimoso, ora aggressivo,agressivo, buscava animar convidava a defeza.defesa. Foi então que uma dasa outra praças/a\praça desembainhou a espada para fazer um claro. A gente voou, não airosamente, como a andorinha ou a pomba, em busca do alimentoninho ou do alimento,

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voou de atropello,atropelo, pula aqui, pula alliali, pula acolá, para todos os lados. A espada entrou na bainha, e o preso seguiu com as praças. Mas logo os peitos tomaram vingança das pernas, e um bradoclamor ingente, largo, desaffrontado,desafrontado, encheu a rua e a alma do preso. A multidão fez-se outra vez compacta e caminhou para a estação policial. AyresAires seguiu em sen e direcção á praça Tiradentesseguiu caminho.

A vozeria morreu pouco a pouco, e AyresAires entrou na Secretaria do Interior ImperioImpério. Não achou o ministro, parece, ou a conferenciaconferência foi curta. Certo é que, saindo áà praça, encontrou partes do magote que tornavam commentandocomentando

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a prisão e o ladrão. Não diziam ladrão, mas gatuno, fiando que era mais doce, e tanto bradavam ha pouco contra a acçãoação das praças, como riam agora das lastimaslástimas do preso.

− Ora o cabrasujeito!

Mas então...?então?... perguntarás tu. AyresAires não perguntou nada. Ao cabo, havia um fundo de justiça naquellanaquela manifestação dupla e contradictoria;contraditória; foi o que elleele pensou. Depois, imaginou que a grita da multidão protestante era filha de um velho instinctoinstinto de resistencia áresistência à autoridade. Advertiu que o homem, uma vez cri/e\adocreadocriado, desobedeceu logo ao Creador,Criador, que aliás lhe dera um paraisoparaíso para viver;

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mas não ha paraisoparaíso que valha o gosto da opposição.oposição. Que o homem se acostume ásàs leis, vá; que incline o collo ácolo à força e ao bel-prazer, vá tambemtambém; é o que se dá com a planta, quando sopra o vento. Mas que abençoe a força e cumpra as leis sempre, sempre, sempre, é violar a liberdade primitiva, a liberdade do velho Adão. Ia assim cogitando o conselheiro AyresAires. , e a descendo a caminho de S. Clemente

Não lhe attribuamatribuam todas essas ideias. Pensava assim, como se falasse alto, áà mezamesa ou na sala de alguemalguém. Era um processo de criticacrítica , mansa e delicada, tão convencida em apparencia,aparência, que algum

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ouvinte, áà cata de ideias, acabava por lhe apanhar algumauma ou duas... e não

Ia a caminho de S. Clemente quandodescer pela rua SéteSete de Setembro, quando a lembrança da vozeria trouxe a de outra, maior e mais remota.

 
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CapituloCapítulo XLIV

Recuerdos.

Essa outra vozeria maior e mais re remota não caberia aqui, e não a aponto senão parase não fosse a necessidade de explicar o gesto repentino com que AyresAires parou na calçada. Parou, tornou a si e continuou a andar , com os olhos no chão out outra e a alma em Caracas. Foi em Caracas, onde elleele serviaservira na qualidade de addidoadido de legação. Estava em casa, de palestra com uma actrizatriz da moda, pessoa chistosa e garrida. De repente, ouviram um

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garrida. De repente, um clamor surdo ouviram um clamor grande, t vozes tumultuosas, vibrantes, crescentes...

— Que rumor é este, Carmen? perguntou elleele entre doc/uas\duas beijos carinhos. caricias.carícias.

— Não se assuste, amigo meu; é o governo que cae.cai.

— Mas eu ouço acclamações...aclamações...

— Então é o governo queque sobe. Não se assuste. Amanhã é tempo de ir comprimental-ocumprimentá-lo.

CamargoAyresAires deixou sedeixou-se ir rio abaixo daquella memoriadaquela memória velha, que lhe surdia agora do alarido de cincoentacinquenta ou sessenta pessoas. Essa l especieespécie de lembranças tinham/a\tinha mais effeito nelleefeito nele que outras. Dahi o trabalho gosto em recompôrRecompoz a hora, o logarRecompôs a hora, o lugar

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e a pessoa da sevilhana. Carmen era de SevilhaSevilla. O ex-rapaz ainda agora recordava a cantiga popular que lhe ouvia, no momentoá despedida,à despedida, depois de rectificarretificar as ligas, compor compôr as saias, e cravar o pente no p cabellocabelo, − no momento em que ia deitar a mantilha, meneando o corpo com graça:

TieneTienen las sevillanas,

En la mantilla,

UmUn letrero que dice:

¡Viva Sevilla!

Não posso dar a toad toada, mas AyresAires ainda a trazia de cór,cor, e vinha a repetil-a comsigo,repeti-la consigo, vagarosamente, como ia andando. Outrosim,Outrossim, meditava na ausenciaausência de vocação diplomaticadiplomática.

269276

A ascenção de um governo, — de um regimenregímen que fosse, — com as suas ideias novas, os seus homens frescos, leis e acclamações,aclamações, valiam menos para elleele que o riso e da jovenjovem comediante. Onde iria ellaela? E A ideia lembrançasombra da moça varreu tudo o mais, a praia, a rua, a gente, o gatuno, para ficar só deantediante do velho AyresAires, dando deaos quadris e cantarolando a velha trova andaluza:

TieneTienen las sevillanas

En la mantilla...

 

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CapituloCapítulo XLIII

Caso do burro.

Se AyresAires obedecesse ao seu gosto, e eu a elleele, nem elleele iria jantar a S. Clemente continuaria a andar, nem eu começaria este capitulo; ficariamoscapítulo; ficaríamos no outro, sem n nunca mais acabal-o.acabá-lo. Mas não ha n/h\a ha na memoria memória que dure, se outro negocionegócio mais forte puxa pela attenção,atenção, e um simples burro fez desa desapparecerdesaparecer Carmen e a sua trova.:

Tiene las sevillanas

En la mantilla...

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Foi o caso que uma carroça estava parada, no meio da ruaao pé da travessa de S. Francisco,ao pé da travessa de São Francisco sem deixar passar um carro, e o carroceiro dava muita pancada no burro da carroça. Vulgar embora, este espectaculoespetáculo fez parar o nosso AyresAires, não menos condoidocondoído do burroasno que do homem. A força despendida por este era grande, porque o burro, com a sua liberdade de indiferença,asno ruminava se devia ou não deixarsair do logarlugar; mas, não obstante esta superioridade, apanhava que era o diabo. Já havia algumas pessoas paradas, mirando. Se não houvesse tambem outros vehiculos, no logar, o carro seguiria caminho, mas era tal o ajuntamento delles, que só

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desviada a carroça, poderia o carro abrir caminho.mirando. Cinco ou seis minutos durou esta situação; finalmente o burro preferiu a marcha áà pancada, e tiroupancada, tirou a carroça do logarlugar e foi andando.

Nos olhos redondos do animal leuviu AyresAires uma gr expressão profunda de ironia e paciencia.paciência. Pareceu-lhe o gesto largo de espirito invencivel.espírito invencível. Depois leu nellesneles este monologo:monólogo «Anda, patrão, atulha essa a carroça de carga para ganhar o capim de que me alimentas. Vive de pé no chão para comprar as minhas ferraduras. Nem por isso me impedirás/ias\impedirás que te chame um nome feio, se eumas eu não te

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chamo nada; ficas sendo sempre o meu querido patrão. Em quanto EmquantoEnquanto te esfalfas em ganhar a vida, eu vou pensando que o teu dominiodomínio não vale muito, uma vez que me não tiras a liberdade de teimar...

− Vê-se, quasiquási que se lhe ouve a reflexão, notou AyresAires comsigoconsigo.

Depois riu de si para si, e foi andando. InventáraInventara tanta cousa , no serviço publico,diplomatico,diplomático, que talvez ouv acabasse de inventar/sse\inventasse o monologomonólogo do burro. Ver AsAssim foi; não lhe leu nada nos olhos, a não ser a ironia e a paciencia,paciência, mas não se pôde ter que se lhes não déssedesse a esta uma forma da palavra humana, com fórma de palavra, comforma de palavra, com as suas regras de

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syntaxe.sintaxe. A propriaprópria ironia estaria acaso na retina delle.dele. O olho do homem serve de photographiafotografia ao invisivel,invisível, como o ouvido serve de eco ao silencio.silêncio. Tudo é que o dono tenha um lampejo de imaginação para ajudar a memoriamemória ea esquecer Caracas e Carmen, os seus beijos e experiencia politicaexperiência política.

 
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CapituloCapítulo XLII

Uma hypothese.hipótese.

Visões e reminiscenciasreminiscências iam assim comendo o tempo e o espaço ao ex-ministro,conselheiro, a ponto de lhe fazerem esquecer o pedido de Natividade; mas não o esqueceu de todo, e as palavras trocadas no jardim ha poucohá pouco d surdiam-lhe das pedras da rua. Considerou que não perdia muito em estudar os rapazes. Chegou a apanhar uma hypothesehipótese, especieespécie de andorinha, que avoaça entre arvores,árvores, abaixo e acima, pousa aqui,

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pousa alliali, arranca de novo um surto e toda se despeja em movimentos. Tal foi a hypothesehipótese vaga , e colorida, a saber, que se os gemeosgêmeos fo tivessem nascido delledele talvez não divergissem tanto nem nada, graças ao equilibrioequilíbrio do seu espirito.espírito. A alma do velho entrou a ramalhar não sei que desejos a retrospectivos, e a rever essa hypothesehipótese, outra Caracas, outra Carmen, elleele pai/e\,pae,pai, estes meninos seus, toda a andorinha que se dispersava n’umnum farfalhar calado g de gestos.

 
278 †277

CapituloCapítulo XLIV XLIII

O discurso.

ConceiçãoNatividade é que não teve distracção/ões\distracçõesdistrações de especieespécie alguma. Toda ellaela estava nos filhos, e agora especialmente na carta e no discurso. Começou por não dar resposta ásàs effusões politicasefusões políticas de Paulo; foi um dos conselhos do conselheiro. Quando o filho tornou pelas férias ferias tinha esquecido a carta que escrevêra.escrevera.

O discurso é que elleele não esqueceu, mas quem é que esquece os discursos que

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faz? Se são bons, a memoriamemória os grava em bronze; se ruins, deixam tal ou qual amargor que nunca mais acabadura muito. O melhor dos remedios,remédios, no segundo caso, é suppol-os excellentes,supô-los excelentes e, se a razão não acceitar acceitaaceita esta imaginação, consultar pessoas que a acceitem,aceitem, e crer crêr nellasnelas. A opinião é um velho xarope indestructivel oleo incorruptivel.óleo incorrutível.Consi

Paulo tinha talento. O discurso daquelledaquele dia podia peccarpecar aqui ou alliali por alguma emphasis,ênfase, e uma ou outra ideia vulgar e exhausta.exausta. A phrase que tanto assustou a mãe, por exemplo, não era delle como ja ficou dito no cap. XXXII ; mas de um diario da opposição. Paulo o que fez foi vestir-lhe um sentidoTinha

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talento Paulo. Em summasuma, o discurso era bom. Santos achou-o excellente,excelente, leu-o aos amigos no banco,e resolveu transcrevel-otranscrevê-lo nos jornaes.jornais. Natividade não se oppoz,opôs, mas entendia que algumas palavras deviam ser cortadas.

— Cortadas, porqueporquê? perguntou Santos, e ficou deesperando a resposta.

— Pois você não vê, Agostinho; estas palavras temtêm sentido republicano, explicou ellaela relendo a phrasefrase que a affligira.afligira.

Santos ouviu-as ler, leu-as para si, e não deixou de lhe achar razão. Entretanto, não havia de mandaras supprimir.as suprimir.

—   Pois não se transcreve o discurso.

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— Ah! isso não! O discurso é magnifico,magnífico, e não hade ha dehá de morrer em S.São Paulo; é preciso que a capit Corte CôrteCorte o leia, e as provincias tambemprovíncias também, e até não se me daria fazel-ofazê-lo traduzir em francezfrancês. Em francezfrancês, pode póde ser que fique ainda melhor.

— Mas, Agostinho, isto pode póde fazer mal áà carreira do rapaz; o i/I\mperadorimperador pode póde ser que não goste...

Pedro, que assistia ent assistia desde alguns instantes ao debate, interveiuinterveio em padocemente para dizer que nãoos receios da mãe não tinham fundamento;base; o imperador o imperador era bom pôr por a phrasefrase toda, e, a rigor, podnão differiadiferia do quemuito do que os liberaesliberais diziam em 1848.

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— Um monarchistamonarquista liberal pode póde muito bem assignarassinar esse trecho, concluiu elleele depois de reler as palavras do irmão.

— Justamente! assentiu o paepai.

ConceiçãoNatividade, que em tudo via a inimizade dos gemeosgêmeos, suspeitou que a/o\o intençãointuito de Pedro fosse justamente compromettercomprometer Paulo. Olhou para elle, a elle aele a ver se lhe descobria essa intenção torcida, mas a cara do filho tinha então o aspecto do enthusiasmo.entusiasmo. Pedro lia trechos do discurso, accentuandoacentuando as bellezas,belezas, repetindo as phrasesfrases mais felizes,novas, cantando as mais redondas, revolvendo-as na boca bôca, tudo com tão boa sombra carasombra que a mãe perdeu a suspeita, e a

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reimpressão do discurso foi resolvida. TambemTambém se tirou uma edição em folheto, e o paepai mandou encadernar ricamente sete exemplares, que levou aos ministros, e um ainda mais rico para a Pris Regente.

— Você diga-lhe, a ensinuou aconselhou Natividade, que o nosso Paulo é liberal ardente...

— Liberal de 1848, completou Santos lembrando-se daslembrando as palavras de Pedro.

Santos cumpriu tudo áà risca. A entrega se fez naturalmente, e, no palaciopalácio Isabel, a definição do «liberal de 1848,» saiu1848» saiu mais viva que as outras palavras, ou para diminuir o cheiro republicanorevolucionariorevolucionário da phrasefrase

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condemnadacondenada pela mulher, ou porque traziam/a\trazia valor historico.histórico. Quando elleele voltou a casa, a primeira cousa que lhe disse foi que a Regente perguntáraperguntara por ella,por ela, mas por maes apezar deapesar de lisongeadalisonjeada com a lembrança, Natividade quizquis saber da impressão que lhe fizera o discurso, se ja o lera lêra.

— Parece que foi boa. Disse-me que ja havia lido o discurso. Nem por isso deixei de lhe dizer que os sentimentos de Paulo eram bons; Pode que, se lhes notavamosnotávamos certo ardor, comprehendiamoscompreendíamos sempre que elleseles eram os de um liberal de 1848...

PapaePapai disse isso? perguntou Pedro.

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PorquePor que não, se é verdade? Paulo é o que se pode póde chamar um liberal de 1848, repetiu Santos querendo convencer o filho.

 
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CapituloCapítulo LI XI IV IXLIV

Pelas fériasO salmão.

Pelas férias é que Paulo soube da interpretação que o paepai dera ao imperadorá Regenteà Regente daquelledaquele trecho do discurso. Protestou contra ellaela, em casa; quiz fazel-oquis fazê-lo tambemtambém em publico,público, mas ConceiçãoNatividade interveiuinterveio a tempo. AyresAires pôz aguapôs água na fervura, dizendo ao futuro bacharel:

— Não vale a pena, moço; o que importa é que cada um tenha as a suas ideias e se bata por ellaselas, até que ellaselas se modifiquem.vençam. Agora que outros as

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interpretem mal é cousa que não deve affligirafligir o autor.

AffligirAfligir, sim, senhor; pode póde parecer qué/e\que é assim mesmo... Vou escrever um artigo a propositopropósito de qualquer cousa, e não deixarei duvidas!... duvidas…dúvidas...

— Porque — Para que ?quê? redar inquiriu . Ayres.Aires.

— Não quero que supponham...suponham...

— Mas quem duvidar/a\duvida dos seus sentimentos?

— Podem duvidar.

— Ora, qual! Em todo caso vácaso, vá primeiro almoçar commigocomigo um dia destes... Olhe, vá domingo, e seu irmão Pedro tambemtambém. Seremos tres treztrês áà mezamesa, um almoço de rapazes. Beberemos certo vinho que me deu o ministro da Allemanha...Alemanha...

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No domingo foram fôram os dous ao CatteteCatete, menos pelo almoço que pelo amphytrião.anfitrião. AyresAires era amado dos dous; gostavam de ouvil-o,ouvi-lo de interrogal-o,interrogá-lo, pediam-lhe anecdotasanedotas políticas politicas de outro tempo, descripção descripçãodescição de festas, noticiasnotícias de moças antigas passadas, agora velhas, ou mortas.sociedade.

— Vivam os meus dous jovens, disse o conselheiro, com um arvivam os meus dous jovens que não esqueceram o amigo velho. PapaePapai como está? E mamãe?

— Estão bons, disse umPedro.

Paulo accrescenta/ou\accrescentouacrescentou que ambosambos lhe mandavam lembranças.

— E tia PerpetuaPerpétua?

TambemTambém está boa, disseram ambos disse Pedro Paulo.

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— Sempre com a homoepathiahomeopatia e as suas historiashistórias do Paraguay, accrescentouParaguai, acrescentou Pedro.

Pedro estava alegre, Paulo preoccupado.preocupado. Depois das primeiras saudações e noticias,notícias, AyresAires notou essa differença,diferença e achou que era bom para tirar a monotonia da semelhança; mas emfim não mas, emfim, nãomas, enfim, não queria caras fechadas, e indagou do estudante de direito o que é que elleele tinha.

— Nada.

— Não pode póde ser; acho-lhe um ar meio sorumbatico.sorumbático. Pois eu accordeiacordei disposto a rir, e desejo que ambos riam commigocomigo.

Paulo rosnou uma ou duas palavras/a\palavra que nenhum dellesdeles entendeu e saccousacou do bolso um

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maço de tirasfolhas de papel. Era um artigo...

— Um artigo?

— Um artigo em que tiro todas as duvidasdúvidas a meu respeito, e peço ao senhor que me ouça, é pequeno. Escrevi-o a noite passada.

AyresAires propozpropôs ouvi-lo depois do almoço, mas o rapaz pediu que fosse logo, e Pedro concordou com este alvitre, allegandoalegando que, sobre o almoço, podia perturbar a digestão, como ruim droga que devia ser, naturalmente. Ayres metteuAires meteu o caso áà bulha e acceitouaceitou ouvir o artigo; ., com a condição se não de ser curto longo.

— Tem sete tiras. — É pequeno, sete tiras.

—Letra miuda?miúda?

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— Não, senhor; assim, assim.

Paulo leu o artigo. Tinha por epigrapheepígrafe isto de Amós: «Ouvi esta palavra, vaccasvacas gordas que estaesestais no monte de Samaria...» As vaccasvacas gordas eram o pessoal do regimenregímen./,\ Paulo não explicou Paulo. Não attacavaatacava o imperador, por attenção áatenção à mãe, mas com o principioprincípio e o pessoal politicoera violento e aspero. Ayresáspero. Aires sentiu-lhe aquilloaquilo que, em tempo, se chamou «a bossa da combatividade». Quando o rapazPaulo acabou, Pedro disse em ar de mofa:

— Conheço tudo isso, são ideias paulistas.

— As tuas são ideias coloniaes,coloniais, replicou Paulo.

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Deste introito podiam nascer peorespiores palavras, mas a Fortuna,felizmente um creadocriado á chegou áchegou à porta annunciandoanunciando que o almoço estava na mezamesa. AyresAires ergueu-se e disse que áà mezamesa daria a sua opinião.

— Primeiro o almoço, tanto mais que temos um salmão, cousa especial. Vamos a elleele.

AyresAires queria cumprir de verdadedeveras o officioofício que ace aceitára acceitaraaceitara de ConceiçãoNatividade. Quem sabe se a ideia de paepai espiritual dos gemeos, paegêmeos, pai de de desejo somente, paepai que não foi, pae quefoi, que teria sido, não lhe dava uma cast affeiçãoafeição particular e um dever mais alto que o de

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simples amigo? Nem é fórafora de propositopropósito que elleele buscasse somente sómente materiamatéria nova para as paginaspáginas ainda brancas nuas dode seu Memorial. Tudo Leitor Caro leitor, tudo é possivel, neste mundo e no outro.

Ao almoço, ainda se falou do artigo, Paulo com amor, Pedro com desdem,desdém, AyresAires sem uma cousa nem outra cousa. O almoço ia fazendo o seu officioofício. AyresAires estudava os dous rapazes e suas opiniões. Talvez estas não passassem de uma erupção de pellepele da e/i\dadeidade edade ;/.\ um sarampão de varia especie. E sorria, e fazia-osE sorria, fazia-os comer e beber, chegou a falar de moças, mas aqui os rapazes, vexados e respeitosos, não disseram nadaacompanharam o

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ex-ministro. A politicapolítica veiuveio morrendo. Na verdade, Paulo ainda se declarou capaz de derribar a monarchiamonarquia com dez homens, e Pedro de extirpar o germengérmen republicano com um decreto. Mas o ex-ministro, sem mais decreto que uma caçarola, nem mais homens que o seu cozinheiro, envolveu os dous regimensregímens no mesmo salmão delicioso.

 
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CapituloCapítulo LIIXLVII

Musa, canta…

No fim do almoço, AyresAires deu-lhes uma citação de Homero, aliás duas, um uma para cada um, começando por lhes dizerdizendo-lhes que o velho poeta os cantáracantara separd/a\damenteseparadamente, Paulo no começo da Illiada:Ilíada:

— «Musa, canta a ch coleracólera de Ac Achilles,Aquiles, filho de Peleu, a coleracólera funesta aos gregos, que precipitou á estanciaà estância de Plutão tantas almas válidas de heroesheróis, entregues os corpos

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ásàs aves e aos cães...» cães..,»,

Pedro estava no começo da Odysséa OdysseaOdisseia:

— «Musa, canta aquelleaquele er heroeherói astuto, que errou por tantos tempos, depois de destruidadestruída a santa Illion...Ílion...»

Era um modo de definir o caractercaráter de ambosambos, e nenhum dellesdeles levou a mal a applicação.aplicação. Ao contrariocontrário, a citação poeticapoética valia por um diploma particular. O factofato é que ambos sorriram de fé, de aceitação acceitação, de agradecimento, sem que achassem uma palavra ou syllabasílaba com que contestassem a applicaçãodesmentissem a/ o\o adequado dos versos. Que elleele, o ministroconselheiro, depois de os citar em

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prosa , citou nossa, repetiu-os no propriopróprio texto grego, egrego e os dous gemeosgêmeos sentiram-se ainda mais epicosépicos, tão certo é que traducçõestraduções nãonão valem menos que originaes.originais. O que elleseles fizeram foi dar dar um sentido deprimente áoao citação que era applicavelaplicável ao irmão:

— Tem razão, Sr .Senhor Conselheiroconselheiro, — disse Paulo, — Pedro é um velhaco...

— E você é um furioso...

— Em grego, meninos, em grego e em verso, que é melhor que á/a\a fórma da nossa lingualíngua e a prosa do nosso tempo.

 
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CapituloCapítulo LIVLIIIXLVI II

Entre um actoato e outrooutro.

AquellesAqueles almoços repetiram-se, os mezesmeses passaram,-se vieram férias, acabaram-se férias, e AyresAires penetrava bem os gemeosgêmeos. Escrevia-os no Memorial, onde se lê que a consulta ao Pantoja velho Placidovelho Plácido dizia respeito aos dous, e mais a ida áà cabocla do CastelloCastelo e a briga antes de nascer, casos velhos e descorados, agora relembrados, ligados e decifrados. Tudo se fazia assim um problema, e os mezes iam passando obscuros, queobscuros que elle relembrou, ligou e decifrou.ele relembrou, ligou e decifrou.

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EmquantoEnquanto os mezesmeses passam, faze de conta que estás no theatro,teatro, entre um actoato e outro, conversando. Lá dentro preparam a scena,cena e os artistas mudam de roupa. Não vás lá; deixa que a dama, no camarim, ria com os seus amigos o que chorou cá fórafora com os espectadores. Quanto ao jardim que se está fazendo, não te exponhas a vel-ovê-lo pelas costas; é pura lona velha sem pintura, porque só a parte do espectador é que tem os verdes e flores. Deixa-te estar cá fórafora no camarote desta senhora. Examina-lhe os olhos; tem ainda as lagrimaslágrimas que lhe arrancou a dama da peça. Fala-lhe da peça e dos

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artistas. Que é obscura. Que não sabem os papeis.papéis. Ou então que é tudo sublime. Depois percorre os camarotes com o binoculo, distribuebinóculo, distribui justiça, chama bellas ásbelas às bellasbelas e feias ásàs feias, e não te esqueças de contar anedo anecdotasanedotas que desfeia/em\desfeiem as bellasbelas, e virtudes que resgatem a feal componham as feias. Aquellas devem ser As virtudes devem ser grandes e as an an anecdotasanedotas engraçadas. TambemTambém as ha banaes,banais, mas a mesma banalidade na boca bôca de um bom narrador faz-se rara e preciosa. E verás como as lagrimas séccamlágrimas secam inteiramente, e a realidade substituesubstitui a ficção. Falo por imagem; sabes que tudo aqui é verdade pura e sem choro.

folha não numerada

ULTIMO

por

Machado de Assis

(da Academia Brasileira )

 
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CapituloCapítulo XLIII XLVIIIXLIXXLXL IX XLVII

S. Matheus,São Mateus, IV, 1-101-10.

Se ha muito riso quando um partido sobe, tambemtambém ha muita lagrimalágrima do outro que desce, e do riso e da lagrimalágrima se faz o primeiro dia da situação, como no Genesis.Gênesis. Venhamos ao evangelista que serve de epi† titulotítulo ao capitulo.capítulo. Os liberaesliberais ,quando es foram chamados fôram chamadosforam chamados ao poder, que os conservadores tiveram de deixar. Não é mister dizer que o abatimento de Baptista foi enorme.

— Justamente agora que eu tinha

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esperanças, disse elleele áà mulher.

— De quê?

— Ora de quê! Dede uma presidencia.presidência. Não disse nada, porque podiam falhar, mas é quasiquási certo que não. Tive duas conferencias,conferências, com não com ministros, mas com pessoa influente que sabia, e era negocionegócio de esperar um mezmês ou dous...

PresidenciaPresidência boa?

— Boa.

— Se você tivesse trabalhado bem...

— Se tivesse trabalhado bem, podia estar ja de poss posse, mas vinhamosvínhamos agora a toque de caixa.

— Isso é verdade, concordou D. ClaudiaDona Cláudia olhando para o futuro.

Baptista passeava, as mãos nas

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costas, os olhos no chão, suspirando, sem prever o tempo em que os conservadores tornariam ao poder. Os liberaesliberais estavam fortes e resolutos. As mesmas ideias avoaçavampairavam na cabeça de D. ClaudiaDona Cláudia. Este casal só não era egualigual na vontade; as ideias eram muitas vezes taestais que, se apparecessemaparecessem fóra,fora, ninguemninguém diria quaesquais eram as delle,dele, nem quaesquais as delladela, pareciam vir de um cerebro unico.cérebro único. NaquelleNaquele momento nenhum achava esperança prompta immediataimediata ou remota. foiUma só ideia vaga... E foi aqui que a vontade de D. ClaudiaDona Cláudia fincou os pés no chão e cresceu. Não fallofalo só por imagem; D. ClaudiaDona Cláudia levantou-se

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da cadeira, rapida,rápida, e disparou esta pergunta ao marido:

— Mas, Baptista, você o que é que espera mais dos conservadores?

Baptista parou com um ar digno e respondeu com simplicidade:

— Espero que subam.

— Que subam? Espera oito ou dez annosanos, o fim do seculo,século, não é? E nessa occasiãoocasião você sabe se será aproveitado? Quem se lembrará de você?

— Posso fundar um jornal.

— Deixe-se de jornaes.jornais. E se morrer?

— Morro no meu posto de honra.

D. ClaudiaDona Cláudia olhou fixa para elleele. Os seus olhos miudosmiúdos enterraram-seenterravam-se pelos

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delledele abaixo, como duas longas verrumas pacientes. De Subito,Súbito, levantando as mãos abertas:

— Baptista, você nunca foi conservador!

O marido empallideceuempalideceu e recuou, como se ouvira a propriaprópria ingratidão de um partido. Nunca fora fôra conservador? Mas que era elleele então, que podia ser neste mundo? Que é que lhe dava a estima dos seus chefes? Essa agora Não lhe faltava mais nada... D. ClaudiaDona Cláudia não attendeuatendeu a explicações; repetiu-lhe as palavras, e accrescentou:acrescentou:

— Você estava com elleseles, como a gente está n’umnum baile, onde não é preciso ter as mesmas ideias para dançar a mesma quadrilha.

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Baptista sorriu leve e rapido;rápido; amava as imagens graciosas,graciosas e aquellaaquela pareceu-lhe graciosissima,graciosíssima, tanto que concordou logo; mas a sua estrellaestrela inspirou-lhe uma refutação prompta.pronta.

— Sim, mas a gente não dança com ideias, dança com pernas.

— Dance com que fôr,for, a verdade é que todas as suas ideias iam para os liberaesliberais; lembre-se que os dissidentes na provincia accusavamprovíncia acusavam a você de apoiar os liberaesliberais...

— Era falso; o governo é que me recommendavarecomendava moderação. Posso mostrar cartas.

— Qual moderação! Você é liberal.

— Eu liberal?

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— Um liberalão, nunca foi outra cousa.

— Pense no que diz, Claudia.Cláudia. Se alguemalguém a ouvir é capaz de crer crêr, e dahidaí a espalhar...

— Que tem que espalhe? Espalha a verdade, espalha a justiça, porque os seus verdadeiros amigos não o hão de deixar na rua, agora que tudo se organisa.organiza. Você tem amigos pessoaespessoais no ministerioministério; porquepor que é que os não procura?

Baptista recuou com horror. Isto de subir as escadas do poder e dizer-lhe que estava ásàs ordens não era concebivelconcebível sequer. D. Claudia admittiuDona Cláudia admitiu que não, mas um amigo faria tudo, um amigo intimoíntimo do governo que dissesse

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ao Ouro-Preto: «Visconde, você porquepor que é que não convida o Baptista? Foi sempre liberal nas ideias. Dê-lhe uma presidenciapresidência, pequena que seja, e...»

Baptista fez um gesto de hombros,ombros, outro de mão que se calasse. A mulher não se calou; foi dizendo as mesmas cousas, agora mais graves pela insistenciainsistência e pelo tom. Na alma do marido a catástrophe catastrophecatástrofe era ja tremenda. Pensando bem, não hesitava em tranrecusava/ria\recusaria epassar o Rubicon; mas sentisó lhe faltava-lhe a força a necessaria.necessária. e QuizeraQuisera querer. QuizeraQuisera não ver nada, nem passado, nem presente, nem futuro, não saber de homens nem de cousas, e obedecer aos dados da sorte, mas não podia.

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E façamos justiça ao homem. Quando elleele pensava só na fidelidade aos amigos sentia-se melhor; a mesma fé existia, o mesmo costume, a mesma esperança. O mal vinha de olhar para o lado de lá; e era D. ClaudiaDona Cláudia que lhe mostrava com o dedo a carreira, a alegria, a vida, a marcha certa e longa, a presidenciapresidência, o ministerio... Elleministério... Ele torcia os olhos e ficava.

A sós comsigo,consigo, Baptista pensou muita vez na situação pessoal e politicapolítica. Apalpavam /-\seApalpava-se moralmente. ClaudiaCláudia podia ter razão. Que é que havia nellenele propriamente conservador, a não ser esse instinctoinstinto de toda creatura,criatura, que a ajuda a levar este mundo? Viu-se conservador em

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politicapolítica, porque o paepai o era, o tio, os amigos , da casa, o vigariovigário da parochia,paróquia, e elleele começou na escola a execrar os liberaesliberais. E depois não era propriamente conservador, mas saquarema, como os liberaesliberais eram luzias. Baptista aggarrava-seagarrava-se agora a estas designações obsoletas e deprimentes que mudavam o estyloestilo aos parentespartidos; donde vinha que hoje não havia entre elleseles o grande abysmoabismo de 1842 e 1848. TamEE lembrava-se do visconde de Albuquerque ou de outro senador que dizia em discurso não haver nada mais parecido com um conservador que um liberal, e vice-versa. E evocava exemplos, o partido progressista, Olinda,

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Nabuco, Zacharias,Zacarias, que foram fôram elleseles senão conservadores, que comprehenderamcompreenderam os tempos novos e tiraram ásàs ideias liberaesliberais aquelleaquele sangue das revoluções, para lhes pôr uma côrcor viva, sim, mas serena. Nem este o mundo era dos emperrados... Neste ponto passou-lhe um frio pela espinha. Justamente nessa occasião appareceuocasião apareceu Flora. Bap O paepai abraçou-a com amor, e perguntou-lhe se queria ir para alguma presidencia provincia,província, sendo elleele presidente.

— Mas os conservadores não caíram cairam?

Caíram Cairam, sim, mas suppõesupõe que...

Oh!Ah! não, papaepapai!

— Não, porquê?

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— Não desejo sair da/o\do CorteRio de Janeiro.

NãoTalvez a/o\o provínciaCorte Rio de Janeiro para ellaela fosse Botafogo, e propriamente a casa de SoledadeConceiçãoNatividade. O paepai não apurar/ou\apurou as causas da recusa; suppol-as politicassupô-las políticas, e achou novas forças para resistir ásàs tentações de D. ClaudiaDona Cláudia: « Vae-te, Satánaz Vae-te, SatanazVai-te, Satanás; porque escriptoescrito está:, Ao Senhor teu Deus adorarás, e a elleele servirás.» E seguiu-se como na Escriptura:Escritura: «Então o deixou o Diabo; e eis que chegaram os anjos e o serviram.» Os anjos foram fôram só um, que valia por muitos; e o paepai lhe disse beijando-a carinhosamente:

— Muito bem, muito bem, minha filha.

— Não é, papaepapai?

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Não, não foi a filha que tolheu a deserção do paepai. Ao contrario, contrario.contrário. Baptista, se tivesse de ceder, cederia áà mulher ou ao Diabo, synonimossinônimos neste capitulo.capítulo. Não cedeu de fraqueza. Não tinha a força necessariaprecisa de trahirtrair os amigos, por mais que estes parecessem havel-ohavê-lo abandonado. Ha dessas virtudes feitas de acanho e timidez, e nem por isso menos lucrativas, moralmente , e até spiritualmente pecuniariamente falando. Não valem só es/s\toicosstoicosestoicos e martyres.mártires. Virtudes meninas tambemtambém são virtudes. A verdade éÉ certo, porém, que a linguagem delle,dele, em relação aos liberaesliberais, não era ja de odioódio ou resenimpacienciaimpacienciaimpaciência; chegava á tolerancia,à tolerância, roçava pela justiça. Concordava que a alternação

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dos partidos era um principioprincípio de necessidade publica.pública. O que fazia era animar os amigos. Tornariam cedo ao poder. Mas D. ClaudiaDona Cláudia opinava o contrario;contrário; para ellaela, os liberaesliberais iriam ao fim do seculo.século. Sao Quando muito, admittiuadmitiu que não/a\na primeira entrada não dariam déssemdessem logarlugar a um converso da ultimaúltima hora; mas queera preciso esperar um annoano ou dous, uma vaga na camara,câmara, uma commissão,comissão, a vice-presidenciavice-presidência do Rio...

 
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CapituloCapítulo LXLVIII

Terpsichore.Terpsícore.

Nenhuma dessas cousas preoccupavapreocupava a boa Natividade. Mais depressa cuidaria do baile da ilha Fiscal, que se realisourealizou em novembro para honrar os officiaesoficiais chilenos. Não é que ainda dançasse, mas sabia-lhe bem ver dançar os outros, e tinha agora a opinião de que a dança é um prazer d dos olhos. Esta opinião é um dos mau effeitosefeitos daquelledaquele mau costume de envelhecer. Não pegues tal costume, leitora. Ha va outros

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um tal máu costume, leitora. Ha outros tambemtambém ruins, nenhum peorpior, este é po pessimo.péssimo. Deixa lá philosdizerem philosophosfilósofos que a velhice é um estado sublime utilútil pela experienciaexperiência e outras vantagens. Não envelheças, amiga minha, por mais que os annosanos te convidem a deixar a primavera; quando muito, acceitaaceita o estio. O estio é bom, callido,cálido, tem rajadasas noites são breves, é certo, é certo. mas as madrugadas não trazem neblina, e o sol ceucéu appareceaparece logo azul. Assim dançarás sempre.

Bem sei que ha gentes/e\gente em quempara quem a dança é antes um prazer dos olhos. Nem as bailadeiras ,que as francezas cunharam em bayadères

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e mandam aos seus cambistas daqui são outranem ellassão outra cousa mais que mulheres de officio. Tambemofício. Também eu, se é licitolícito citar alguemalguém a si mesmo, tambemtambém eu acho que a dança é antes prazer dos olhos que dos pés, e a razão não é só dos annosanos longos e grisalhos, A r é tambémmas tambemtambém outra que não digo., por não valer a pena. De restoAo cabo, não conto aquiestou contando a minha vida, nem as minhas opiniões, nem nada que não seja das pessoas que entram no livro. Estas é que preciso pôr aqu aqui integralmente com as suas imperfeições e defeitos virtudes e e imperfeições, se osas temtêm. Entende-se isto, sem ser preciso d notal-o,notá-lo, mas não

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se perde nada em repetil-o.repeti-lo.

Por exemplo, D. ClaudiaDona Cláudia. TambemTambém ellaela pensava no baile da ilha Fiscal, sem a menor ideia de dançar, mas anem a razão esthen/e\ticaestheticaestética da outra. Para ellaela, o baile da ilha era um facto politico,fato político, era o baile do ministerioministério, uma baile festa liberal, que podia abr abrir ao marido as portas de alguma presidencia.presidência. Via-se ja com a familiafamília imperial. Ouvia a princeza:princesa:

— Como vae,vai, D.Dona Isabel Claudia?Cláudia?

— Perfeitamente bem, SerenissimaSereníssima senhora.

E Baptista conversaria com o imperador, a um canto, deantediante dos olhos invejosos que tentariam ouvir

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ouvir o dialogodiálogo, áà força de os fitarem de longe. O marido é que... Não sei que diga do marido relativamente ao baile da ilha. Contava lá ir, mas não se achava/ria\acharia a gosto; pode póde ser que t os seustraduzissem esse actoato por meia conversão. Não é que fossem liberaesliberais ao baile, tambemtambém iriam conservadores, e aqui cabia eu bem o aphorismoaforismo de D. ClaudiaDona Cláudia que não é preciso ter as mesmas ideias para dançar a mesma quadrilha.

Santos é que não precisava de ideias para dançar. Tambem nãoNão dançaria sequer. Em moço, valdançou muito, quadrilhas e pol quadrilhas, polkas,quadrilhas, polcas,valsas valsas, a valsa arrastada e a valsa pulada,

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como diziam os da sua rentão, sem que eu possa definir melhor a differença;diferença; Presumo presumo , que na primeira os pés não sah saíam do saiam de saiam do chão, e na segunda não † não saiam andavam aos saltos s/c\ aíam do ar.caiam do ar. Tudo isso até os vinte e outo cinco annosanos. Então os negociosnegócios pegaram delledele e o metteram naquellameteram naquela outra contradança, em que nem sempre se volta ao mesmo logarlugar ou nunca se se sae sáesai dahidelle.dele. Santos saiu e ja sabemos onde está. Ultimamente teve a fantasia de ser deputado; Soledade ConceiçãoNatividade abanou a cabeça, por mais que elleele explicasse que não queria ser orador nem ministro, mas tão somente sómente ir fazer da camaracâmara um degrau para o senado, onde possuiapossuía amigos, pessoas

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de consideração,valimento,merecimento, e que era eterno.

— Eterno? interrompeu ellaela com um sorriso fino e descorado.

Vitalicio,Vitalício, quero dizer.

SoledadeConceiçãoNatividade teimou que não, que a posição delledele era commercialcomercial e bancaria.bancária. «Politica e AccrescentouAcrescentou que politicapolítica era uma cousa e industriaindústria outra. Santos citavareplicou, citando o barão de Mauá, que as fundiu ambas. Então a mulher notou declarou por um modo seccoseco quee duro que aos sessenta annosanos ninguemninguém começa a ser deputado.

— Mas é de passagem; os senadores são idosos edosos.

— Não, Agostinho, concluiu a baronezabaronesa com um gesto definitivo.

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Não conto AyresAires, que provavelmente não dançaria, a despeito dos annosanos; tambemtambém não fallofalo de D. PerpetuaDona Perpétua, que nem iria lá. Pedro iria, e é natural que dançasse, e muito, não obstante o afinco dos seusseus e paixão dos seus estudos. Vivia enfeitiçado pela medicina. No quarto de dormir, alemalém do busto de Hippocrates HyppocratesHipócrates, tinha os retratos de algumas summidades medicassumidades médicas do/a\da mundoEuropa, muito esqueleto gravado, muita molestiamoléstia pintada, pescoçospeitos cortados verticalmente para se lhe verem os vasos, um e á vista cerebros descobertos,cérebros descobertos, um cancercancro de lingualíngua, alguns aleijões, cousas todas que a mãe, por

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seu gostogosto, mandaria deix/t\ardeitar ao lixo fóra,fora, mas era a scienciaciência do filho, e bastava. Contentava-se de não olhar para os quadros.

Quanto a Flora, se não era verdeFlora, ainda verde para os meneios de Terpsychore TerpsichoreTerpsícore, era acanhada ou arrepiada, como dizia a mãe. E isto era o menos; o mais era que , com pouco se enfan/a\daria,enfadaria, e, se não pudesse vir logo para casa, ficaria adoentada o resto d †da noite do tempo. E Note-seNote-se que, estando na ilha, teria o mar em volta, e o mar era um dos seus encantos; mas, se lembralhe lembrasse o mar, ,e se consolasse com elle a esperança de o vero mirar, advertiria tambemtambém que a

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noite escura tolheria a consolação. Que multidão de dependenciasdependências na vida, leitor! Umas cousas enroscam-se nasnascem de outras, enroscam-se, atam-se, desatam-seenroscam-se, desatam-se, confundem-se, perdem-se, e o tempo andandovai andando sem se perder a si.

Mas donde viria o tediotédio a Flora, se viesse? Com Pedro no baile, o tedio era improvavel; ou ja impossivel, a/P\edrobaile, não; este era, como sabes, um dos dous que lhe queriam bem,. Salvo se ellaela queria justamenteprincipalmente ao que estava em S.São Paulo. Mas es arriscadaConclusão duvidosa, pois não é certo que preferisse um a outro. Se ja a vimos fallarfalar a ambos com a mesma a sympathia,simpatia, o que fazia agora a

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Pedro na ausenciaausência de Paulo, e faria a Paulo na ausenciaausência de Pedro, não me faltará leitora que presuma um terceiro... Um terceiro explicaria tudo, um terceiro que não fosse ao baile, algum estudante pobre, sem outro amigo nem mais casaca que o coração verde e quente. Pois nem essa/e\esse, leitora curiosa, nem terceiro, nem quarto, nem quinto, ninguemninguém mais. Uma exquisitona,esquisitona, como lhe chamava a mãe.

Não importa; a exquisitonaesquisitona foi ao baile da ilha f Fiscal com a mãe e o paepai. Este, no meio das luzes Conceição, Assim tambem Natividade,Assim também Natividade, o marido e Pedro, assim AyresAires, assim a demais gente convidada para a grande festa. Foi uma bellabela ideia do governo, leitor. Dentro e fóra,fora, de do mar e de terra, era como um sonho veneziano; se tal adjectivo exprime o que presumo. Mas esse toda aquellatoda aquela

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outro; o principal é que diga que toda aquella sociedade viveu algumas horas sumptuosas,suntuosas, moçasnovas para uns, saudosas para outros, e de futuro para todos, — ou, quando menos, para a nossa amiga Conceição e e o ††vador Natividade e o conser casalNatividade – e para o conservador Baptista.

AquellaAquela considerava o destino dos filhos, — cousas futuras! Pedro bem podia inaugurar, como ministro, o seculoséculo XX e o terceiro reinado. ConceiçãoNatividade imaginava outro e maior baile naquellanaquela mesma ilha. Compunha a festa,ornamentação, e via as pessoas e as danças, toda uma festa magna que entraria na historia.história. e na Tambem ellaTambém ela alliali estaria, sentada a um canto,

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sem se lhe dar do peso dos annosanos, uma vez que visse a grandeza e a prosperidade dos filhos. Era assim que enfiara os olhos pelo tempo adiante, descontando no presente a felecidadefelicidade futura, para o caso de vircaso viesse a a morrer antes das profecias prophecias. Tinha a mesma sensação que lh ora lhe dava aquellaaquela cesta de luzes no meio da escuridão tranquillatranquila do mar.

A imaginação de Baptista era menos vivalonga que a de Conceição. Não sei se me exprimo bem. Quero dizer Natividade. Quero dizer que viaia e ouvia antes do principioprincípio do se seculoséculo, Deus sabe se antes do fim do annoano. Ao som da musica,música, áà vista

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das galas, ouvia umas feiticeiras cariocas, que se pareciam com as escossezas;escocesas; em todo caso,pelo menos, as palavras eram as mesmas. Uma por umaque saudaram analogas ás que saudaramanálogas às que saudaram a Macbeth: — «Salve, Baptista, ex-presidente , de provinciaprovíncia.!» — «Salve, Baptista, proximopróximo presidente de provinciaprovíncia!» — «Salve, Baptista, tu serás ministro um dia!» A linguagem dessas profecias prophecias era liberal, sem sombra de sole solecismo. Verdade é que elleele se arrependia de as escutar, e forcejava por traduzil-astraduzi-las no velho idioma conservador, mas já lhe iam faltavam/ndo\faltando diccionariosdicionáriosdesta lingua. A primeira palavra ainda trazia o sotaque antigo: «Salve, Baptista, ex-presidente de provinciaprovíncia!» mas

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a segunda e a ultimaúltima eram ambas daquelladaquela novaoutra lingualíngua liberal, que sempre lhe pareceu lingualíngua de preto. De resto EmfimEnfim, a mulher, como lady Macbeth, dizia nos olhos o que esta dizia pela boca bôca, isto é, que ja sentia em si aquellasaquelas futurações. O mesmo lhe repetia/u\repetiu na manhã seguinte, em caza. casa. Baptista, com um sorriso disfarçado, descria das feiticeiras, mas a memoriamemória guardava as palavras da ilha: «Salve, Baptista, proximopróximo presidente!» Ao que elleele respondia com um suspiro: «Não, não, filhas do Diabo...

Ao contrariocontrário do que ficou dito atraz,atrás, Flora não se aborreceu na ilha. Conjecturei mal; emendo-me a tempo. PoConjecturei mal, emendo-me a tempo. Podia aborrecer-se pelas razões que lá ficam, e ainda outras que poupei ao leitor apressado; mas, em verdade, passou bem a noite. A novidade da festa, a visinhançavizinhaça do mar, os navios perdidos na sombra, a cidade defronte com os seus lampiões de gaz,gás, embaixo e em cima, nasna

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praia e nos outeiros, eis ahi aspectosaí aspectos novos que a encantaram durante aquellasaquelas horas rapidas.rápidas.

Não lhe faltavam pares, nem conversação, nem alegria alheia e propria.própria. Toda ellaela compartia da felicidade d dos outros. Ria. OuviaVia, ouvia, sorria corriaembora a lição do manuscrito não seja inequívoca, a comparação com outras palavras começadas por c e s aponta para que se esteja perante um s inicial, sendo a palavra sorria. Creio que a lição corria terá sido um erro do tipógrafo na 1ª edição, não corrigido por Machado nas provas, dado ser uma variante adiáfora, pelo que opto pela lição do manuscrito., esquecia-se do resto para se metter comsigometer consigo.;/.\e era nesses lapsos o que TambemTambém invejava a princezaprincesa imperial, a qualque viria a ser imperatriz um dia, com o absoluto poder de despedir ministros e damas, visitas e requerentes, e ficar só, no mais reconditorecôndito do paço, fartando-se de contemplação ou de musica.música. Taes ideias passa passavam depressa. Vinham outras Era assim que ella Flora definia o officio de governar. Taes ideias passavamFlora definia o officio de governar. Taes ideias passavamFlora definia o ofício de governar. Tais ideias passavam

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e tornavam. De uma vez al alguemalguém lhe disse, como para lhe dar força: «Toda alma livre é impetrizimperatriz

Não foi outra voz, semelhante áàs que das feiticeiras do paepai nem ásàs que fallavamfalavam interiormente a Natividade, ácercaacerca dos filhos. Não; seria pôr aqui muitas vozes de mysterio,mistério, cousa que, alemalém do fastio da repetição, mentiria áà realidade d dos factos.fatos. A voz que falloufalou a Flora saiu da boca bôca do velho AyresAires, que se fôrafora sentar ao pe della pé d’ellapé dela e lhe perguntara perguntára:

— Em que é que está pensando?

— Em nada, respondeu Flora.

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Ora, o conselheiro tinha visto no rosto da moça a expressão de alguma cousa e insistia em querer saber o que erapor ella.por ela. Flora disse como pôde e soube a inveja que lhe mettiametia a princeza a vista da princezavista da princesa, não para brilhar ou e mandar um brilhar um dia, mas para fugir ao brilho e ao mando, sempre que quizessequisesse ficar subditasúdita de si mesma mesma. AyresFoi então que elleele lhe murmurou, como acima:

— Toda alma livre é imperatriz.

A phrasefrase era boa, sonora, parecia conter toda aa maior sommasoma de verdade que ha na terra e nos planetas. Valia por uma paginapágina de Plutarcho.Plutarco. Se algum politicopolítico

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a ouvisse poderia guardal-aguardá-la para os seus dias de opposiçãooposição ao governo, quando viesse o terceiro reinado. Foi o que elleele mesmo escreveu no Memorial, comMemorial. Com esta nota: «A meiga creatura acreditou nesta/e\s cinco palavras» vocabulos creatura agradeceu-me estas cinco palavras»criatura agradeceu-me estas cinco palavras.

 
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CapituloCapítulo XLIX

TaboletaTabuleta velhavelha.

Toda a gente se recovoltou da ilha com o baile na cabeça, muita sonhou com elleele, alguma dormiu mal ou nada. AyresAires foi dos que accordaramacordaram tarde; eram honze horas. Ao meio dia almoçou; depois escreveu no Memorial as impressões da vespera,véspera, notou algum varias espaduas,varias espaduasvárias espáduas fez reparos politicospolíticos e acabou com as palavras que lá ficam no p cabo do outro capitulo.capítulo. Fumou, leu, até que resolveu ir áà rua do

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do Ouvidor. Como chegasse áà vidraça de uma das janellasjanelas da frente,da frente, viu de áà porta da confeitaria uma figura inesperada, o velho Custodio cheio Custodio, cheioCustódio, cheio de melancolia. Era tão novo o espectaculoespetáculo que alliali se deixou estar por alguns instantes; foi então que o confeiteiro, levantando os olhos, deu com elleele apezar das cortinas,entre as cortinas, e emquantoenquanto AyresAires voltava para dentro, CustodioCustódio atravessou a rua e entrou-lhe em casa.

— Que suba, disse o conselheiro ao criado. que lhe

CustodioCustódio foi recebido com a benevolenciabenevolência de outros dias e um pouco mais de interesse. AyresAires queria saber o que é que o entristecia.

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— Vim para contal-ocontá-lo a V. Ex V.-Ex.Vossa Excelência; é a ta taboletatabuleta.

— Que taboletatabuleta?

— Queira V. Ex V.-Ex.Vossa Excelência ver por seus olhos, disse o confeiteiro, pedindo-lhe o favor de ir áà janella.janela.

— Não vejo nada.

— Justamente, é isso mesmo. Tanto me aconselharam que fizesse reformar a taboletatabuleta que afinal consenti, e fil-afi-la tirar por dous empregados. A visinhançavizinhança q veiuveio para a rua assistir ao trabalho e parecia rir de mim. Já tinha falado a um pintor da rua da Assembléa;Assembleia não ajustei o preço porque elleele queria ver primeiro a obra. Hontem,Ontem áà tarde, lá foi um caixeiro, e sabe V. Ex. V.-Ex.Vossa Excelência o

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que me mandou dizer o pintor? Que a taboatábua está velha, e precisa outra; a madeira não aguenta tinta. Lá fui ásàs carreiras.; Não pude convencel-o convenccl-oconvencê-lo de pintar na mesma madeira; mostrou-me que estava rachada e comida de d de de bichos. Pois cá debaixo não se via via. Teimei que pintasse assim mesmo; respondeu-me que era artista e não faria obra que se estragasse logo.

— Reforme— Pois reforme tudo. Pintura nova em madeira velha não vaevale nada. Agora verá que dura pelo resto da nossa vida.

— A outra tambemtambém durava; bastava só avivar as letras. São luxos de pintor

Era tarde, a ordem fora expedida, a madeira devia estar comprada, ia ser serrada e pregada, pintada/o\pintado o fun fundo para então se desenhar e pintar o titulo.título. CustodioCustódio não disse que o artista lhe perguntáraperguntara pela côrcor das letras, se vermelha, se amarellaamarela, se pre verde em cima de branco ou vice-versa, e que elleele, cautelosamente, indagáraindagara do preço de cada cor côr para

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escolher as mais baratas. Não interessa saber quaesquais foram fôram.

QuaesquerQuaisquer que fossem as cores côres, eram tintas novas, taboas aboastábuas novas, uma reforma que elleele, mais por economia que por econo affeição,afeição, não quizeraquisera fazer; mas a affeiçãoafeição valia muito. Agora que ia trocar de taboletatabuleta sentia perder algo do corpo, — cousa que outros do mesmo ou diverso ramo de negocionegócio não comprehenderiam,compreenderiam, tal gosto acham em renovar as cazascaras e fazer crescer com ellaselas a nomeada. São natu naturezasnaturezas. AyresAires pensou em escrever quando soube disto, ia ia pensando em escrever uma PhilosofiaFilosofia das TaboletasTabuletas, na qual poria estas taestais e outras obs

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observações, mas nunca deu começo à á a obra,. por preguiça

V. Ex. V.-Ex.Vossa Excelência hade-me ha de-mehá de me perdoar o incommodoincômodo que lhe dei,trouxe, vindo falar-lhe disto,contar-lhe isto, mas V. Ex V.-Ex.Vossa Excelência é sempre tão bom commigo,comigo, fala-me com tanta amizade, que eu me atrevi... Perdoa-me, sim?

— Sim, homem de Deus.

ComquantoConquanto V. Ex V.-Ex.Vossa Excelência approveaprove a reforma da taboletatabuleta, sentirá commigocomigo a separação da outra, a minha amiga velha, que nunca me deixou, que eu, nas noites de luminariasluminárias, por S.São Sebastião e outras, fazia appareceraparecer aos olhos da gente. V. Ex V.-Ex.Vossa Excelência, quando se aposentou, veiu achal-aveio achá-la a/no\no mesmo logarlugar

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em que aa deixou por occasiãoocasião de ser nomeado. E tive alma para me separar delladela!

— Está bom, la vaevai; agora é receberreceber a outranova, e verá como daqui a pouco são amigos.

CustodioCustódio saiu recuando, como era seu costume, e desceu tropegotrôpego as escadas. DeanteDiante da confeitaria parou deteve sedeteve-se um instante, e olhou ppara ver o logarlugar onde estivera a taboletatabuleta velha. DevérasDeveras, tinha saudades.

 
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CapituloCapítulo LIII

O tinteiro de padre FeijóEvaristo.

—... Este caso prova que tudo se pode póde amar muito bem, ainda um pedaço de madeira velha. Creiam que não era só a despezadespesa que elleele naturalmente sentia, eram tambemtambém a saudades. NinguemNinguém se despega assim de um objectoobjeto tão intimoíntimo, que faz parte de integral da cazacasa em que morae da pelle,e da pele, porque a taboletatabuleta f não foi sequer arriada um dia. CustodioCustódio não teve occasiãoocasião de ver se e estava estragada. Vivia alliali como as portadas e a parede.

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Era ao jantar, em Botafogo. Só quatro pessoas, as duas irmãs, Santos e AyresAires. Pedro fora fôra jantar a S.São Clemente, com a familiafamília Baptista.

D. Perpetua approvouDona Perpétua aprovou os sentimentos do confeiteiro. Citou, a propositopropósito, o tinteiro de Evaristo. A irmã sorriu para o marido, e este para a mulher, como se dissessem: «lá vem elleele!» Era um tit tinteiro de tinteiro que servira ao famoso jornalista do primeiro reinado e da RegenciaRegência, obras simples, feitas/a\feita de barro, igual egual aos tinteiros que a gente chã comprava nas lojas de papel daquelledaquele e deste tempo. O sogro de D. PerpetuaDona Perpétua, que lh’olho dera em lembrança, tivera um da mesma idade edade, massa e feição.

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VeiuVeio assim de mão em mão parar ásàs minhas. Não chega aos tinteiros do mano Agostinho nem de Natividade, que são luxuosos, mas tem grande valor para mim.

— Sem duvidadúvida, concordou AyresAires, valor historicohistórico e politicopolítico.

— Meu sogro dizia que delle sairamdele saíram os grandes artigos da Aurora. A falar verdade, eu nunca li taestais artigos, mas meu sogro era homem de verdade. Conhecia a vida de Evaristo, que ouvira outror por ouvil-apor ouvi-la lh a outros, e fazia-lhe louvores que não acabavam mais...

Natividade buscou desviou/ar\desviar a conversação para o baile da vespera.véspera. Tinham ja falado delledele, mas não achou outro derivativo.

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pa Entretanto, o tinteiro ainda ficou algum tempo. Era Não era só uma das lembranças de D. PerpetuaDona Perpétua, reliquiarelíquia de familia,família, era tambemtambém uma de suas ideias. Prometteu mostral-oPrometeu mostrá-lo ao conselheiro. ElleEle prometteu vel-oprometeu vê-lo com muito gosto. Confessou que tinha veneração aos objectosobjetos de uso dos grandes homens. EmfimEnfim, o jantar acabou, e elleseles vi passaram ao salãoVindo para a frente, A salão. AyresAires, fand falando da enseada:

— Aqui está uma obra, que é mais velha que o tinteiro do Evaristo e a taboletatabuleta do CustodioCustódio, e, não obstante, parece mais moça, não é verdade, D. PerpetuaDona Perpétua? A noite é clara ée quente;

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podia ser escura e fria, e o effeitoefeito seria o mesmo. A enseada não differedifere de si. Talvez os homens venham algum dia atulhal-aatulhá-la de terra e pedras para levantar casas em cima, um bairro novo, com um grande circo destinado a corrida de cavalloscavalos. Tudo é possivelpossível debaixo do sol e da lua. A nossa felicidade, barão, é que morreremos antes.

— Não fale em morte, conselheiro.

Sim, A morte é uma hypothesehipótese, redarguiu Ayres,redarguiu Ayres,redarguiu Aires, talvez uma lenda. NinguemNinguém morre de uma boa digestão, e os seus charutos são deliciosos.

— Estes são— Estes são novos. Parecem-lhe bons?

— Deliciosos. Onde os compra?

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Santos estimou ouvir este louvor; achava-lhe uma intenção directa ádireta à sua pessoa, aos seus meritos,méritos, ao seu nome, áà posição que tinha na sociedade, áà casa, á chacaraà chácara, ao Banco, aos colletescoletes. É talvez muito; seria um modo emphaticoenfático de explicar a força da ligação delledele aos charutos. Vin/al\Valiam pela taboletatabuleta e pelo tinteiro, com a differençadiferença que estes sif/g\nificavamsignificavam affeiçãoafeição e veneração, e aquellesaqueles, valendo pelo sabor e pelo preço, tinham a superioridade do milagre, pela reproducçãoreprodução de todos os dias.

TaesTais eram as impressões de Ayres, olhando mansamideias suspeitas que vagavam pelo no cerebro deno cérebro de AyresAires, emquanto elleenquanto ele olhava mansamente para o

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amphytrião.anfitrião. AyresAires não podia negar a si mesmo o/a\atedio aversão que este lhe inspirava. Não lhe queria mal, de certodecerto; podia até querer-lhe bem, se houvesse um muro entre ambos. Era a pessoa, eram as sensações, os dizeres, os gestos, o riso, a alma toda que lhe fazia mal.

 
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CapituloCapítulo LIII

Aqui presentepresente.

Perto das nove horas, ou logo depois, chegou Pedro com o casal Baptista e Flora.

ViemosVimos trazer o seu menino, disse Baptista a Natividade.

— Obrigado, doutor, acudiu Santos, mas elleele já não está em idade edade de se perder por essas ruas, antes de se, se se perder, acha-se logo, concl accrescentouacrescentou sorrindo.

Natividade não gostou da graça, tratatando-setratando-se do filho e ao pé delladela. Era talvez

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excesso de pudor. Ha muito excesso nesse sentido, e o acertado é perdoal-operdoá-lo. Ha tambemtambém excessos contrarioscontrários, condescendias condescendenciascondescendências faceis,fáceis, pessoas que entram com prazer na troca de allusõesalusões picantes. TambemTambém se devem perdoar. Em summasuma, o perdão chega ao ceucéu. Perdoai-vos uns aos outros, é a lei do Evangelho.

ElleEle, o rapaz, é que não ouviu nada; interrompera a conversa , e que trazia com Flora, e ,mal , logo teve tempo de falar ao conselheiro, reatou o fio a trocadas algumas palavras, os dous foram fôram reatar o fio a um canto. AyresAires reparou na attitudeatitude dos dous;de ambos; ninguemninguém mais lhes prestava attençãoatenção. De restoAo cabo, a conversa era em voz urd surda; não os poderiam ouvir. EllaEla os escutava, elleele

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falava; depois era o contrariocontrário, ellaela é que f que falava, elleele é que ouvia, tão absortos que pareciam não attenderatender a ninguemninguém, mas attendiam. Possuiamatendiam. Possuíam o sexto sentido dos conspiradores e dos namorados. Que conversassem de amores, não sei; mas é possivel; masé possível; mas que conspirassem, éconspiravam, é certo. Quanto á materiaà matéria da conspiração, é o que, só podereis sabel-asabê-la depois, brevemente, daqui a um capitulocapítulo. O proprio Ayrespróprio Aires não descobriu nada, por mais que quizessequisesse fartar os olhos naquelle dialogonaquele diálogo de mysteriosmistérios. Persuadiu-se que não era grave, porque elleseles sorriam com frequenciafrequência; mas podia ser intimoíntimo, escondido, pessoal, e acaso extranho.estranho. SuppõeSupõe um fio de anecdotasanedotas ou uma historia compridahistória comprida,

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e acaso estranho. Suppõe uma anecdota ou duas, uma historia comprida, qualquer qualquer cousacousa alheia; ainda assim podia ser dellesdeles somente sómente, porque ha estados da alma em que a materiamatéria da narração é nada, o gosto de a fazer e de a ouvir é que é tudo. Naturalmente era Tambem podia serTambém podia ser isto.

Vede Vêde, porém, como a natureza encaminha as cousas minimasmínimas ou maximasmáximas, mormente se a fortuna a ajuda. A conversação tão doce, ao que parecia, começou por uma briga . arrufo.enfado. A causa foi uma carta de Paulo, escriptaescrita ao irmão, e que este se lembrou de mostrar a Flora, dizendo-lhe que tambemtambém a mostráramostrara áà

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mãe, e a mãe se zangárazangara muito.

— Com o senhor?

/C\omCom Paulo.

— Mas que dizia a carta?

Pedro leu-lhe o trechoponto principal, que era quasiquási toda a carta; falava da «questão militar». Havia umaJá havia a Já havia a a «questão militar», por esse tempo, um conflictoconflito de generaesgenerais e ministros, e o partido d a linguagem de Paulo era contra os ministros.

— Mas porquepor que é que o senhor foi mostrar essa carta a sua mãe? p

— Mamãe quizquis saber o que é que elleele me dizia.

— E sua mãe zangou-se, ahi está; vaevai talvez reprehendel-orepreendê-lo.

— Tanto melhor; Paulo precisa ser

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emendado; mas, diga-me, porquepor que é que a senhora defende sempre a meu irmão?

Não Para ter o direito de defender tambemtambém ao senhor.

— Então elle ja elle jáele já lhe f tem falado mal de mim?

Flora quizquis dizer que sim, depois que não, afinal calou. Desconversou, perguntando se/po\rqueporquepor que elleseles se davam mal. Pedro negou que se dessem mal. Ao contrariocontrário, viviam bem. Não teriam as mesmas opiniões, e tambemtambém podia q ser que tivessem o mesmo gosto... Daqui a dizer q que que ambos gostavam dellaa amavam era uma virgulavírgula; Pedro pingou o ponto final. Esse astuto era tambemtambém timido.tímido. Mais tarde,

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comprehendeucompreendeu que, calando, andou melhor, e deu á/a\a si si mesmo o applausoaplauso do/a\da silencioescolha; mas era falso, não escolhera nada. Calou por medo. Nãonada. Não digo isto para fazel-ofazê-lo desmerecer; sim, porque o medo acerta muitas vezes, e é mister deixar aqui esta reflexão.

VeiuVeio a zanga. Flora não replicou mais nada, e, por seu gosto, não teria jantado, á meza, a tal ponto sentia piedade do outro. Felizmente, o outro era este mesmo, aqui presente, com os olhos presentes, as mãos presentes, as palavras presentes. Não tardou que a zanga fugisse deantediante da graça, da brandura e da adoração. BemaventuradosBem-aventurados os que ficam, porque elleseles serão eleitoscompensados.

 
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CapituloCapítulo LIIV

Um segredo.

Eis agora a materiamatéria da conspiração. Na rua, ao virem de S.São Clemente, foi que Pedro, gastado o melhor do tempo com a carta e o jantar, pôde re revellar revelar árevelar à moça um segredo:

— Titia , disse lá em casa que D. ClaudiaDona Cláudia lhe contáracontara p em segredo (não diga nada) que seu paepai vaevai ser nomeado presidente de provinciaprovíncia.

— Não sei nada disso, mas não creio, porque papaepapai é conservador.

sem número

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D. ClaudiaDona Cláudia disse a titia que elleele é liberal, quasiquási radical. Parece que a presidenciapresidência é certa; ellaela pediu segredo, e titia, quando nos contou, tambemtambém pediu segredo. Eu tambemtambém lhe peço que não diga nada, mas é verdade.

— Verdade, como? PapaePapai não vaevai com liberaesliberais; o senhor não sabe como papaepapai é conservador. Se elleele defende os liberaesliberais é porque é conservador tolerante.

— Se a provinciaprovíncia fosse a do Rio de Janeiro, porque eu gostaria, porque não era preciso ir morar la, e, se elle fossena Praia Grande, e, se e see, se elleele fosse, a viagem é só de meia hora, eu podia ir todos os dias.

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— Era capaz?

— Apostemos.

Flora, depois de um instante:

— Para que,quê, se não ha presidenciapresidência?

Supponho SupponhaSuponha que ha.

— É preciso suppor suppôrsupor muito, — que ha presidenciapresidência e que a provinciaprovíncia é a do Rio. Não, não ha nada.

— Então supponhasuponha só metade, — que ha presidenciapresidência e que é MattoMato Grosso.

Flora teve um calefrio. Sem admittiradmitir a nomeação, tremeu ao nome da provinciaprovíncia. Pedro lembrou ainda o Amazonas, Pará, PiauhyPiauí... Era o infinito, mormente se o paepai fizesse boa administração, porque não sairia voltariavoltaria tão cedo. Ja agora a moça resistia

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menos, achava possivelpossível e abominavelabominável, mas dizia isto para si, dentro do coração. De repente, Pedro, quasiquási estacando o passo:

— Se elleele fôrfor, eu peço ao governo o logarlugar de secretario, e secretario esecretário e vou tambemtambém.

A luz intermittenteintermitente das lojas, reflectindo lojas reflectindolojas refletindo no rosto da moça, áà medida que elleseles impiam passando por ellaselas, ajudava a dos lampiões da rua, e mostrava no na meninaa emoção daquelladaquela promessa. Sentia-se que o coração de Flora devia estar batendo muito. Em breve, porém , cocomeçoucomeçou ellaela a pensar outra pensar em outra cousa. Natividade não consenteriaconsentiria nunca; depois, um estudante... Não podia ser. Pensou em algum escandaloescândalo. Que elleele fugisse,

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embarcasse, fosse atraz dellaatrás dela...

Tudo isto era visto ou pensado em silenciosilêncio. Flora não se admirava de pensar tanto e tão atrevidamente; era como o peso do corpo, que não sentia;sentia: andava,andava, pensava, como transpirava. Não calculou sequer o tempo que ia gastando em imaginar e desfazer ideias. Que isto lhe déssedesse mais prazer que desprazer, é certo. Ao pé delladela, Pedro ia naturalmente cuidando, com os olhos nos sapatos pés epés, e os pés nas nuvens. Não sabia que dissesse no meio de tão longo silenciosilêncio. Entretanto, a solução parecia-lhe unicaúnica. Já não pensava na presidenciapresidência do Rio. Queria-se com ellaela, no ponto mais remoto do imperioimpério,

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sem o irmão. A esperança de se desterrarem assim de Paulo verdejou na alma de Pedro. Sim, Paulo não iria tambemtambém; a mãe não se deixaria ficar desamparada. Que perdesse um filho, vá; mas ambos...

A quem quer que todo este final do monologomonólogo intimo pareça egoistaegoísta, peço-lhe pelas almas dos seus parentes e amigos, que estão no ceucéu, peço-lhe que não des culpe considereconsidere bem as cousascausas. Considere o estado da alma do rapaz, a proxi contiguidade da moça, as raízes raizes e as flores da paixão, a propriaprópria idade edade de Pedro, o mal da terra, e /o\o bem da mesma terra. , e a necessidade de ambos,... Considere Considere mais a vontade do ceucéu, que vela

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por todas as creaturascriaturas que se querem, salvo se uma só é que quer a outra, porque então o ceucéu é um poço abysmoabismo de iniquidades, e não telhe a imagem, se importe esta imagem. Considere/a\Considere tudo, amigo; deixa-medeixe-me ir contando só e contando mal o que se passou naquellenaquele curto tranzito transitotrânsito entre as duas casas. Quando la chegaram, falavam um com fade boca. bôca.boca.

Em cima, como viste, continuaram a falar, até que o assumptoassunto da presidenciapresidência voltou. Foi e/E\ntão ella que uma ideia rutilou no espirito de Flora. Não foi assi veiu á toa, mas depois que de notar que Ayres parecia occupar-se mais com elles que com os outros. Ayres podia... sim... podia.... Era seu amigo, della, Flora notou então a cautelosa insistenciainsistenciainsistência comcom que queque AyresAyresAires olhava paraolhava para elles,elles,eles, como se buscasse adivinhar acomo se buscasse adivinhar a materiamateriamatéria da conversação. Sentia que não estivesseda conversação. Sentia que não estivesse alli tambem,ali também, ouvindo e falando, finalmenteouvindo e falando, finalmente

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promettendoprometendo fazer alguma cousa por ellaela. AyresAires podia, sim, — era seu amigo e todos o tinham em grande conta, — podia intervir e destruir o projecto da presidencia.presidência. Sem

Sem querer nem saber, diziadiria isto mesmo com os olhos ao velho diplomata. Retirava-os, mas elleseles d iam de si mesmos repetir o monologomonólogo, e acaso perguntar alguma cousa que elle AyresAires não percebia e devia ser interessante. Pode Póde ser que reflectissemrefletissem algum a angustiaa angústia ou o que quer que era que lhe doía doia dentro. Pode Póde ser; a verdade é que Pode AyresAires começou a ficar curioso, e não tardoutão depressa Pedro deixou o logarlugar para acudir ao chamado da

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mãe, deixou elleele Natividade para ir falar áà moça.

Flora, ja de pé, mal teve tempo de trocar duas palavras, porque a mãe despedia-se da dona da casa e da irmã; Precisava precisava de repousa/o\. As duas palavras, porém, eram dessastrocar duas palavras, dessas que se não podem interromper sem dor dôr ou prurido, ao menos. AyresAires perguntava-lhe se nunca lhe disséradissera que sabia adivinhar. Que não

— Não, senhor.

— Pois sei; adivinhei agora mesmo que me quer dizer um segredo.

Flora ficou espantada. e vexada Não querendo negar nem confessar, respondeu-lhe que só adivinháraadivinhara metade.

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— A outra é...?

— A outra é pedir-lhe um obsequioobséquio de amizade.

— Peça.

— Não, agora não;, e depoisjá nos vamos embora; mamãe e papaepapai estão fazendo as despedidas. Só se fôrfor na rua. Quer vir comnoscoconosco a S.São Clemente?

— Com o maior prazer.

 
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CapituloCapítulo LV LIII

Confidencias

De confidenciasconfidências.

Entenda-se que não. Não era com prazer maior nem menor. Era imposição de sociedade, desde que Flora o pedira, não sei se discretamente. Que a isto se ligasse tal ou qual desejo de saber algum segredo, não serei eu que o negue, nem tu, nem elleele mesmo. Ao cabo de alguns d instantes, AyresAires ia sentindo como esta pequena lhe accordavaacordava umas vozes mortas, ou falhadas ou não nascidas, nascidas, vozes de paepai. Os gemeosgêmeos não

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lhe deram um dia a mesma sensação, senão porque eram filhos dade Natividade antiga. Aqui não era a mãe, de era a mesma Flora, o seu gesto, a sua fala, e porventura por ventura a sua fatalidade.

— Mas quer-me parecer que desta vez ellaela está pegada;presa; escolheu emfimenfim, pensou AyresAires.

Flora disse-lhe o que ja sabes, falou-lhe da presidencia,falou-lhe da presidência, mas não lhe pediu segredo, como as outras pessoas; ao contrario confessou-lhe que não queria ir daqui, fosse para onde fosse, e acabou dizendo que tudo estava nas mãos delledele. Só elleele podia despersuadir o paepai de acceitaraceitar a presidencia.presidência. AyresAires achou tão absurdo este pedido que esteve a pique de quasi aquási a rir, mas susteve-se bem. A

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palavra de Flora era grave e triste. , quasi lacrymoza . Ayres AyresAires respondeu, com brandura, que não podia não/ada\nada.

Pode Póde muito, todos attenção/dem\attendematendem aos seus conselhos.

— Mas eu não dou conselhos a ninguem ninguem,ninguém, acudiu AyresAires. Conselheiro é um titulotítulo que o imperador me deu,conferiu, por achar que não o mereço mais. E só lhe posso dar o merecia, mas não obriga a dar conselhos; a elleele mesmo só lh’oslhos darei, se m’osmos pedir. Isto ao m Imagine agora se eu vou áà casa de um homem ou mando chamal-ochamá-lo áà minha para lhe dizer que não seja presidencia/te\presidente de provinciaprovíncia. Que razão lhe daria?

Não tinha razõesrazões a moça; tinha

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necessidade. AppellouApelou para os talentos do ex-ministro, que acharia uma razão boa. Nem se precisavam razões, bastava o falar delledele, a arte com que Deus lhe dera de agradar a toda a gente, de a arrastar, de influir, de obter o que quizessequisesse. AyresAires viu que ellaela exagerava para o attrairatrair, e não lhe pareceu mal. Não obstante, contestou taos taestais meritosméritos e virtudes. Deus não lhe dera arte nenhuma, disse elleele, mas a moça ia sempre affirmandoafirmando, em tal maneira que AyresAires suspendeu a contestação, e fez uma promessa:promessa.

— Vou pensar; amanhã ou depois, se achar algum recurso, tentarei o negocio;/.\negocio.negócio. mas hade guardar segredo.

367 fólio repetido
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Era um palliativopaliativo. Era tambemtambém um modo de fazer cessar a conversação, estando a casa proximapróxima. Não cont podia contar contava com o paepai de Flora, que áà fina força lhe quizquis mostrar, áquellaàquela hora, uma novidade, importante, aliás uma velharia, um documento de valor diplomaticodiplomático. «Venha, suba, cinco minutos apenas, conselheiro.»

AyresAires suspirou em segredo, e deixou-se levar pelo curvou a cabeça ao Destino. Não se luta contra contra elleele, dirás tu; o melhor é deixar que nos pegueque pegue pelos cabelloscabelos e nos arraste até onde lhe ap queira alçar-nos ou despenhar-nos. Baptista nem lhe deu tempo de reflectirrefletir; era todo desculpas.

— Cinco minutos e está livre de mim, mas verá que lhe pago o obsequio sacrificiosacríficio.

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O gabinete estava bemera pequeno; poucos livros e bons, os moveismóveis graves, um retrato pelo de Baptista com a farda de presidente, um almanackalmanaque sobre a mesa, um mappamapa na parede, algumas alembrançaslembranças do governo da provinciaprovíncia. EmquantoEnquanto AyresAires circulava os olhos, Baptista foi buscar o documento. Abriu uma gaveta, tirou uma pasta, abriu a pasta, tirou o documento, um um p então só, mas com outros papeis. Este conhecia-seque não estava só, mas com outros. Conhecia-se logo, por ser um papel velho, amarelloamarelo, em partes roidoroído. Era uma carta do conde de OeyrasOeiras, escriptaescrita ao represeministro de Portugal na HollandaHolanda. A a a Carta importante, mas lon longa † mas o conselheiro podia

— É o dia das reliquias, antiquidades,antiguidades, pensou Ayres; a taboleta, o tinteiro, este autographo..., pensou Aires, a tabuleta, o tinteiro, este autógrafo...

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— A carta é longaimportante, mas longa, disse Baptista, não podemos lel-alê-la agora. Quer leval-alevá-la?

Não lhe deu tempo de responder; pegou de uma sobrecarta grande e metteumeteu dentro o manuscriptomanuscrito, com esta nota por fórafora: «Ao meu Ex.mo excellentissimoexcelentíssimo amigo Conselheiro Ayres». conselheiro Ayres. »conselheiro Aires.» EmquantoEnquanto elleele fazia isto, AyresAires passa/va\passava os olhos pelos/a\pela livros.lombada de alguns livros. Entre elleseles havia dousdous RelatoriosRelatórios da presidenciapresidência de Baptista, ricamente encadernados.

— Não me attribuaatribua esse luxo, acudiu o exp/-\presidenteex-presidente; foi um mimo da secretaria do Governo que nunca fez isto a a ninguemninguém. Era um pessoal muito distinctodistinto.

E foi áà estante e tirou um dos relatoriosrelatórios para ser melhor visto. Aberto,

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mostrou a impressão e as vinhetas; lido, podia mostrar o estyloestilo por um lado, e, por outro, a prosperidade das finanças. Baptista limitou-se aos algarismos totaestotais: despeza,despesa, 1,294: 790$000; receita , 1,55/4\4: 209$000; saldo, 294: 419$mil duzentos e noventa e quatro contos, setecentos e noventa mil reisréis; receita, mil, quinhentos quarentae quarenta e quatro contos, duzentos contos duzentos e nove mil reisréis; saldo, duzentos e quarenta e nove contos, quatrocentos e dezenove mil reisréis. Verbalmente, explicou o saldo, que alcançou pela modificação de alguns serviços, e por um pequeno augmentoaumento de impostos. Reduziu a dividadívida provincial queprovincial, que achou em trezentos e oitenta e quatro contos, e

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deixou em trezentos e cincoentas cincoentacinquenta contos. Fez obras iniciobras, iniciounovas e concertos novas e consertos importantes; iniciou uma ponte...Quiz mostrar outras providencias, quando ouviram,

— A encadernação corresponde á materiaà matéria, disse AyresAires para concluir a visita.

Baptista fechou o livro, e redarguiu que ja agora não iria sem lhelhe resolver uma consulta.

— Tudo ásàs avessas, concluiu; eu, deeu de manhã resolvo consultas, agora áà noite sou eu que as faço.

Tal foi o introito, mas do introito ao c/C\redoCredo ha sempre um passo estirado, e o principal da missa para elleele estava no c/C\redoCredo. Não achando o texto do missal, explicou-lhe uma penna sinete,

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deu uma pennapena de ouro, um exemplar do CodigoCódigo Penal.Criminal. O codigo CodigoCódigo, posto que velho, valia por trinta novos, não que tivesse melhor textorosto, se nãosenão que trazia annotações manuscriptasanotações manuscritas de um grande manuscript advogado tendojurista, Fulano. Tendo passado longa parte da vida no exterior, o Conselheiroconselheiro mal conheciamal conhecera o autor das notas, mas desde que ouviu chamar-lhe grande, assumiu a expressão adequada. Pegou do codigoCódigo com veneração, e abriu levou as folhas com cuidado leu cuidado, leu algumas dasmargens notas com veneração.

Durante esse tempo, Baptista ia tomando criando, folego criando folegocriando fôlego. e criando folego. CompozCompôs uma phrasefrase para iniciar a consulta, e só esperava que o ou AyresAires fechasse o livro

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para soltal-a; massoltá-la; mas o outro ia demorando o exame do CodigoCódigo. Podia ser uma pontinha de malignidade, mas não era. Os olhos de AyresAires tinham uma faculdade particular, menos particular do que parece, porque outros a possuirãm/o\possuirão calados. Vinha a ser que elleseles não saíam da pagina, mas em verdade ja lhe prestava menos attençãoatenção; o tempo, a gente, a vida, cousas passadas, surdiam a espial-oespiá-lo por detrazdetrás do livro com que tinham vid/v\ida/o\vivido, e AyresAires vinha ia tornando a ver um Rio de Janeiro que não era este, ou a apenas o faria lembrado?fazia lembrado. Nem cuides que eram só reosréus e juizes, pallidos e togados, era juizes, erajuízes, era o passeio, a rua, a festa, p velhos patuscos e mortos, rapazes a

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frescos e agora enferrujados, comoenferrujados como elle. Quando † elleele. Baptista tossiu,tossiu. AyresAires voltou a si , e leu alguma das notas que o outro devia trazer de córcor, mas eram tão profundas! EmfimEnfim, viu a data a vi da impressão, achou o livro bem consmirou a encadernação, e achou o livro bem conservado, e/f\echou-ofechou-o e pousou-o a estante. restituiu-o á bibliotheca.restituiu-o à biblioteca.

Baptista não perdeu um minuto,instante, correu immediato inmediatoimediato ao assumptoassunto, com medo de o ver pegar em outro livro.

— Confesso-lhe que tenho o temperamento conservador.

TambemTambém eu guardo presentes antigos.

— Não é isso; refiro-me ao temperamento politicopolítico. Verdadeiramente ha opiniões e temperamentos. Um homem

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pode póde muito bem ter o temperamento opposto ásoposto às suas ideias. As minhas ideias, se as cotejarmos com os programmas politicosprogramas políticos do mundo, são antes liberaesliberais e algumas liberrimaslibérrimas. O suffragiosufrágio universal, por exemplo, é para mim a pedra angular augular de um bom regimenregímen representativo. Ao contrariocontrário, os liberaesliberais pediram e fizeram a/o\o eleição voto censitariovoto censitariovoto censitário.,esqueci Hoje estou mais adiantado que elleseles; acceitoaceito o que está, por ora, mas antes do fim do seculoséculo é preciso rever alguns artigos da c/C\onstituiçãoConstituição, dous eou treztrês.

AyresAires escondia o espanto... Convidado assim áquellaàquela hora... Uma profissão de fé politicapolítica... Baptista tambem não cria muito, mas insistiu na insistiuinsistia na

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igual distincção dodistinção do temperamento que pelase das ideias. Alguns amigos velhos, que conheciam esta dualidade moral e mental, é que teimavam em querer que elleele aceitasse acceitasse uma presidenciapresidência; com elleele não queria. Francamente, que lhe parecia ao conselheiro ?

— Francamente, acho que não tem razão.

— Que não tenho razão em quê?

— Em recusar.

— Propriamente, não recusei ainda ninguem me trouxe propostas, mas sei que trabalham, e eu que o que desejo, de nada; ha um grandenada; há um grandegrande trabalho neste sentido, e o meu desejo, (acrest accrescentouacrescentou com mais cl clareza, — é que os bons amigos sagazes me digam se tal cousa é acertada; não me parece que seja...

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— Eu penso que é.

— De maneira que, se o caso fosse com o senhor...

Commigo Commigo,Comigo não podia ser. Sabe que eu ja não sou deste mundo, e politicamente nunca figurei em nada. A diplomacia tem esta/e\este mal effeitoefeito que separa a/o\o gente funccionariofuncionário dos seu partidos e o deixa tão alheio a elleseles, que por ficar fica impossivelimpossível de opinar com verdade, ou, quando menos, com certeza.

— Mas não me disse que acha...

— Acho.

— ...Que posso acceitaraceitar uma presidenciapresidência, se me offereceremoferecerem?

Pode Póde; uma presidencia acceita-se.presidência aceita-se.

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— Pois então saiba tudo; é a unicaúnica pessoa de sociedade com quem me abro assim francamente. A presidenciapresidência foi-me offerecidaoferecida.

Acceite, acceiteAceite, aceite.

— Está acceitaaceita.

— Já?

— O decreto assigna-se sabbadoassina-se sábado.

— Então acceiteaceite tambemtambém os meus parabensparabéns.

— Propriamente, a lembrança não f foi do ministerioministério; ao contrariocontrário, o ministerioministério não se resolveu antes de saber se effectivamenteefetivamente fiz uma eleição contra os liberaesliberais, ha annosanos; mas logo que soube que por não os perseguir é que fui demittidodemitido, acceitouaceitou a indicação

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de alguns chefes politicospolíticos, e reced/b\irecebi pouco depois este bilhete.

O bilhete estava no bolso, dentro da carteira. Qualquer outro, alvoroçado com a nomeação proximapróxima, levaria tempo a achar o bilhete no meio dos papeispapéis; mas Baptista possuiapossuía a/o\o bossa da veneração. tacto dos textos.tato dos textos. Tirou a carteira, abriu-a descançadodescansado e com os dedos saccousacou o bil bilhete do ministro convidandoconvidando-o Baptista a uma conversação. Na conversação ficou tudo assentado.

 
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CapituloCapítulo LIVI

EmfimEnfim, só!

EmfimEnfim, só! Quando AyresAires se achou na rua, só, livre, solto, entregue a si mesmo, sem grilhões nem considerações, respirou largo. Fez um monologomonólogo, que dahi d’ahidaí a pouco interrompeu por se lembrar da/e\de Flora. Tudo o que ellaela não quizeraquisera ia acontecer; lá ia aoo paepai a uma presidenciapresidência, e elle/a\ellaela com ella/e\elleele, e estaa recente inclinação ao jovenjovem Pedro vinha parar a meio caminho. Entretanto, não se arrependia

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do que dissera e ainda menos do que não dissera. Os dados estavam lançados. Agora era cuidar de outra cousa.

 
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CapituloCapítulo LVII

«A mulher é a desolação do homem»homem.»

Ao despir-sedespedir-se, fez AyresAires uma reflexão, que ponho aqui, para o caso de que algum leitor a tenho feito tambemtambém. A reflexão foi obra de espanto, e o espanto nasceu de ver como um homem tão difficildifícil em ceder ásàs instigações da esposa ( Vae-te, SatanazVai-te, Satanás, etc. cap. etc.; capitulo XLVII)etc.; capítulo XLVII) XLIX) XLVII) deitou tão facilmente o habito áshábito às

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ortigas. Propriamente não foi reflexão, foi pergunta, e o nosso Ayres não na lhe achou logo resposta. Nem a acharia port/v\entura, seortigas. Não achou explicação, nem a acharia, se não soubesse o que lhe disseram mais tarde, a saber, quetarde, que os primeiros passos da conversão do homem foram fôram dados pela mulher. «A mulher é a desolação do homem», dizia não sei que philosophofilosófo socialista, creio que Proudhon. Foi ellaela, a viuvaviúva da presidenciapresidência, que por meios variosvários e secretos, ia conseguir contrahir stramou passar a segundas nupciasnúpcias. Quando o marid Baptista elle soubeele soube do namoro, ja os banhos estavam corridos; não havia mais que consentir e casar tambemtambém.

Ainda assim, custou-lhe mu muito. O clamor dos seus aturdia-lhe de antemão os ouvidos, a alma ia

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cega, e/t\ontatonta, mas a esposa servia -lhe de guia e amparo, e, com poucas horas, Baptista viu claro e ficou firme.

— Estamos áà porta orta do terceiro reinado, ponderou D. ClaudiaDona Cláudia, e certamente o partido liberal não deixa tão cedo o poder. Os seus homens são válidos, a inclinação dos tempos é para o liberalismo, e você mesmo...

— Sim, eu... suspirou Baptista.

D. ClaudiaDona Cláudia não suspirou, cantou victoriavitória; a reticenciareticência do marido era a primeira figura de acquiescenciaaquiescência. Não lhe disse isto assim, nu e cru; tambemtambém não revelou alegria descomposta; falou sempre a linguagem da razão fria e da vontade certa. Baptista, sentindo-se

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apoiado, caminhou para a o abysmoabismo e deu o salto nas trevas. Não o fez sem graça, nem com ellaela. Posto que a vontade que trazia fosse de emprestimoempréstimo, não lhe faltava desejo a que a outra deu vida e fortaleza e dahivontade da esposa deu vida e fortalezaalma. DahiDaí a autoria de que elle se acabou por investir-se se investiu e acabou confessando.

Tal foi a conclusão de AyresAires, segundo se lê no Memorial. Tal será a do leitor,† se, em verdade, sabe tambem se gosta tambem de concluir alguma cousa. Note que aqui lhe ponho se gosta de concluir. Note que aqui lhe poupei o trabalho de AyresAires; não o obriguei a achar por si o que, de outras vezes, é obrigado a fazer. O leitor attentoatento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estomagosestômagos no cerebrocérebro, e por

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elleseles faz passar e repassar os actosatos e os factosfatos, até que os explica. por den delles deduz a verdade, que estava, ou parecia estar escondida.

 
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CapituloCapítulo LVIX

O golpe.

O dia seguinte trouxe áà menina Flora a grande novidade. SabbadoSábado seria assignadoassinado o decreto; a presidenciapresidência era no norte. D. ClaudiaDona Cláudia não lhe viu a pallidezpalidez, nem sentiu as mãos frias, continuou a falar do caso e do futuro, até que Flora, querendo sentar-se, quasiquási caiu. A mãe acudiu-lhe: «Que

— Que é? Que tens?

— Nada, mamãe, não é nada.

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A mãe fel-afê-la sentar-se.

— Foi uma tonteira, passou.

D. ClaudiaDona Cláudia deu-lhe a cheirar um pouco de vinagre, esfregou-lhe os pulsos; Flora sorriu.

— Este sabbadosábado? perguntou.

— O decreto? Sim, este sabbadosábado. Mas não digas por ora a ninguemninguém; são segredos de gabinete. É cousa certa; emfimenfim, alguemalguém nos fez justiça; provavelmente o imperador. Amanhã irás commigocomigo a algumas encommendasencomendas. Faze uma lista do que precisas.

Flora precisava não ir e só pensava nisso. Uma vez que o decreto estava prestes a ser assignadoassinado, não havia ja desaconselhar a nomeação; restava-lhe

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a ellaela ficar. Mas como? Todos os sonhos são propriospróprios ao somnosono verde de uma creançacriança. Não era facilfácil, mas não seria impossivelimpossível. Flora cria tudo; não tirava o pensamento de AyresAires, e ja agora de Natividade tambemtambém. Os podous podiam fazel-ofazê-lo, ou antes os tres treztrês, se contardes tambemtambém o barão, e se vier a cunhada deste, quatro. Juntai aos quatro , as cinco estrellasestrelas do Cruzeiro, as nove musas, anjos e archanjosarcanjos, virgens e martyresmártires... Juntai-osJuntai-os tod todos, e todos poderiam fazer esta simples acçãoação de impedir que Flora fosse p para a presidencia provinciaprovíncia. TaesTais eram as esperanças vagas, rapidasrápidas, que vinhamcorriam a substituir as tristezas do rosto da moça,

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em qqa emquantoenquanto a mãe, attribuindoatribuindo o effeitoefeito ao vinagre, ajustava a rolha de vidro ao frasco, e restituiarestituía aoo frasco ao toucador.

— Faze uma lista do que precisas, repetiu áà filha.

— Não, mamãe, eu não preciso nada.

— Precisas, sim, eu sei doo que precisas.

 
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CapituloCapítulo LVIII LIX LVII

Das encommendasencommendas.encomendas.

Não escreveria este capitulocapítulo, se elleele fosse propriamente das encommendasencomendas, mas não é. Tudo são instrumentos nas mãos da Vida. As duas sairamsaíram de casa, uma lepidalépida, a outra melancolicamelancólica, e lá foram fôram a escolher uma infinidade quantidade de objectosobjetos de viagem e de uso pessoal. D. ClaudiaDona Cláudia pensava nos vestidos da primeira recepção e de visitas; também ideou o do desembarque. Tinha ordem do marido para comprar algumas gravatas. Os chapeoschapéus,

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entretanto, foram fôram o principal artigo da lista. Ao parecer de D. ClaudiaDona Cláudia, o chapeochapéu da mulher é que dava a nota verdadeira da/o\do elegancia,gosto, das maneiras e da cultura da/e\de uma sociedade. Não valia a pena acceitaraceitar uma presidenciapresidência para levar chapeoschapéus do anno p sem graça, dizia ellaela sem convicção, porque intimamente pensava que a presidenciapresidênciadavagraça a tudo.

Estavam justamente na loja de chapeoschapéus, rua do Ouvidor, sentadas, os olhos fórafora e longe, quando a verdadeira materiamatéria deste capitulo appareceucapítulo apareceu. Cham Não era Pedro, era Era o gemeoEra o gêmeo Paulo, que chegara pelo trem nocturnonoturno, e sabendo que ellaselas andavam a compras, viera procural-asprocurá-las.

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— O senhor! exclamaram.os dous. as duas.

— Cheguei esta manhã.

Flora tinha-se levantado, com o alvoroço que lhe deu a vista inesperada de Paulo. ElleEle correu a ellaselas, apertou-lhes as mãos, indagou da saudesaúde, e reconheceu que pareciam vender saudesaúde e alegria. Realm CerA impressão era exactaexata; Flora tinha agora uma agitação, que contrastava com a apathiao abatimento daquelladaquela triste manhã, e um riso que a fazia alegre.

— Tive sempre noticiasnotícias das senhoras, que mamãe me dava,, e Pedro tambemtambém, ásàs vezes. Da senhora, continuou elleele falando a D. ClaudiaDona Cláudia, recebi duas cartas. Como vaevai o doutor?

— Bem.

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— Ora, emfimenfim!, cá estou!

E Paulo dividia os olhos com as duas, mas a melhor parte ia naturalmente para a filha. Pouco depois era todo e pouco para esta. D. Claudia voltáraDona Cláudia voltara áà escolha dos chapeoschapéus, e Flora, que até então opinava de cabeça, perdeu este ultimoúltimo gesto. Paulo sentou-se na cadeira que um empregado lhe trouxe, e ficou a olhar para a moça; falavam-se de cousas minimasmínimas, alheias ou propriaspróprias, tudo o que bastasse para os reter disfarçadamente na contemplação um do outro. Paulo viera o mesmo que fora fôra, o mesmo que Pedro, sempre com alguma nota particular, que se ellaela não podia aclaachar claramente,

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nemmenos ainda definir. Era um mysteriomistério; Pedro teria o seu.

D. ClaudiaDona Cláudia interrompia-os, de vez em quando, a propositopropósito de chapeosda escolha; mas, tudo acaba, até a escolha de chapeoschapéus. Foram dalli Fôram d’alliForam dali aos out vestidos aos vestidos. Paulo, não sabendo da presidenciapresidência, estimou esta casualidade para as acompanhar de loja em loja. Contava anecdotasanedotas de S.São Paulo, sem grande interesse para ella;Flora; as noticiasnotícias que ellaela lhe dava, àcerca dava ácercadava acerca das amigas, eram mais ou menos dispensaveisdispensáveis. Tudo valia pelos dous interlocutores. A rua ajudava aquella absorpção reciprocaaquela absorção recíprocaaps; as pessoas que iam ou vinham, damas ou cavalheiros, parassem ou não, serviam

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de ponto de partida a alguma digressão. As digressões davamentraram a dar as mãos ao silenciosilêncio, e os dous seguiam com a mãe os os olhos espraiados e a cabeça alta, elleele mais que ellaela, porque uma pontinha de melancolia começava a espancar do rosto da moça a satisfação da ultimalegria da hora recente.

Na rua Gonçalves Dias, indo para o largo da Carioca, Paulo viu dous ou tres treztrês politicospolíticos de S.São Paulo, re republicanos, parece que fazendeiros. Havendo-os deixado lá, admirou-se de os ver aqui, sem advertir que a ultimaúltima vez que os viu vira ia ja a alguma distanciadistância.

Conhecia/em\Conhecem? perguntou ásàs duas.

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Não, não os conheciam. Paulo disse-lhes os nomes. A mãe talvez fizesse alguma pergunta política, mas deu por falta de um objectoobjeto, advertiu que o não compráracomprara, e propozpropôs voltarem atrazatrás. Tudo era acceitoaceito por ambos, com dolicidocilidade, apezarapesar do veuvéu de tristeza, que se ia cerrando mais no rosto da moça. AquellasAquelas encommendasencomendas tinham ja um ar d de bilhetes de passagem, não tardava o paquete, iam correr ásàs malas, aos arranjos, ásàs despedidas, ao camarote de bordo,ao ao enjoo enjôo de mar, e áquelleàquele outro de mar e terra, que a mataria, com certeza, cuidava Flora. DahiDaí o silenciosilêncio

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crescente, que Paulo mal podia vencer de quando em quando; e comtudocontudo ellaela estava bem com elleele, gostava de lhe ouvir dizer cousas soltas, algumas novas, outras velhas, recordações anteriores áà partida daqui para S.São Paulo.

Assim se deixaram ir, guiados por D. ClaudiaDona Cláudia, quasiquási esquecida de dellesdeles. No meio daquelladaquela conversação truncada, mais entretida por elleele que por ellaela, Paulo sentia impetosímpetos de lhe perguntar, ao ouvido, na rua, se pensára nellepensara nele, ou, ao menos, sonhárasonhara com elleele algumas vezesnoites. Ouvindo que não, daria expansão espansão á coleraà cólera, dizendo-lhe os ultimos improperiosúltimos impropérios;

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se ellaela corresse, correria tambemtambém, até pegal-apegá-la pelas fitas do chapeochapéu ou pela manga do vestido, e, em vez de a esganar, dançaria com ellaela uma valsa de Strauss ou uma polkapolca de ***. Logo depois, d ria destes deliriosdelírios, porque, a despeito da melancolia da moça, os olhos que ellaela erguia para elleele eram d de quem sonhou e pensou muito na pessoa, e agora cuida de descobrir se é a mesma do sonho e do pensamento. Assim p lhe parecia ao estudante de direito; pelo que, quando elleele desviava o rostorosto, era para repetir a experienciaexperiência e tornar a ver-lhe os olhos aguçados do mesmo espiritoespírito

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criticocrítico e de livre exame. Quanto ao tempo que os tres treztrês gastaram nessa agitação de compras e escolhas, visões e comparaçoescomparações, não ha memoriamemória delledele, nem propriamente necessidade. Tempo é propriamente officioofício de relogiorelógio, e nenhum dellesdeles consultou o relogiorelógio que trazia.

 
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CapituloCapítulo VIX LVIII

Matar saudades. 

Ora bem, acabas de ver como Flora recebeu o irmão de Pedro; tal qual recebia o irmão de Paulo. Am de Paulo. Ambos eram apostolosapóstolos. Paulo achava-a agora mais bonita que alguns mezesmeses antes, e disse-lh’odisse-lho nessa mesma tarde em S.São Clemente, com umaesta palavra cordfamiliar e cordial:

— A senhora está enfeitando muito.enfeitou muito.

Flora achavajulgava a mesma cousa, relativamente ao estudante de direito; mas

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calou a impressão. Em caza sentiuOu a tristeza que trazia, ou qualquer outra sensação particular, fel-afê-la acanhada, depoisa principio.a princípio. Não tardou, porém, que achasse outra vez o gemeogêmeo no gemeogêmeo, e que elleele e ellaela matassem saudades.

Como é que se matam saudades não é cousa que se explique de um modo claro. ElleEle não ha ferro nem fogo, corda nem veneno, e todavia as saudades expiram, para resuscita a ressurreição, no terceiro dia depoisalguma vez antes do terceiro dia. Ha quem creia que, ainda mortas, são doces, mais que doces. Esse ponto, no nosso caso, não pode póde ser ventilado, nem eu quero desenvolvel-odesenvolvê-lo, como aliás cumpria. Vamos andando ao passo do capitulo, que é curto. Vamos andandoao passo do estylocumpria.

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As saudades morreram, não todas, nem logo, logo, mas em parte e tão vagarosamente que Paulo acceitouaceitou o convite de la jantar. Era o dia da chegada; Natividade quizera tel-o comsigoquisera tê-lo consigo áà mesa, ao pé de Pedro, para cimentar a pacificação começada pela distanciadistância. Paulo nem se deu ao trabalho de lá mandar; deixou-se estar com a bella creaturabela criatura, entre o paepai e a mãe que pensavam em outra cousa, proximapróxima no tempo e remota no espaço. Sabendo o que era, Flora passava do prazer ao tediotédio, e Paulo não entendia essa alternação de sentimentos. De quando em quando, vendo a mãe agitada e preoccupadapreocupada, mas

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com outra expressão, Paulo interrogava a filha. Em vez de dar uma explicação qualquer, Flora passou a/u\mauma vez asa mão pelos olhos e ficou alguns instantes sem os descobrir. A acçãoação do estudante de direito, devia ser arredar-lhe a mão, encaral-aencará-la de perto, mais perto, totalmente perto, e repetir a pergunta por um modo em que a eloquenciaeloquência do gesto dispensasse a fala. Se tal ideia teve, não saiu cá fórafora. Nem ellaela lhe consentiu mais tempo que o da pergunta:

— Que é que tem?

— Nada, respondeu Flora.

— Tem alguma cousa, insistiu elleele

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querendo pegar-lhe na mão.

Não acabou o gesto, não o começou sequer; não o esboçou;abriu e fechou os dedos apenas, emquanto ellaenquanto ela sorria para sacudir tristezas, e deixou-se estar a matar saudades.

 
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CapituloCapítulo LXI LIX

Noite de 1414.

Tudo se explicou áà noite, em casa da gente familiafamília Santos. O ex-presidente de provinciaprovíncia confessou as esperanças de uma investidura nova; a esposa affirmouafirmou a iminência imminencia eminencia do acto.do ato. DahiDaí a publicidade da noticianotícia, que pouco antes D. ClaudiaDona Cláudia só dizia em segredo. Já não havia segredos que calar.

Paulo soube então tudo, e Pedro, que mal conhecia alguns preliminares, acabou sabendo o resto. Ambos naturalmente

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sentiram a separação proximapróxima. A dor dôr os fez amigos por instantes; é uma das vantagens dessa grande e nobre sensação. Já me não lembra quem affirmavaafirmava, ao contrariocontrário, que um odio commumódio comum é o que mais liga duas pessoas. Creio que sim, mas não descreio do meu postulado, por esta razão que uma cousa não tolhe a outra, e ambas podem ser verdadeiras.

De restoDemais, a dor dôr delles não era propriamenteainda o desespero. Havia até uma consolação para os dous gemeosgêmeos: é que a moça ficaria longe de ambos, uma vez que a provincia escolhida não era fosse era S. Paulo nem Rio de Janeiro. Nenhumambos. Nenhum dellesdeles teria o gosogozo

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exclusivo da presença proximaao pé da porta. Não ha mal que não traga um pouco de de bem, e por isso é que o mal é utilútil, muita vez indispensavelindispensável, alguma vez delicioso. Os dous quizeramquiseram falar áà boa amiga, amiguinha, em particular, para sondal-a ácerca daquellasondá-la acerca daquela separação, , ja agora certa, mas nenhum conseguiu este desejo. Vigiavam-se, isso sim. Quando lhe falavam, era sempre juntos, e de cousas elegantes ou somentefamiliares e ordinariasordinárias. O gesto de Flora não traduzia o estado da alma; esp/t\eeste podia ser lepido,lépido, ou melancolicomelancólico, acasoou indifferenteindiderente, não vinha cá fórafora. Em verdade, ellaela falava pouco. Os olhos tambemtambém não diziam muito. Mais

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de uma vez, Pedro deu com ellaela fitando Paulo, e gemeu com a preferenciapreferência, mas tambemtambém elleele era prefe era preferido depois, e achava a compensação; Paulo então é que rangia os dentes, figuradamente. Natividade, toda entregue áà sua recepção, que era a ultimaúltima do annoano, não acompanhou de perto as agitações moraes daquellemorais daquele trio. Quando deu por ellaselas, chegou a sentil-as tambemsenti-las também.

Pouco a pouco, a gente se foi dispersando. Não era muita, e dominava a nota intima.íntima. Quando a maioria parte fica saiu, ficou só a porção mais intimaíntima, tres treztrês ou quatro homens a um canto da sala, falando e rindo

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de ditos e anecdotasanedotas. Não conversavam de politicapolítica, e aliás não faltaria materiamatéria. As mil moças, aliás pela segunda ou terceira vez, trocavam as impressões do grande baile recente. TambemTambém falavam de musicasmúsicas e theatrosteatros, das f festas proximaspróximas de PetropolisPetrópolis, e da gente que a ia naquellenaquele annoano, e da que só iria em Janeiro. Natividade dividia-se com todos, até que, podendo ficar alguns instantes com AyresAires, confiara -lhe ainda o seu temorreceio ácercaacerca do amor dos filhos, e ao mesmo tempo o prazer que lhe trazia a esperança de uma longa separação de Flora. O conselheiro não desdizia do receio, nem da esperança. , e concluia:

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— É uma felicidade que o Baptista seja nomeado e leve a filha daqui, disse ella.— É uma felicidade que o Baptista seja nomeado e leve a filha daqui, disse ela.

— Certamente, mas...

— Mas quê?

— Certamente a levará, mas a senhora pode póde não conhecer bem aquellaaquela menina.

— Penso que é boa.

TambemTambém eu penso assim. A bondade, porém, não tem nada com o resto da pessoa. Flora é, como ja lhe disse ha tempos, uma creaturainexplicavelinexplicavelinexplicável. Agora é tarde para lhe explicardizer expôrexpor os fundamentos da minha impressão; depois lhe direi. Note que góstogosto muito delladela; acho-lhe um sabor particular naquellenaquele contraste de uma pessoa assim, tão humana e tão fórafora do mundo, tão ethereaetérea e

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tão ambiciosa, ao mesmo tempo, de uma ambição reconditarecôndita... Vá perdoando estas palavras mal embrulhadas, e até amanhã, concluiu elleele, estendendo-lhe a mão. Amanhã virei explical-asexplicá-las.

— Explique-as agora, emquantoenquanto os outros parecem rir de algum dito engraçado.

EffetivamenteEfetivamente, os homens riam de umalgum dito ou de um trocadilho; AyresAires quizquis falar, mas reteve a lingualíngua, e desculpou-se. A explicação era difficil; ella lin longa e difficil dificildifícil, viria d e não era urgente, disse elleele.

— Eu mesmo não sei m/s\ese me entendo, baronezabaronesa, nem se penso a

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verdade; pode póde ser. Em todo caso, minha boa amiga, até Petropolisamanhã ou até PetropolisPetrópolis. Quando espera subir?

— Lá para o fim do annoano.

— Então ainda nos veremos algumas vezes.

— Sim, e, se me não vir a mim, quero que veja os meus rapazes, que os receba e estime. e guie Elles oEles o temtêm em grande conta; não lhe fazem senão justiça. Pedro acha que o senhor é o espiritoespírito mais fino, e Paulo o mais rijo da nossa terra...

— Veja como a senhora os educa, ensinando-lhes a pensar errado, disse AyresAires sorrindo e fazendo um gesto

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de agradecimento. Eu rijo?

— O mais rijo e o mais fino.

Os d ultimosúltimos habituados da casa vieram dar boa noite áà dona. Dez minutos depois, AyresAires despedia-se do casal Santos.

A noite era clara e tranquilla.tranquila. Ayres recompozAires recompôs de memoria uma parte do serão para escrevel-aescrevê-la no Memorial. Poucas linhas, mas interessantes, nas quaesquais Flora era a principal figura: «Que o Diabo a entenda, se puder; eu, que sou menos que elleele, não acabareiacerto de a entender nunca. HontemOntem parecia querer a um, hoje quizquis ao outro; pouco antes das despedidas, queria a ambos. Encontrei

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outr’oraoutrora desses sentimentos alternos e simultaneossimultâneos; eu mesmo fui uma e outra cousa, e nunca deixei de me entender.sempre me entendi a mim. Mas aquellaaquela menina e moça... A condição dos gemeosgêmeos explicará esta inclinação dupla; pode ser tambem tambem que póde ser tambem quepode ser também que alguma qualidade falte a um que sóbresobre a noutro, e vice-versa, e ellaela, pelo gosto de ambas, não chacaba de escolher de vez. É phantasticofantástico, sei; maismenos phantasticofantástico ainda será se é se elleseles, destinados áà inimizade, achemacharem nesta mesma creaturacriatura um campo estreito de odio,ódio, mas isto os explicaria a elleseles, não a ellaela... Seja o que fôrfor, a nossa organisação politicaorganização política é

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util;útil; a presidenciapresidência de provinciaprovíncia, arredando Flora daqui, por algum tempo, tira esta moça da situação em que se acha, como a asna de Buridan. Quando voltar, a aguaágua estará bebida e a cevada comida. Um decreto ajudará a natureza.»

Isto feito, Ayres metteu-seAires meteu-se na cama, rezou uma ode do seu HoracioHorácio e fechou os olhos. Nem por isso dormiu. Tentou então uma paginapágina do seu Cervantes, outra do seu Erasmo, fechou novamente os olhos, até que dormiu. Pouco foi; ásàs cinco horas e quarenta minutos estava de pé. Em novembro, sabes que é dia.

 
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CapituloCapítulo XI LXIIVLX

Manhã de 1515.

Quando lhe acontecia o que ficou contado, era costume de AyresAires sair cedo, e ir a alguma distracção. Nem semprea espairecer. Nem sempre acertava. Desta vez foi ao Passeio PublicoPúblico. Chegou ásàs sete horas e meia, entrou, subiu ao terraço e olhou para o mar. O mar estava crespo. AyresAires começou a passear ao longo do terraço, ouvindo as ondas, e chegando-se áà borda, de quando em quando, para vel-asvê-las bater e recuar. Gostava

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dellasdelas assim; achava-lhes uma especieespécie de alma grande,forte, que as movia para mettermeter medo áà terra. A aguaágua, enroscando-se em si mesma, dava-lhe uma sensação, mais que de vida, de pessoa tambemtambém, a que não faltavam nervos nem musculosmúsculos, nem a voz que bradava as su suas zangas coleras.cóleras.

Afinal,Emfim,Enfim, cançoucansou e desceu, foi-se ao lago, tran parado, a manquieto, ao arvoredo e passeou áà toa, cit recitando versos e prosas revivendo homens e cousas, até que se sentou em um banco. Notou então que a pouca gente que havia alliali não estava sentada, como de costume, olhando áà toa, lendo gazetas

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ou cochilando a vigiliavigília de uma noite sem cama. Estava de pé, falando entre si, e a outra que entrava par ia pegando na conversação sem conhecer os interlocutores; assim lhe pareceu, ao menos. Chegou a ouvirOuviu algumas umas palavras soltas, Deodoro, batalhões, campo, , ministerio ministério, etc. Algumas, ditas em voztom alta/o\alto, vinham acaso para elleele, a ver se lhe espertavam a curiosidade, e se obtinham mais uma orelha ásàs noticiasnotícias. Não juro que assim fosse, porque o dia vaevai longe, e as pessoas não eram conhecidas. O propriopróprio AyresAires, se tal su/co\usacousa suspeitou, não a disse a ninguemninguém; tambemtambém não afiou o

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ouvido para alcançar o resto. Ao contrariocontrário, lembrando-lhe algo particular, tir escreveu a lapislápis uma nota na carteira. Tanto bastou para que os curiosos se dispersassem, não sem algum epithetoepíteto de louvou/r\louvor, aouns ao governo, outros ao exercitoexército: Ayres podia ser espiãoamigo de um ou de outro.

Quando AyresAires saiu do Passeio PublicoPúblico, suspeitava alguma cousa, e caminhou a péseguiu até o largo da Carioca. Poucas palavras e sumidas, gente parada, caras espantadas, outras medrosas vultos que arrepiavam caminho, mas nenhuma noticianotícia clara nem completa. Não tendo almoçado, metteu-se no primeiro tilbury Na rua do Ouvidor, soube que os militares tinham

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descido victoriososfeito uma revolução, ouviu descripçõesdescrições , mda marcha e das pessoas, e noticiasnotícias desencontradas. Voltou ao largo, onde treztrêslhe tilburystílburis o disputaram; elleele entrou se umno que lhe ficou mais áà mão, e mandou tocar para o CatteteCatete. Não perguntou nada ao Co cocheiro; este é que lhe disse tudo e o resto. Falou de uma revolução, de dous ministros mortos, um fugido, os demais presos. O imperador, capturado em PetropolisPetrópolis, vinha descendo a serra.

AyresAires olhava para o cocheiro, cuja palavra saía com amordeliciosa de novidade. Não lhe era desconhecido este/a\ homem creatura. Vira-o/a\ de casaca e de fraque, ao jogo e á missa, de decotada e perolas nasdesconhecida esta creatura. Já a vira, sem o tilbury, na rua ou na sala, á missa ou a bordo, nem sempre homem, alguma vez mulher, vestida de seda oudesconhecida esta criatura. Já a vira, sem o tílburi, na rua ou na sala, à missa ou a bordo, nem sempre homem, alguma vez mulher, vestida de seda ou

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olh orelhas. As novas saia de chita. Quiz saber mais,de chita. Quis saber mais, mostrou-se interessado e curioso, e acabou perguntando , se realmente houvera o que dizia. O cocheiro contou que ouvira tudo a um homem que trouxera da rua dos InvalidosInválidos e leváralevara ao largo da GloriaGlória, por signalsinal que estava assombrado, não podia falar, pedia-lhe que corresse, que lhe pagaria o dobro; e pagou.

— Talvez fosse de algum dos parimplicadodos comba no barulhoimplicado no barulho, barulho, suggeriu Ayressugeriu Aires.

TambemTambém pode póde ser, porque elleele levava o chapéochapéu derrubado, e a principioprincípio pensei que tinha sangue nos dedos, mas reparei e vi que era barro; com certeza, vinha de descer

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algum muro. Mas, pensando bem, creio que era sangue; barro não tem aquellaaquela côr.cor. A verdade é que elleele pagou o dobro da viagem, e com razão, porque a cidade não está segura, e a gente corre grande risco levando pessoas de um lado para outro...

EraChegavam justamente áà porta de AyresAires; este mandou parar o vehiculoveículo, pagou pela tabellatabela e desceu. Subindo a escada, ia naturalmente pensando nos acontecimentos possiveispossíveis. No alto achou o criado que sabia tudo, e lhe perguntou se era certo...

— O que é que não é certo, José? É mais que certo.

— Que te se tem matado gente?mataram tres matáram trezmataram três ministros?

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— Tres? Creio que sim Parece que est ha quatro feridos — Não; ha só um ferido.— Não; há só um ferido.

— Eu ouvi que mais gente tambemtambém, falaram em dez mortos...

— A morte é um phenomenofenômeno igual egual áà vida; talvez os mortos vivam. Em todo caso, não lhes rezesrézesrezes por alma, porque não és bom catholicocatólico, José.

 
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CapituloCapítulo LXVIII LXI

Lendo Xenofonte Xenophonte.Xenofonte.

Como é que, tendo ouvido falar da morte de dous e tres treztrês ministros, Ayres affirmouAires afirmou apenas o ferimento de um, ao rectificarretificar a noticianotícia do criado? Só se pode póde explicar de dous modos, — ou pelo sentimentopor um nobre sentimento de piedade que muita vez coroa remata uma longa vida, ou por esta regrapela opinião de que toda a noticia publicanotícia pública crescecresce de umdous terços, ao menos. A Qualquer que fosse a causa, a versão do ferimento era a unicaúnica verdadeira. Pouco depois

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passava pela rua do CatteteCatete a padiola que levava um ministro, ferido. Ja então a noticia da revolução eraSabendo q que os outros ministros estavam soltosvivos e sãos e o imperador era esperado de PetropolisPetrópolis, não acreditou de todo na mudança de regimenregímen annuque ouvira ao cocheiro de tilbury, ao criado José e depois ao Custodio da Co confeitaria tilbury e ao criado Josétílburi e ao criado José. Reduziu tudo a um movimento, quemovimento que ia acabar com a simples mudança de pessoal.

— Temos gabinete novo, disse comsigoconsigo.

Almoçou tranquillotranquilo, lendo uma pagina de Xenofonte Xenophonte: «Considerava eu um dia quantas republicas temrepúblicas têm sido derribadas por cidadãos que desejam outra especieespécie de governo, e quantas monarchiasmonarquias e olygarchiasoligarquias foramsão destruidasdestruídas pela

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sublevação dos povos; e de quantos sobem ao poder, uns são depressa derribados, outros, se duram, são admirados por habeishábeis e felizes...» Sabes a conclusão do autor, em prol da thesetese de que o homem é difficildifícil de governar; mas logo depois a pessoa de Cyro destróe aquellaCiro destrói aquela conclusão, mostrando um só homem que regeu milhões de outros, os quaesquais não só o temiam, mas ainda lutavam por lhe fazer as vontades. Tudo isto em grego, e com tal pausa que elleele chegou ao fim do almoço, sem chegar ao fim do segundoprimeiro capitulocapítulo.

 
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CapituloCapítulo LXII

«Pare no d. I»

Mas, S. Ex.Mas Sua Excelência está almoçando, dizia o criado no patamar da escada a alguemalguém que queria pedia para falar ao conselheiro.

Era falso, AyresAires acabava justamente de almoçar; mas o criado sabia que o amo gostava de saborear o charuto depois do almoço, sem interrupção. Agora estava no canapé e ouviu o dialogodiálogo do patamar. A pessoa insistia em dizer uma palavrinha.

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— Não pode póde ser.

— Bem, eu espero; logo que S. Ex.Sua Excelência acabe...

— O melhor é voltar dep logo;depois; não mora alliali defronte? Pois volte daqui a uma hora ou duas...

A pessoa era o CustodioCustódio da Cone foi para para casa, mas o velho diplomata, sabendo quem era, não esperou que acabasse o charuto; mandou-lhe dizer que viesse. CustodioCustódio saiu, correu, su subiu e entrou assombrado.

— Que é isso, Sr. CustodioSenhor Custódio? disse-lhe AyresAires. O senhor anda a fazer revoluções?

— Eu, senhor? Ah! senhor! Se V. Ex.Vossa Excelência soubesse...

— Se soubesse o quê?

CustodioCustódio explicou-se. Vá, resumamos a explicação. 

Na vesperavéspera, tendo de ir abaixo, CustodioCustódio foi áà rua da AssembléaAssembleia, onde se pintava a taboletatabuleta. Era já tarde; o pintor suspendera o trabalho trabalho. Só algumas das letras ficaram pintadas, — a palavra Confeitaria e a letra Dd. A letra o e a palavra imperioimpério estavam só debuxadas a giz. Gostou da tinta

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e da côrcor, reconciliou-se com a reforma fórmaforma, e apenas perdoou a despeza. Recommendoudespesa. Recomendou pressa. Quisera Queria inaugurar a taboletatabuleta no domingo.

Ao acordar na sexta-feira de manhã não soube logo do que houvera na cidade, mas pouco a pouco vieram vindo as noticiasnotícias, viu passar um batalhão, e creu que lhe diziam a verdade os que affirmavamafirmavam a revolução e vagamente a republicarepública. A principioprincípio, no meio do espanto, esqueceu-lhe a taboletatabuleta. Quando se lembrou delladela, comprehendeu que sustarviu que era preciso preciso sustar a pintura. Escreveu ásàs pressas um bilhete e mandou um caixeiro ao pintor. O bilhete

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dizia só isto: «Pare no D.» Com effeito,efeito, não era preciso pintar o resto, que seria perdido, nem perder o principioprincípio, que podia valer. Sempre haveria palavra que occupasseocupasse o logarlugar das letras restantes. «Pare no D.»

Quando o portador d voltou trouxe a noticianotícia de que a taboletatabuleta estava promptapronta.

— Você viu-a promptapronta?

— Vi, patrão.

— Tinha escriptoescrito o nome antigo?

— Tinha, sim, senhor: «Confeitaria do imperio.»império».

CustodioCustódio enfiou um casaco de alpaca e voou áà rua da AssembléaAssembleia. Lá estava a taboletatabuleta, por signalsinal

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que coberta com um pedaço de chita; alguns rapazes que a tinham visto, ao passar na rua, quizeramquiseram rasgal-a, rasgal-a;rasgá-la; o pintor, depois de a defender com boas palavras, achou mais efficaz cobril-aeficaz cobri-la. Levantada a cortina, CustodioCustódio leu: «Confeitaria do imperio império.» Era o nome antigo, o propriopróprio, o d celebrecélebre, mas era a destruição agora; não podia conservar um dia a taboletatabuleta, ainda que fosse em beccobeco escuro , quanto mais emna rua do CatteteCatete...

— O senhor vaevai despintar tudo isto, disse elleele.

— Não entendo. Quer dizer que o senhor paga primeiro a despezadespesa. Depois, pinto outra cousa.

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— Mas que perde o senhor em substituir a ultimaúltima palavra por por outra? A primeira f pode póde ficar, e mesmo o D d... Não leu o meu bilhete?

— Chegou tarde.

— E porquepor que pintou, quandodepois de tão graves acontecimentos?

— O senhor tinha pressa, e eu accordei ásacordei às cinco e meia para servil-oservi-lo. Quando me contaram as cousas deram as noticias,deram as notícias a taboletatabuleta estava promptapronta. Não me disse que queria pendural-apendurá-la domingo? Tive de pôr muito seccantesecante na tinta, e, alemalém da tinta, gastei tempo e trabalho.

CustodioCustódio quizquis repudiar a obra,

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mas o pintor ameaçou de pôr o numeronúmero da Confeitariaconfeitaria e o nome do do dono na taboletatabuleta, e expol-aexpô-la assim, para que os revolucionariosrevolucionários fo lhe fossem quebrar as vidraças do CatteteCatete. Não teve remedioremédio se nãosenão capitular. Que esperasse; ia pensar na substituição; em todo caso, pedia algum abate no preço. Alcançou a promessa do abate e corvoltou a casa. Em caminho, pensou no que perdia mudando de titulotítulo, — uma casa tão conhecida, desde annosanos e annosanos! Então, lembrou-lhe consultar o visinho Ayres e correu a vel-oDiabos levassem a revolução! Que nome lhe poria agora? Nisso lembrou-lhe o visinho Ayresvizinho Aires e correu a ouvil-oouvi-lo.

 
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CapituloCapítulo LXIII

TaboletaTabuleta novanova.

Referido o que lá fica atrazatrás, CustodioCustódio confessou tudo o que perdia no titulotítulo e na despezadespesa, o mal que lhe trazia a conservação do nome da casa, a impossibilidade de achar outro, um abysmoabismo, em summasuma. Não sabia que buscasse; faltava-lhe invenção e paz de espiritoespírito. Se pudesse, liquidava a confeitaria. E afinal que tinha elleele com politicapolítica? Era um simples fabricante de docese vendedor de doces, estimado,

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afreguezadoafreguesado, respeitado, e principalmente respeitador da ordem publicapública...

— Mas o que é que ha? perguntou AyresAires.

PareceA Republica republicarepública está proclamada.

— Já ha governo?

— Penso que ja; mas diga-me V. Ex.Vossa Excelência ouviu alguem accusar-mealguém acusar-me jamais de attacaratacar o governo? NinguemNinguém. Entretanto... Uma fatalidade! Venha em meu soccorrosocorro, ExcellentissimoExcelentíssimo. Ajuda-meAjude-me a sair deste brejo embaraço. A taboletatabuleta está promptapronta, o nome todo pintadopintado. — «Confeitaria do ImperioImpério», a tinta é viva e bonita. O pintor teima em que lhe pague o trabalho, para então fazer outro. Eu, se a obra não estivesse acabada,

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mudava de titulo,título, por mais que me custasse, mas heidehei de perder o dinheiro que gastei? V. Ex.Vossa Excelência crê que, se ficar « Imperio,»Império», venham quebrar-me as vidraças?

— Isso não sei.

— Realmente, não ha motivo; é o nome da casa, nome de trinta quarentatrinta annos, annos.anos. ninguemNinguém a conhece de outro modo…

— Mas pódepode pôr «Confeitaria da RepublicaRepública...»

— Lembrou-me isso, em caminho, mas tambemtambém me lembrou que, se daqui a um ou dous mezesmeses, houver nova reviravolta, fico no ponto em que estou hoje, e perco novame outra vez o dinheiro.

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— Tem razão... Sente-se.

— Estou bem.

— Sente-se e fume um charuto.

CustodioCustódio recusou o charuto, não fumava. AcceitouAceitou a cadeira. Estava no gabinete de trabalho, em que maisalgumas curiosidades lhe chamariam a attençãoatenção, se não fosse o atordoamento do espiritoespírito. Custodio punhaContinuou a implorar o soccorro do visinha/o\visinhovizinho. S. Ex.Sua Excelência, pocom a grande intelligenciainteligência que Deus lhe dera, podia salval-osalvá-lo. Ayres propoz-lheAires propôs-lhe um meio termo, um titulotítulo que iria comcom ambas as hypotheseshipóteses, — «Confeitaria do Governogoverno».

— Tanto serve para um caso regimenregímen como para outro.

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— Não digo que não, e, a não ser a despezadespesa perdida... Ha, porém, uma razão contra. V. Ex.Vossa Excelência sabe que não hanenhum governo que não tenhadeixa de ter opposiçãooposição. As opposiçõesoposições, quando descerem áà rua, podem implicar commigo,comigo, imaginar que as desafio, e quebrarem-me a taboletatabuleta; entretanto, o que eu procuro é o respeito de todos.

AyresAires compreendeu bem que ja agora o que affligia o confeiteiro era principalmente a despeza. Certoo terror ia com a avareza. Certo, o visinhoo terror ia com a avareza. Certo, o vizinho não queria barulhos áà porta, nem malquerenças gratuitas, nem odiosódios de quem quer que fosse; mas antes de e acima de tudo via a despeza. A dor de perder ou trocar o titulo não vinha só do mas, não o affligia menos a despeza que teria de fazer de quando em quando, se não achasse um titulo definitivo, popularmas não o afligia menos a despesa que teria de fazer de quando em quando, se não achasse um título definitivo, popular,

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receio de perder com elle a celebridade, vinha tambem de ser preciso mudar de e imparcial. Perdendo o que tinha, perdia a celebridade, alemalém de perder a pintura e pagar mais sem resgate.dinheiro. NinguemNinguém lhe compraria uma taboleta condemnadatabuleta condenada. Já era muito ter o nome e o titulotítulo no no AlmanackAlmanaque de Laemmert, onde podia lel-olê-lo algum inadvertidoabelhudo e ir com outros outros, punil-opuni-lo do que estava impresso desde o principioprincípio do annoano...

— Isso não, interrompeu AyresAires; o senhor não hade ha dehá de recolher a edição de um almanackalmanaque.

E depois de alguns instantes:

— Olhe, dou-lhe uma ideia, que pode póde ser aproveitada, e, se não a achar

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boa, tenho outra áà mão, e será a ultimaúltima. Mas eu creio que qualquer dellasdelas serve. Deixe a taboletatabuleta como est pintada como está, e áà direita, na ponta, por baixo do titulotítulo, mande escrever estas palavras que explicam o titulotítulo: «Fundada em 185/6\0.»1860». Não foi em 185/6\01860 que abriu a casa?

— Foi, respondeu CustodioCustódio.reflectindo

— Pois...

Custodio reflectiaCustódio refletia. Não se lhe podia ler sim nem não; attonitoatônito, a boca bôca entre-aberta, não olhava para o diplomata, nem para o chão, nem para as papparedes ou moveismóveis, mas para o ar. Como AyresAires insistisse, elleele accordouacordou e confessou que a ideia era

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boa. Realmente, mantinha o titulotítulo e tirava-lhe o sedicioso, mormenteque crescia com a/o\o pintu frescura dafresco da pintura. Entretanto, a outra ideia podia ser e/i\gual egualigual ou melhor, e quizeraquisera comparar as duas.

— A outra ideia não tem a vantagem de pôr a data áà fundação da casa, para tem só a de definir o titulotítulo, que fica sendo o mesmo, de uma maneira alheia ao regimen regimenregímen. Deixe-lhe estar a palavra « imperioimpério» e accrescente-lheacrescente-lhe , em baixoembaixo, ao centro, estas duas, que não precisam ser graúdas: das leis. Olhe, — «Confeitaria do imperio das leis» assim, concluiu AyresAires ind sentando-se

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á secretariaà secretária, e escrevendo em uma tira de papel: Confeitaria do imperio das d leis.papel o que dizia.

CustodioCustódio achou que a ideia era boaleu, releu e achou que a ideia era boa. Sim util; sim,útil; sim não lhe parecia má. Só lhe achouviu um defeito; sendo as letras de baixo menoresmenores, podiam não ser lidas tão depressa e claramente, como com as primeirasde cima, e só estase estas é que se metteriammeteriam pelos olhos ao que passasse. DahiDaí a que algum politicopolítico ou sequer inimigo pessoal não entendesse logo e... A primeira ideia, bem considerada, tinha o mesmo mal, e ainda este outro: pareceria que o confeiteiro, marcando a data

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da fundação, fazia timbre em ser antigo. Quem sabe se não era peorpior que nada?

— Tudo é peorpior que nada.

— Procuremos.

AyresAires achou outro titulotítulo, o nome da rua, «Confeitaria do CatteteCatete», sem advertir que, havendo outra confeitaria na mesma rua, era attribuiratribuir exclusivamente áà est do CustodioCustódio a designação local. Quando o visinhovizinho lhe fez tal ponderação, AyresAires achou-a justa, e gostou de ver a delicadeza de sentimentos do homem; mas o que verdadeiramente percebeu logo depois reparou quemas logo depois descubriudepois descobriu que o que fez falar o CustodioCustódio foi a ideia de que esse titulotítulo ficava commum áscomum às duas

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casas. Muita gente não atinaria com o titulotítulo escriptoescrito, e compraria na primeira que lhe ficava/sse\ ficassseficasse áà mão, de elle iria perdendo a freguezia que lhe dava a fama maneira que só elle faria as despezasmaneira que só elle faria as despezasmaneira que só ele faria as despesas da pintura, e ainda por cima perdia a fregueziafreguesia. Ao perceber isto, AyresAires não admirou menos a sagacidade de um homem que, que em meio de tantas tribulações, contava osos maus fructosfrutos de um equivocoequívoco. Disse-lhe então que o melhor seria pagar a despesa despeza feita e não pôr nada, a não ser que preferisse o seu propriopróprio nome: «Confeitaria do Custodio.»Custódio». Muita gente certamente lhe não conhecia a casa por outra designação. Um nome, o

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propriopróprio nome do dono, não tinha significação politicapolítica ou figuração historica, odiohistórica, ódio nem amor, nada que chamasse a attençãoatenção dos dous regimensregímens, e conseguintemente pu que puzessepusesse em perigo os seus pasteispastéis de Santa Clara, menos ainda a vida do proprietarioproprietário e dos empregados. PorquePor que é que não adoptava esse alvitre? Gastava sempre alguma cousa com a troca da/e\de uma palavra por outraé verda, CustodioCustódio em vez de ImperioImpério, mas as revoluções sempr ptrazem sempre despezas.despesas.

— Sim, vou ver,pensar, ExcellentissimoExcelentíssimo. Talvez convenha q esperar um ou dous dias, e/a\a ver em que param as modas, disse CustodioCustódio agradecendo.

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Curvou-se, recuou e saiu. AyresAires foi áà janellajanela para vel-ovê-lo atravessar a a rua. Imaginou que elleele levaria da casa do ministro aposentado um lustre particular que faria esquecer por instantes a crise da taboletatabuleta. Nem tudo são d despezasdespesas na vida, e a gloriaglória das relações podia amaciar as agruras deste mundo. Não acertou desta vez. CustodioCustódio atravessou a rua, sem parar nem olhar para traztrás, e enfiou pela confeitaria dentro com todo o seu deses des desespero.

 
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CapituloCapítulo LXIXLXVII LXIV

Paz!

Que, em meio de do tão graves successossucessos, AyresAires tivesse bastante pausa e claridade para fazerimaginar tal descoberta no visinhovizinho, só se pode póde explicar pela incredulidade com que recebera as noticiasnotícias. A propria afflicçãoprópria aflição de CustodioCustódio não lhe dera fé. Vira nascer e morrer muito boato falso. Uma de suas regras maximasmáximas é que o homem vive para canonisar propagarespalhar a primeira invenção de rua, e que tudo se fará crer crêr

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a cem pessoas juntas ou separadas. ásàs duas horas da tarde, quando Santos lhe entrou em casa, acreditou na rev mudançaqueda do regimen imperioimpério.

— É verdade, conselheiro, vi descer as tropas pela rua do Ouvidor, ouvi as acclamações áaclamações à republicarepública. As lojas estão fechadas, os bancos tambemtambém, e o principal peorpior é se se não abrem mais, se vamos cair na desordem publicapública; é uma calamidade.

AyresAires ten quizquis aquietou/ar\-lheaquietar-lhe o coração. Nada se mudaria; o governo, regimen,regímen, sim, era possivelpossível, mas tambemtambém se muda de roupa sem trocar de pellepele. CommercioComércio é preciso. Os bancos são indispensaveisindispensáveis. Que descançasse. No sabbadosábado,

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ou quando muito na segunda feira, tudo voltaria ao que era na quinta vespera,véspera, menos a Constituiçãoconstituição.

— Não sei, tenho medo, conselheiro.

— Não tenha medo. Já esteve com a baronezaA baroneza já sabe o que ha?A baronesa já sabe o que há?

— Quando eu saí sai de casa, não sabia, mas agora é provavelprovável.

— Pois vá aquiet tranquillisal-a;tranquilizá-la; naturalmente está afflictaaflita.

Santos receiavareceava os fuzilamentos; por exemplo, se fuzilassem o imperador, e , com elleele as pessoas de sociedade? Recordou que o Terror... AyresAires tirou-lhe o Terror da cabeça. As occasiõesocasiões fazem as revoluções, disse elle elle,

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sem intenção de rimar, mas gostou que rimasse, para dar fórmaforma fixa áà ideia. Depois, Depois lembrou a indoleíndole branda do povo. O povo mudaria de governogoverno, sem tocar nas pessoas. Haveria lances de generosidade. Para provar a bondade do povo, contou um casoo que dizia, referiu dizia referiudizia, referiu um caso que lhe contáracontara um velho amigo, o marechal Ba/ea\urepaireBeaurepaire Rohan. Era no tempo da RegenciaRegência. O imperador fora fôra ao theatroteatro de S.São Pedro de AlcantaraAlcântara. No fim do espectaculo,espetáculo, o amigo ma de rechal de Ayresamigo, então moço, ouviu grande rumor do lado da egrejaigreja de S.São Francisco, e correu a saber o que era. PerguntouFalou a um homem, que bradava indignado, e ellee este lhe disse soube dellesoube dele que o cocheiro do

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imperador não tirara o chapeo, quandono chapeo nochapéu no momento em que o imperadoreste chegára áchegara à porta para entrar no ch/o\checoche; eo homem accrescentouacrescentou: «Eu sou ré...» NaquelleNaquele tempo os republicanos por brevidade ou can ou outra razão eram assim chamados... «Eu sou ré, mas não consinto que faltem ao respeito a este menino!»

Nenhuma feição de Santos mostrou apreciar ou sequer entender sequer aquelleaquele rasgo anonymo.anônimo. Ao contrariocontrário, todo elleele parecia entregue ao presente, ao momento, ao commerciocomércio fechado, aos bancos sem operações, e ao receio de uma suspensão total de negocios durante negocios, durantenegócios, durante prazo indeterminado. Cruzava

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e descruzava as pernas. Afinal ergueu-se e suspirou.

— Então, parece-lhe...? 

— Que descancedescanse.

Santos acceitouaceitou o conselho, mas vaevai muito do acceitaraceitar ao cumprir, e a apparenciaaparência era mui diversa do coração. O coração batia-lhe. A cabeça via esboroar-se -lhe tudo. QuizQuis ir para casa, despedir-se, mas fez duas ou trestrês investidas antes de pousar o pé fora do gabinete e caminhar para a escada. Instava pela certeza. Conquanto Comquanto Com quanto tivesse visto e ouvido a republicarepública, podia ser... Em todo caso, a paz é que era necessarianecessária, e haveria paz? AyresAires disinclinava-se a crer crêr que sim, e novamente o conc/v\idouconvidou a descançardescansar.

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— Até logo, concluiu

Por que Porque não vaevai la jantar comnoscoconosco?

— Tenho de jantar com um amigo, no Hotel dos Estrangeiros. Depois, talvez, ou amanhã. Vá, vá tranquillisartranquilizar a baronezabaronesa, e os rapazes. Os rapazes estarão em paz? Esses brigam, com certeza; vá pôl-os pol-ospô-los em ordem.

— O senhor podia ajudar-me nisso. Vá lá de noite.

— Não sei; — Pode — Póde— Pode ser; se puder, vou. Amanhã com toda a certeza.

Santos saiu; tinha o carro áà espera, entrou e seguiu para Botafogo. Não levou/ava\levava a paz comsigoconsigo, não a poderia dar áà mulher, nem áà cunhada, nem aos filhos. QuizeraQuisera chegar a casa,

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por medo da rua, mas quizeraquisera tambemtambém ficar na rua, por não saber que palavras nem que conselhos daria aos seus. O espaço do carro ao, menos era pequeno e bastante para um homem; mas, emfimenfim, não viviriaviveria alliali o/a\a dia hi tarde inteira. Por outro lado Ao demais, a rua estava quieta. Via gente áà porta das charutarias,lojas. No largo do Machado viu ououtra que ria, alguma calada, nenhuma tinha propriamente ar de susto. o ar do susto. havia espanto, mas não havia propriamente susto.

 
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CapituloCapítulo LXXVIII LXV

Voltando da ruaEntre os filhosfilhos.

Quando Santos chegou a casa, Natividade estava inquieta, sem noticia exactanotícia exata dos aconte e definitiva dos acontecimentos. Não sabia da monarchia. Não sabia da republica. acontecimentos. Não sabia da republica.acontecimentos. Não sabia da república. Não sabia do marido nem dos filhos. AquelleAquele sahira sairasaíra antes dos primeiros rumores, estes iam fazer a mesma cousa, logo que estes elles os boatos chegaram. O primeiro gesto da mãe foi impedirfoi para impedir que os filhos saissemsaíssem, mas não pôde nada, era tcada era tardenão pôde, era tarde. Não os

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podendo conter,reter, pegou-se com a Virgem Maria, afima fim de que os poupasse, e esperou. A tia pairmã †irmã fez o mesmo. Era mesmo, Era perto dode meio dia; foi então que os minutos entraram a parecer seculosséculos.

A anciaânsia da mãe era naturalmente maior que a da tia. Natividade via andar o tempo com ferros aos passospés. Não havia alvoroço que atasse um par de azas aquellas áquellasàquelas horas longas do rego relogiorelógio da casa, nem aos do cinto, d o delladela e o da irmã; todos elleseles cocheacoxeavam de ambos os pont ponteiros. EmfimEnfim, ouviu na areia do jardim as rodas de um carro; era Santos.

Natividade acudiu ao patamar

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da escada,escada. Santos subiu, e as mãos de ambos estenderam-se e aggarraram-seagarraram-se. Uma longaLonga vida conjunctaconjunta acaba por fazer da ternura uma cousa grave e espiritual. Entretanto, é certo pode parece que o gesto do marido não foi original, mas secundariosecundário, filho ou imitativo do da mulher. PodePóde ser que a corda da sensibilidade fosse menos vibrante na lyralira do delledele que na delladela, posto que muitos annos atrazanos atrás, aquelleaquele outro gesto no coupé, quando el voltavam da missa de S.São Domingos, lembras-te?... Sobre isto escrevi agora algumas linhas, que não ficariam mal, se as acabasse, mas recúorecuo a tempo, e risco-as. Não vale a pena

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ir áà cata das das/pa\lavraspalavras riscadas. Menos vale suppril-assupri-las.

Que nos bastem bastam as quatro mãos apertadas. Natividade perguntou pelos filhos. Santos opinou que não tivesse medo. Não havia nada; tudo parecia estar como nono dia anterior, as ruasruas socegadassossegadas, as caras mudas. Não correria sangue. Osangue, o commerciocomércio ia continuar. Toda a animação do/e\de con AyresAires tinha agora brotado nellenele, a vista da rua nas das ruasacom a mesma verdura e o mesmo estyloestilo.

Os filhos chegaram tarde, cada um por sua vez, e Pedro menos tardemais cedo que Paulo. A melancolia de um ia com a alma da casa, a alegria dealegria de outro

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de outro destoava delladesta, mas taestais eram uma e outra que, apezarapesar da expansão da segunda, não houve repressão nem discordi briga. Ao jantar, falaram p pouco. Paulo referia os acontecimentos ansuccessossucessos com en amorosamente. ConversáraConversara com alguns co-religionarios, e co-religionarios ecorreligionários e souberasoube do que se passára ápassara à noite e de manhã, a marcha dos moços, ae a reunião dos batalhões no Campocampo, as palavras de Ouro Preto, aoPreto ao marechal Floriano, a resposta deste, a acclamaçãoaclamação da re r/R\epublicaRepublicaRepública. A familiafamília ouvia e perguntava, não discutia, e esta indmoderação contrastava com a gloriaglória de Paulo. O silenciosilêncio de Pedro principalmente era como um desafio. Não

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sabia Paulo que a propriaprópria mãe é que lh’oo pedira ao irmão com muitos beijos, motivo queque, em tal momento, ia com o aperto do coração do rapaz.

O coração de Paulo, ao contrariocontrário, era livre, deixava circular o sangue, como a felicidade. no ceu. Sentimentos Os sentimentos republicanos, emem que os principios seem que os princípios se incrustavam, viviam incrustavam viviam alliali tão fortes e quentes, que mal deixavam ver o abatimento de Pedro e o acanhamento da outra gente sua. Ao fim do jantar, Paulo bebeujantar, bebeu áà RepublicaRepública, mas calado, sem ostentação, apenas olhando para o tectoteto, e levantando o copo um tantinho mais que de costume. NinguemNinguém replicou por outro gesto ou palavra.

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Certamente, o moço Pedro quizquis dizer alguma palavra phrasefrase de piedade relativamente ao regimenregímen imperial e ásàs pessoas de BragançBragança, mas a mãe quasiquási que não tirava os olhos delledele, como impondo ou pedindo silenciosilêncio. De resto De maisDemais, elleele não cria tudo pernada mudado; a despeito de decretos e proclamações, Pedro imaginava que tudo podia ficar como d’antesdantes, alterado apenas o pessoal do governo. Custa pouco, dizia elleele baixinho áà mãe, agu ao deixarem a mezamesa; é só o imperador falar ao Deodoro.

Paulo saiu, logo depois dedo jantar, com promettendoprometendo de vir cedo. A mãe, co re com medo receiosareceosa de o ver mettidometido em barulhos, não queria que elle saisseele saísse; mas outro medoreceio fel-afê-la consentir, e este era que os dous irmãos brigassem finalmente. Assim um medo vence a outro, e a gente acaba por dar o que negou. a pr Não é menos certo que ellaela raciocinou alguns minutos antes de resolver, do mesmo modo que

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eu escrevi uma paginapágina antes da que vou escrever agora; mas ambos nós, Natividade e eu, acabamos por deixar que os actosatos se praticassem, sem opposição dellaoposição dela, nem commentariocomentário meu. Assim vae o mundo.

 
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CapituloCapítulo LXIXIV LXVI

O basto e a espadilhaespadilha.

Vieram amigos da casa, trazendo noticiasnotícias e b boatos. Variavam pouco, epouco e geralmente não havia opinião segura segura ácercaacerca do resultado. NinguemNinguém sabia se a victoriavitória do movimento era um bem, se um mal, apenas sabiam que era um factofato. DahiDaí a ingenuidade com que alguemalguém propozpropôs o voltarete do costume, e a boa vontade de outros em acceital-oaceitá-lo. Santos, emboraembora declarasse que não jogava, mandou pôr as cartas

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e os tentos, mas os outros opinaram que sempre faltava um parceiro, e, sem e sem elleele, não tinhahavia graça. Que QuizQuis resistir; não era bonito que no propriopróprio dia em que o regimen cairaregímen caíra ou entregaraia cair, entregassesseentregasse o espiritoespírito a recreação/ões\recreações de sociedade... Não pensou isto assim isto em voz alta nem baixa, mas comsigoconsigo, e talvez o leu no rosto da mulher. Acharia Acharia um pretexto para resistir, se buscasse algum, mas amigos e cartas não lhe deixar/v\amdeixavam buscar nada. Santos acabou acceitandoaceitando. Talvez fosse essa mesma a inclinação EmfimTalvez fosse Provavelmente,Provavelmente era essa mesma a inclinação intima.íntima. Muitas ha que precisam ser attrahidasatraídas cá fora, como um favor ou concessão dada

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pessoa. EmfimEnfim, o basto e a espadilha fizeram naquellanaquela noite o seu officioofício, como as mariposas e os as ratos, os ventos e as ondas, o lume das estrellasestrelas e o somnosono dos cidadãos.

 
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CapituloCapítulo LXXIII LXVII

A noite inteira.

Saindo de casa, Paulo foi áà de um amigo, e os dous sair metteram entraram a buscar outros da mesma idade edade e e/i\gual egualigual intimidade. Foram Fôram aos jornaesjornais, ao quartel do Campo, e al pararampassaram algum tempo deantediante da casa de Deodoro. Gostavam de ver os soldados, a pé ou a cavallocavalo, pedindpediam licença, para lhes offerecer lhesfalavam-lhes, falarem, e offereciamofereciam cigarros. Era a unicaúnica concessão destes; nenhum lhes contou o que se passárapassara, nem todos saberiam nada.

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Não importa, iam cheios de si. Paulo era o mais enthusiastaentusiasta e convicto. Aos outros valia só a mocidade, que é um programmaprograma, mas o filho de Santos tinha frescas todas as ideias do novo regimen,regímen, e possuiapossuía ainda outras que não via ja acceitas acceitaraceitar; bater-se-ia por ellaselas. Trazia até um impeto a desejoo desejo de achar alguemalguém na rua, que soltasse um grito, ja agora sedicioso, para lhe quebrar a cabeça com a bengala. Note-se que esquecera ou perdera a bengala. Não deu por falta delladela; se déssedesse, bastavam-lhe para a ameaçaos braços e as mãos.

Teve desejo de cantar a Marse Propoz cantarem a Marselheza; os Propôs cantarem a Marselhesa; os outros não quer/iz\eramquizeramquiseram ir tão longe, não por medo, senão de cançadoscansados. Paulo,

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que resistia mais que elleseles ao caná fadiga,à fadiga lembrou-lhes esperar a aurora.

— Vamos esperal-aesperá-la do alto de um morro, ou da praia do Flamengo; teremos tempo de dormir amanhã.

— Eu não posso, disse um.

Os outros repetiram a recusa, e assentaram de ir para suas casas. Era u meia noite uma uma perto de duas horas. Paulo acompanhou-os a todos, e só depois de ver o ultimoúltimo recolhido, foirecolhido foi sosinho sósinhosozinho para Botafogo.

Quando entrou, deu com a mãe que esperava por elleele, inquieta e arrependida de o haver deixado sa. F sair Fal sair. Paulo achounão achou desculpa e censurou a mãe por não dormir, áà espera

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delledele. Natividade confessou que não teria somnosono, antes de o saber em casa, sãocasa são e salvo. Falavam baixo e pouco; tendo-se beijado antes, beijaram sebeijaram-se depois e despediram-se.

— Olha, disse Natividade, se achares Pedro accordadoacordado não lhe contes nem lhe perguntes nada; dorme, e amanhã saberemos tudo – etudo e o mais que se passar esta noite.

Paulo entrou no quarto pé ante pé,. e/E\raEra ainda aquelleaquele grande vasto quarto em que os dous gemeosgêmeos brigaram por causa de duas velhas gravuras, Robespierre e LuizLuís XVI. Onde iam ellas? Agora, havia mais que os retratos, uma revolução de poucas horas e um gove

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governo feitofresco. Obedecendo ao conselho da mãe, Paulo não quizquis saber se Pedro dormia, posto desconfiasse que não. Effectivamente,Efetivamente, não; Pedronão. Pedro viu as cautellascautelas de Paulo, e ob cumpriu tambemtambém as ordens os os conselhos da mãe; fingiu que não via nada. Até ahi os conselhos; mas um pouco de gloriaglória fez com Pa que Paulo cantra/ar\olassecantarolasse entre os dentes, baixinho, para si, a primeira estrophe daprimeira estrofe da MarselhezaMarselhesa que os amigos tinham recusado fórafora:

Allons, enfants de la patrie!,

Le jour de gloire est arrivé!

Pedro percebeu antes pela todtod/a\datoada que pela lettraletra, e concluiu que a intenção do outro era affligi-loafligi-lo. Não era,

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mas podia ser. VacillouVacilou entre a réplica e o silenciosilêncio, até que uma idéaideia fantasticafantástica lhe atravessou o cerebrocérebro, cantarolar, tambemtambém baixinho, a segunda parte de/a\da estropheestrofe,: «N’entendez-vous dans v vos campagnes»...»«Entendez-vous dans vos campagnes…», que allude ásalude às tropas estrangeiras, mas desviada do natural sentido historicohistórico, para restringil-a ásrestringi-la às tropas nacionaesnacionais. Era um desforço vago, a ideaideia passou depressa. Pedro contentou-se de disimular a indifferençaindiferença suprema do